notícias do 'antigamente' - crónicas contra o esquecimento
COMO ERAM AS ELEIÇÕES QUE HAVIA
Provavelmente já saberás que não havia partidos políticos de oposição legais – havia , por um lado, e devidamente autorizada, a UNIÃO NACIONAL /ACÇÃO NACIONAL POPULAR - que congregava os adeptos do governo - e, de vez em quando eram toleradas, mas com fortes condicionalismos de acção, plataformas eleitorais, como o MUD, a CEUD e a CDE. Havia ainda, na clandestinidade, o Partido Comunista e o Partido Socialista. Os membros destes partidos e os seus líderes eram fortemente perseguidos, presos ou encontravam-se exilados.
Não havendo partidos com vida regular autorizada, também não poderia haver eleições democráticas - nem para a Presidência da República, nem para o Parlamento, então chamado Assembleia Nacional.
De vez em quando, porém, havia 'eleições' - nessa altura aceitavam-se as tais plataformas eleitorais - mas dificultava-se-lhes o acesso a tempos de antena, aos jornais (que eram censurados) e os comícios e sessões de esclarecimento eram dificultados, proibidos, por vezes, e outras vezes interrompidos por cargas da polícia.. Não havia eleições autárquicas nem para as Câmaras Municipais, nem para as Juntas de Freguesia. Presidentes da Câmara e Presidentes das Juntas de Freguesia eram nomeados pelo governo. Havia, nas aldeias, também uma espécie de ‘ministro’ ou prefeito, chamado «regedor», encarregado de manter a ordem e chamar a Guarda Republicana em caso de bagunça...
E quem é que votava? - Só alguns: - os chefes de família (o pai), com a 4ªclasse feita (durante muito tempo o ensino não foi obrigatório - por isso ainda há tantos analfabetos) que usufruíssem de determinado rendimento anual - isto excluía grande parte das mulheres, os pobres e os analfabetos. Podiam também votar os funcionários e funcionárias do Estado (os quais, como foi dito antes, eram obrigados a uma declaração de fidelidade ao regime), cujo recenseamento era assegurado pelos serviços de que dependiam.
Não havia acesso aos cadernos eleitorais - e por isso a oposição não podia controlar a sua correcção.
Nestas condições, as eleições não eram verdadeiramente livres nem democráticas - e na maior parte das vezes, as listas de oposição viam-se obrigadas a desistir da sua candidatura, por falta de respeito pelos seus direitos. Havia, assim, fortes suspeitas de fraude nas eleições.
As eleições mais célebres foram para a Presidência da República, em 1958 - havia o candidato de Salazar, Almirante Américo Tomás, e o da oposição, general Humberto Delgado,mais tarde conhecido por «general sem medo».
Foram as eleições mais concorridas e suspeita-se de que, apesar de todas as obstruções, o candidato da oposição ganhou. Só que os resultados eleitorais fornecidos pelo Governo foram os inversos...em parte devido ao número elevado de mortos que votaram...Não havia representantes dos candidatos a assistir à contagem...
Para evitar problemas destes, deixou de haver eleições do Presidente por voto directo e secreto – o Presidente passou a ser eleito por um colégio eleitoral formado por gente do regime...Assim, Américo Tomás manteve-se como presidente até 25 de Abril de 1974 .
Antes disso, o General Humberto Delgado fora barbaramente assassinado pela PIDE, polícia secreta.
Ou seja: no que respeita a eleições (e não só) estava a fazer-se como se fazia - sabe-se hoje nos estados comunistas do Leste europeu ou ainda na China e noutros regimes autoritários.
Actualmente - e desde o 25 de abril de 74-como sabes, é obrigatório o recenseamento para todos os maiores de 18 anos e as eleições são absolutamente democráticas e livres. Como em todo o mundo civilizado se faz. E não há censura à imprensa, rádio e TV, nem prisões por motivos políticos.
Quero acabar citando MIGUEL DE SOUSA TAVARES:
Vai fazer 20 anos que todos os dias agradeço à Providência viver num país livre, sem censura, sem delitos de opinião, sem presos de consciência. Para os que não conheceram o regime anterior, isto pode parecer tão banal que nem chegam a entender como é que ainda há amigos de Alex em número suficiente para se comoverem com cada 25 de abril que passa. E, contudo, a todo o passo me assalta a mesma alegria e o mesmo orgulho de viver num país onde, por exemplo, o debate sobre a guerra de África, na SIC é possível acontecer.
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- in PÚBLICO,28 de Janeiro de 1994.
(continua)
Amélia Pais
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