Os gregos, sempre eles
E sequem-se-me os dedos a cabeça
estoire e não fique de tudo uma palavra
se a maldição for tanta que eu te esqueça
e não reste sequer o chão e não de quantas ruas e
não reste a cidade
e seja a memoria deste homem um escárnio ocultado por quinze
gerações de vindouros
com seus cães que se deitam aos pés das pessoas e parecem
adivinhar a linguagem monstruosa
das narinas resfolegando
se a maldição for tanta e tão pérfida
que eu te esqueça na morte, que eu te esqueça
(poema 1 de “memorias do contencioso” in “A Musa Irregular” de Fernando Assis Pacheco)
1. Alvíssaras, alvíssaras sejam dadas a este modesto mensageiro. Já está aí, em todas as bancas, a Ilíada na tradução de Frederico Lourenço. Editora, como sempre, a prestável Cotovia que já nos tinha brindado com a Odisseia.
2. Pela primeira vez, na língua de Camões, o poema homérico em verso (!!!). A ler já, imediatamente. E que se declare a “utilidade pública” do tradutor, com direito a tença anual e outras prebendas honoríficas!
3. E, agora, que está por aí a rondar a feira do livro, Amigos e Companheiros, um esforço mais: não percam, se a encontrarem, A retirada dos 10.000 de Xenofonte, na tradução (a única que conheço, provavelmente traidora mas espantosamente saborosa) de Aquilino Ribeiro. A edição que possuo, e que é velhinha, tinha a chancela da Bertrand.
4. Este entusiasmo pelo ateniense Xenofonte (que descreve como um exército de mercenários gregos, morto que está o seu contratante, um pretendente ao trono persa, chamado Ciro, recolhe a penates perseguido, cercado e fustigado por inimigos inumeráveis, durante milhares de quilómetros) é tal que, se pudesse, gostaria de repetir o gesto de Bernard Pivot num célebre “apostrophes”: os compradores que não gostassem de um determinado livro recomendado por ele poderiam enviar-lho que seriam ressarcidos da despesa.
5. E que vem o Assis aqui fazer no meio de tanto grego vociferante e ardiloso? Ora bem: num dos mais extraordinários passos da Ilíada defrontam-se um grego e um troiano. O primeiro, Diomedes, antes de iniciar o combate pergunta ao oponente quem ele é e donde vem pois que mais tarde gostaria de gabar-se da morte dum adversário às suas mãos. O troiano, Glaucos, identifica-se mas o combate fica sem efeito. De facto o grego e o troiano eram “hóspedes hereditários” ou seja as suas famílias acolhiam-se mutuamente nas respectivas cidades o que permitia ao estrangeiro passear-se sem medo e honradamente pela terra visitada. Esta instituição da hospedagem dava ao estrangeiro direitos de quase cidadania desde que o hospedeiro, claro, cidadão.
Ora acontece que meu pai e o do Assis foram contemporâneos e amigos em Coimbra, na faculdade de medicina. Assim o Fernando e eu, mal chegámos à fala, considerámo-nos “amigos hereditários”, coisa que depois compartilhei com mais alguns dos meus coevos na mesmíssima cidade. E essa amizade durou até à morte dele (e dura ainda por interposta viúva, filhas, filho e netaria). Assumia, de quando em vez, como no poema homérico poderão igualmente verificar, troca de presentes. O Pacheco mandava-me os livros e eu fornecia-lhe vinho do Porto da nossa lavra familiar. Como calculam, era eu quem ganhava.
6. Na anterior receita, avisei a clientela desta botica que hoje havia um receituário de jazz em dvd. Saiu em França, uma série, genericamente chamada the blues. São sete filmes em dvd de autores tão interessantes como Scorcese, Clint Eastwood ou Wim Wenders e dão uma óptima perspectiva sobre o melhor do género. São, modestamente, imperdíveis: Eis os títulos:
Piano blues; Du Mali au Mississipi; The soul of a man; La route de Memphis; Red white and blues; Devil’s fire; Godfathers and sons.
E porquê a origem franciú, perguntarão os ardilosos lusitanos leitores desta coluna? Porque das franças e araganças não se pagam as taxas que, por exemplo, recaem nas encomendas vindas dos Estados Unidos. Direcções seguras para pedir via internet: alapage.com, chapitre.fr e, especialmente, amazon.fr (excelente!).
Como poderão verificar a novel loja de retrosaria que abriu ao lado apresenta o Assis, repetindo-se num ponto o que acima se escreveu. São acasos que se não repetirão e, de todo o modo, o Assis merece que falem dele. Muito.
08 abril 2005
Farmácia de serviço nº 6 (mais viva do que nunca!)
Marcadores: Farmácia de serviço, mcr
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário