«O Primeiro-Ministro anunciou, com veemência - com a mesma com que se dirigiu às farmácias cuja perigosidade lobística parece equiparar à dos Magistrados – o fim dos «três meses de férias judiciais» (sic ) relacionando-as com os atrasos dos processos.
O Ministro da Justiça reforçou a afirmação, declarando, em entrevista dada à revista «Visão» de 5/5/2005, que 97% dos processos estão parados durante as férias.
Estas afirmações são, obviamente, demagógicas e completamente incorrectas e o Governo bem o sabe!
Só que, na falta de coragem e determinação política (e provavelmente de competência) para um verdadeiro programa de grandes reformas estruturais, também na Justiça, que todos os economistas e outros especialistas apontam como indispensáveis, o Governo está mais interessado em prolongar o seu estado de graça, se possível até às próximas legislativas, com meia dúzia de medidas populistas que a imprensa docilmente absorve com elogios e a população, em geral, aplaude na sua inocência.
Não cuidando das consequências do seu populismo fácil, o Governo tornou os Magistrados bodes expiatórios dos atrasos na Justiça. No seu dia a dia, a qualquer lado onde um Magistrado se desloque – à escola dos filhos, à lavandaria ao supermercado – os conhecidos remoqueiam o referido bode: «Então agora vão ter de trabalhar! Acabaram-se os três meses de férias!».
Todos nós, que andamos na Justiça há já alguns anos sabemos o quanto trabalhamos e, outrossim, que não são as férias judiciais as causadoras dos atrasos nos processos. Daí o POPULISMO E A DEMAGOGIA da medida de redução das férias judiciais já decidida pelo Governo.
Ora, é bom que, ao contrário do que se tem feito até agora, os Magistrados, se dirijam à Opinião Pública, através dos meios de comunicação social e digam, em uníssono e em VOZ ALTA, que:
1. Os Magistrados, porque não querem contribuir, segundo o Governo, para a morosidade da Justiça, concordam com o fim do regime especial de férias dos órgãos de soberania (Tribunais e Assembleia da República), sejam essas férias no Verão, no Natal ou na Páscoa;
2. Os Tribunais, tal como a Assembleia da República, deverão funcionar de modo contínuo e produtivo todo o ano, sem quaisquer interrupções, como os demais organismos do Estado, nomeadamente Ministérios, Hospitais, Conservatórias.
3. Por seu turno, os trabalhadores destes órgãos, sejam eles funcionários ou Magistrados, não são mais nem menos do que os outros e, por isso, não devem ter quaisquer privilégios em matéria de férias, merecendo gozá-las nos mesmos moldes de duração e liberdade de escolha dos funcionários públicos.
Claro que, se no final disto tudo, continuar a morosidade da justiça, as pessoas não deixarão de constatar que esta medida foi populista e, na altura própria – eleições -, não deixarão de se manifestar…
O importante é não permitir, porque isso não é verdade, que o Governo transforme os Magistrados nos bodes expiatórios dos atrasos da Justiça!
Um Magistrado que se preocupa com a Justiça Portuguesa.
Sebastião e Silva»
Texto enviado por email por um leitor do Incursões
13 maio 2005
AINDA AS FÉRIAS JUDICIAIS (nova leitura do lado de dentro)
Marcadores: direito/justiça/judiciário, férias judiciais
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4 comentários:
Penso que ninguém põe em causa que a questão das férias não é a solução milagrosa que tudo vai resolver. Sabemos que até pode criar tais anticorpos que esmoreça eventuais ganhos. Claro que as organizações sindicais, representativas dos interesses dos diferentes profissionais, devem ser ouvidas. É ainda para mim evidente que todos os que estão “dentro” assim como os que estão “fora” sabem que muitos outros aspectos deveriam mudar. O sistema da justiça não funciona como deveria, à semelhança do que acontece com muitos outros sistemas: a educação, a saúde, a formação, a Assembleia da República, o Governo, os Sindicatos, as empresas.
Posto isto, qual é a posição dos diferentes intervenientes integrados nos diferentes sistemas insuficientemente produtivos?
“ O Governo tem que…”
“ Os trabalhadores deveriam ser mais…”
“ Os empresários são pouco…”
“ Os estudantes não se…”
“ Os professores deveriam…”
Ora quem diz isto é sempre o outro: o professor fala do aluno, este do professor, o empresário do seus trabalhadores, estes falam daquele,… São sempre os outros que deveriam funcionar de um modo diferente, sempre. E nós: será que esgotamos a nossa possibilidade de evolução, de inovação, de fazer mais e melhor? Não somos capazes de nos pôr em causa? No entanto, sabemos enunciar muito bem a mudança que os outros deveriam promover.
Há dias ouvi na televisão uma coisa inacreditável: uma alta patente das forças de segurança dizia, frente ao ministro da tutela: “ É impossível fazer melhor com os meios que temos.”
A mensagem que este “gestor” está a passar aos seus colaboradores é: “O que fazem é inexcedível. Esgotaram todas as possibilidades de melhoria!” O que ele fez foi passar um pano branco por tudo o que de mal se faz sob sua responsabilidade.
Ora todos sabemos que há todo um potencial de melhoria nos diferentes sistemas e que essa melhoria depende de todos os intervenientes na “cadeia de produção”.
Veja-se o caso da educação em que um estudo recente indica que estamos em 8ºlugar, a nível mundial, no que se refere à despesa pública na educação e em 1º no rácio número de professores/alunos no secundário. No entanto, o resultado de todo este investimento é a desgraça que se sabe no que respeita a resultados.
