20 abril 2005

NOTÍCIAS DO ANTIGAMENTE - 8

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o aparelho repressivo - a P.I.D.E.. : memórias contra o esquecimento
Já falámos nas 'notícias' anteriores de como o salazarismo se conseguiu implantar graças, principalmente, à promoção do obscurantismo [manutenção em estado de analfabetismo ou semi-analfabetismo de grande parte da população, política educativa marcada ideologicamente, de que destacámos, a existência de livro único, o controle exercido sobre os professores e principalmente os do ensino primário, a não democratização da gestão das escolas, a proibição de associações de estudantes no ensino secundário e o controle das universitárias, a proibição de sindicatos de professores, etc, a existência da Mocidade Portuguesa e da Mocidade Portuguesa Feminina - lembremos sempre a afirmação despudorada de Salazar de que quanto mais ignorantes, mais humildes]; - tal obscurantismo prosseguia, já fora da escola, com a instituição da censura à imprensa , aos livros e aos espectáculos - do mundo e de Portugal só se sabia o que era conveniente ao regime - e as grandes questões nacionais não podiam sequer ser discutidas - por exemplo, as questões de regime ou a guerra colonial, ao abrigo do lema salazarista : não discutimos deus, não discutimos a pátria, não discutimos a família...Mas, para além destes eficientíssimos instrumentos de controle do pensamento e da inteligência, havia também, para quem conseguia furar o bloqueio, instrumentos repressivos muito eficientes. Tratava-se das polícias em geral, da Legião Portuguesa, tropa de elite enfeudada a Salazar -como os camisas negras ao fascismo italiano, ou os S.S.a Hitler, e, sobretudo, da polícia secreta, primeiramente chamada P.V.D.E .(os oposicionistas chamavam-lhe a 'pevide'),depois P.I.D.E.(Polícia de Informação e Defesa do Estado) e, nos últimos tempos do regime, D.G.S.(Direcção Geral de Segurança).
A Polícia secreta de Salazar funcionava, como outras polícias secretas do mundo, com base numa rede tentacular de informadores (em linguagem vulgar 'bufos') que, a troco de salário, espiavam todos. O clima era tal que ninguém ousava exprimir opiniões nos cafés, nas aulas -nunca se podia ter a certeza se o amigo com quem estávamos ou um seu parente não seria um 'bufo'...Vivia-se, como em período de Inquisição, no clima que António Ferreira, poeta do s. XVI, definira assim : "A medo vivo, a medo escrevo e falo, e hei medo do que penso só comigo".A Pide espiava, fazia crescer os seus ficheiros, prendia, torturava, matava (para além dos presos do campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, foram assassinados pela Pide o General Humberto Delgado e o pintor José Dias Coelho - cujo assassínio é tema da canção de José Afonso, A morte saiu à rua - e alguns estudantes).
E como as pessoas tinham medo de falar abertamente de política, inventavam-se muitas e saborosas anedotas, cujos protagonistas eram Salazar, o Almirante Tomás, a Pide, etc...Mas mesmo essas anedotas eram só contadas entre amigos...não fosse o diabo tecê-las...
Havia para algumas pessoas dificuldade em obter passaporte - além de que só se podia pedi-lo para determinados países - estavam excluídos todos os países comunistas da época; a sua emissão dependia da informação da Pide; por exemplo, quando eu quis obter o meu 1ºpassaporte, em 1964, (ainda que oposicionista, eu não militava em nenhum partido) tive de dizer na Pide, em Coimbra, para onde ia, que ia fazer, etc.. Cometi a ingenuidade de dizer que ia a um curso na Universidade da Paz, na Bélgica. Obtive passaporte, mas, após o regresso, fui visitada por um 'pide' que queria saber afinal o que era isso da Universidade da Paz - é que estávamos em guerra e falar de paz era algo de subversivo. E eu era na altura estudante universitária - logo, suspeita. Além de que o fundador dessa Universidade da Paz era um dominicano, Prémio Nobel da Paz de 1958, que começava a incomodar um pouco o governo português, intervindo em casos de prisão arbitrária de pessoas, denunciadas pela Amnistia Internacional e por alguns padres portugueses mais corajosos, na altura designados de 'progressistas', em oposição à generalidade da Igreja Católica, que apoiava claramente Salazar, pessoa muito devota - e também em casos de massacres na guerra colonial igualmente divulgados na informação estrangeira. Chamava-se esse dominicano Dominique Pire, foi meu amigo, amava Portugal e morreu sem ver o 25 de Abril de 1974.
De resto, seriam ainda da responsabilidade da Pide os únicos mortos da revolução de Abril. Esta, a revolução, acabou por ser generosa e libertou os alguns pides que ainda foram presos. Do mesmo modo que deixou partir em paz os grandes responsáveis do regime, nomeadamente Américo Tomás, o Presidente, Marcelo Caetano, o 1ºMinistro- e quase todos os membros do governo de então.
Só uma dúvida subsiste ainda para mim: - como foi possível que a revolução de 25 de abril triunfasse tão rapidamente, apesar da Pide tudo controlar - sem encontrar, praticamente, resistência? Para mim este foi e é ainda um enigma - que talvez só daqui a muito tempo se desvendará...
Claro que o chamado fascismo português não foi tão violento e sanguinário como o foram o alemão (viste a lista de schindler?), o italiano, o espanhol (franquismo) ou o soviético, chinês ou cambojano (bem sei que a alguns destes não é costume chamar-se fascismo...). Mas também não foi preciso...É que a política de promoção do obscurantismo de que falámos, e os nossos tradicionais 'brandos costumes', evitaram o recurso sistemático à violência física.
No fundo éramos ' bem comportadinhos ' - para além de sermos na época um país fortemente rural (perto de 70%de população rural) a quem os padres ensinavam que a recompensa do sofrimento viria após a morte...Por isso, a contestação do regime foi, sobretudo, obra de intelectuais (esses até liam ...nomeadamente livros e revistas estrangeiras), estudantes (que para intelectuais caminhavam) e de operários das zonas mais industrializadas,(Lisboa, Marinha Grande) com tradições de sindicalismo e de politização, conseguida, nomeadamente, pela influência do na altura clandestino Partido Comunista e não só. - e depois, a fome quando aperta, aperta mais nas cidades e zonas industriais do que no campo...como continuamos, infelizmente, a saber.
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(continua)

Amélia Pais
[1] Há um romance muito bonito de José Saramago que te recomendo. Chama-se Levantados do Chão e fala de tudo isto...

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