20 maio 2005

As minutas

A investigação do caso da herdade da Vargem Fresca, em Benavente, tem conhecido novos desenvolvimentos todos os dias. Uma das últimas informações dava conta de que teria sido encontrada nos escritórios de uma das empresas do Grupo Espírito Santo a minuta do despacho que veio a ser assinado pelos ex-ministros Nobre Guedes, Telmo Correia e Costa Neves.
Esta “história” das minutas preparadas pelos futuros beneficiários deve ser recorrente em determinados círculos e até me fez recordar um caso que vivi enquanto membro da Assembleia Municipal de Marco de Canaveses em Outubro do ano passado. Deliberava-se nessa ocasião sobre o contrato de concessão de exploração e gestão dos sistemas de abastecimento de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do concelho, que transferia para um consórcio liderado pela AGS, uma empresa do grupo Somague, a responsabilidade de conduzir investimentos fundamentais para o município e que a maioria CDS/PP fora incapaz de concretizar.
Acontece que, nos documentos fornecidos aos deputados municipais, o parecer do gabinete jurídico da autarquia baseava-se na transcrição de um documento apenso ao processo, datado de Sintra, local da sede da AGS, tudo fazendo crer que o mesmo tinha sido elaborado pela própria empresa líder do agrupamento concessionário. Também o documento que identificava as principais vantagens da opção de adjudicação ao agrupamento liderado pela AGS era datado de Sintra, o que demonstrava uma promiscuidade intolerável entre a autarquia e o concessionário. Isto mesmo foi denunciado na Assembleia Municipal através de uma declaração de voto que preparei, mas que não foi suficiente para convencer a maioria dos deputados municipais.
Será que a “moda” das empresas que vão beneficiar de determinadas deliberações da administração central ou local participarem no próprio processo de tomada de decisão veio para ficar? Parece-me evidente que as inspecções-gerais, as polícias e os tribunais não podem ficar de braços cruzados perante estes desmandos.

1 comentário:

Mocho Atento disse...

As minutas são documentos de preparação de decisões. Não vejo dificuldade em que se forneçam minutas preparadas por quem sabe. Evitam-se muitos problemas.

Esta história lembra-me um caso que se passou comigo. Um ilustre magistrado, durante uma audiência de julgamento, comentou que achava muito estranho que, antes da assembleia geral duma sociedade) já houvesse uma minuta da acta feita em computador. E que tivesse sido transcrita na íntegra para o livro das actas. Na referida assembleia geral, estavam presentes e representadas todas as sócias, que estavam de acordo com o que ia ser deliberado. É evidente que, sabendo disso, e para não perder tempo, levei a acta preparada em minuta. Estando todos de acordo, fez-se a transcrição para o respectivo livro., que foi assinado pelos presentes. Ainda hoje não percebi o espanto do magistrado (e muito menos o do advogado que julgava ter encontrado fundamento para arguir a nulidade da assembleia - porque a acta havia sido preparada com antecedência!).