Tudo isto para dizer que o problema não está, não pode estar, só nos outros. Para além de apontarmos o que os outros deveriam fazer, deveríamos também tratar de melhorar o que está ao nosso alcance. E nisto, os gestores de todos os níveis têm uma responsabilidade acrescida, é que deles depende, em muito, a produtividade dos seus colaboradores. E por aqui me fico, que já vai longo o texto.
Uma vez mais «o meu olhar olhar» expressa de forma lapidar muitos dos males de que padece a nossa sociedade sobrepersonalizada e ainda tão pré-moderna em diferentres vectores.
Quanto a Magnolia sendo ponderado o que disse, não tenho como certo que o conhecimento se mede pelo local onde se está (dentro ou fora), são tantos os factores identificados em séculos de reflexão sobre o conhecimento...
Já a falta de objectividade também não se mede necessariamente pelo estar dentro ou fora... deriva de tantos vectores, nomeadamente endógenos (como padrões éticos e interesses). Assim em contraponto a justiça em certos aspectos afecta mais a objectividade de quem estando fora se pode arriscar a sentir o seu peso (por ex. o agente de um ilícito que quer «escapar» ou o inocente condenado).
Agora também me parece que a propósito da discussão sobre as férias judiciais muitos agentes da justiça têm dado uma má imagem da respectiva classe. Pois o discurso: «o encurtamento das férias não resolve nada e se as encurtarem nós vamos trabalhar menos», não revela especial conhecimento (nunca se explica porquê 80 dias de férias e não, 0, 10, 20, 30, 100, 150... e acima de tudo revela-se muito pouca objectividade na irritação e em algumas insinuações iradas (sobre os titulares dos órgãos democraticamente eleitos ou mesmo sobre eventuais consequências para o futuro empenho funcional...)
As razões substanciais das férias judiciais, segundo o Prof. Soares Martinez ( calma! O homem é afável e as ideias podem sempre rebater-se...).
1."Os magistrados ( judiciais) precisam de relativa tranquilidade, de continuidade no trabalho e na investigação para estudarem alguns dos processos mais complexos, por motivo dos factos acumulados ou por motivo da aplicação das normas sobre as quais têm de decidir. A rotina de qualquer tribunal não permite aos magistrados judiciais nem a tranquilidade mínima nem continuidade nas tarefas compatíveis com as exigências de muitos processos que lhes estão distribuidos. Embore tal escape à observação do homem comum, as horas de trabalho de qualquer magistrado minimamente cumpridor não se circunscrevem ao tempo que passa em tribunal. É quase sempre nas residências que os juizes estudam os processos e preparam os seus despachos e sentenças. Mas ós aos juizes dos tribunais superiores costuma ser dada a oportunidade de trabalhar com alguma suposta tranquilidade. Os outros são forçados a estudar no intervalo das audiências e de tarefas mais ou menos burocráticas. Por isso, os bons juizes mais conscienciosos sempre contaram com o período de férias para despacharem boa parte dos processos. Esses mesmos costumam entender que as funções judiciais exigem de quem as exerce um razoável nível de cultura.(...)O juiz menos culto tem sempre dificuldade em apreender muitas das questões sobre as quais é forçado a debruçar-se."
2. " "Uma segunda razão favorável ao regime especial de férias judiciais vou buscá-la aos ensinamentos carreados por psicólogos e por sociólogos, segundo os quais sem discrepância os trabalhos que provocam maior desgaste mental psíquico devem ser entremeados de férias frequentes e mais ou menos prolongadas.. Ora as profissões forenses situam-se entre as de maior desgaste psíquico."
3. "Os que ingressaram nas carreiras forenses fizeram-no na base de ume statuto legal próprio que inclui as particularidades do respectivo regime de férias. Um aalteração do referido regime havia de bulir também com os profissionais do foro em regime livre." (...) As falhas flagrantes que se notam no funcionamento dos tribunais portugueses têm origam externa. Designadamente a nível de uma legislação precipitada e contraditória. Os vícios mais salientes de quem enfermam os tribunais portugueses não residem nos que lá trabalham.
4. " os regimes de férias judiciais foram estabelecidos originariamente sobretudo, em atenção à tranquilidade dos povos, e nunca para comodidade da classe forense. Julgou-se conveniente assegurar uma relativa tranquilidade para todos durante um certo período do ano. Durante aquele período, exceptuados os casos e as medidas de urgência, ninguém seria citado pelo tribunal, nem sofreria os incómodos de ser ouvido como testemunha ou como perito."
São estas as razões do velho salazarista. À primeira leitura, ri-me: o tipo parou no tempo! Depois, ao ler aquela ideia de cultura acrescida; de repouso para compensar os mais "conscienciosos" e a ideia de tréguas estivais, fico a pensar que se o tipo não terá alguma razão de fundo como tiveram aqueles que fizeram antigamente o regime...de férias.
O tipo até pode ter razão, mas isso aplica-se a todos os profissionais. Todos "precisam de relativa tranquilidade, de continuidade no trabalho e na investigação para estudarem alguns dos processos mais complexos". Hoje, fala-se até em formação contínua.E também,"sem discrepância os trabalhos que provocam maior desgaste mental psíquico (e não só!...) devem ser entremeados de férias frequentes e mais ou menos prolongadas". Há até empresas que colocam música ambiental durante o trabalho. Etc. Se o critério não for extensivo a todas as outras profissãos, só fica os "Tribunais Plenários" para o Justificar. Que diabo, o regime tinha de lhes dar alguma recompensa!...
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