"Olham os poetas as crianças das vielas/ mas não pedem cançonetas mas não pedem baladas/ o que elas pedem é que gritemos por elas/ as crianças sem livros sem ternura sem janelas/ as crianças dos versos que são como pedradas."
"Vivia com o pai e com a avó, no Bairro do Aleixo, no Porto. O pai tem 25 anos, é toxicodependente e está desempregado. A avó é costureira e vive do Rendimento Mínimo Garantido.
Mas a Vanessa não era uma menina como as outras. A Vanessa não brincava com as outras crianças, pois nem sequer ia à escola. Ficava todo o dia em casa com a avó. Quando a avó tinha de sair e não a podia levar, fechava-a na despensa durante horas a fio, sozinha. A Segurança Social que acompanhava aquela casa, nem sequer sabia da sua existência.
A Vanessa não tinha ouvido falar (e se tivesse não teria compreendido) do caso da pequena Catarina. A Catarina tinha vivido ali perto, em Ermesinde. A Catarina morreu o ano passado, vítima de maus tratos e de repetidos abusos sexuais, praticados pelo próprio pai e pela tia. A sentença do tribunal que os condenou a 14 anos de prisão precisou de 104 páginas para descrever a invulgar brutalidade do crime. A Catarina tinha dois anos. A Vanessa já tinha cinco. (...) Que teria pensado a Vanessa enquanto a avó e o seu próprio pai a matavam lentamente? Quantas vezes terá perguntado a si própria porquê? Que tristeza, que desilusão, que sofrimentos terá vivido? Que solidão terá sentido?
O seu corpo pequenino tinha múltiplas marcas de fracturas, algumas já antigas, e tantas equimoses que até metia dó. Para esconderem o seu crime, o pai e a avó inventaram um rapto numa feira, e atiraram o seu corpo ao rio Douro. Apareceu a boiar, ao pé do cais.
Disseram as vizinhas, na televisão, que a Vanessa era muito bonita e tinha uns lindos olhos azuis.
Um comentário no Random Precision (negrito meu):
"Temos um país chocado. Uma vez mais. É um facto. Mas ouvi no noticiário da noite uma senhora que as legendas diziam ser educadora de infancia referir-se à Vanessa como "uma criança que brincava como as outras e lhe parecia ser feliz", pelo que subentendi que estaria integrada num qualquer jardim de infância. Esta manhã sofri maior revolta contra a Justiça que diáriamente tento servir: nas notícias da rádio comentava-se que a Vanessa fora adoptada por uma família aos 3 meses e devolvida pelo tribunal ao pai no final do ano passado!!!!!!"
Ainda outro comentário:
"conheço bem o bairro do aleixo... É indiscritível, tem torres de 15 andares e os dealers avariam, de propósito, os elevadores. Há lá pessoas de idade, que moram nos andares mais altos e que, à vezes, estão 1 mês sem poder vir cá baixo. Já se fala há muito tempo em mandar aquilo abaixo, mas entretanto nada fazem... A própria polícia tem medo de lá entrar e o ambiente é indiscritível, assim tipo Casal Ventoso. E agora esta notícia... não tenho palavras sequer para a comentar..."
"A Segurança Social do Norte não tem qualquer registo da criança assassinada e atirada ao rio Douro, apesar de acompanhar a família onde a criança estava inserida. A avó, suspeita do crime, não chegou a declarar à Segurança Social que Vanessa estava à sua guarda. Aurora Pinto, era beneficiária do Rendimento Social de Inserção e tinha apenas declarado ter a seu cargo três filhos, um maior e dois menores.
A família era seguida pelos técnicos da Segurança Social, mas nunca consideraram a menina como fazendo parte do agregado familiar."
Vemos, ouvimos e lemos/não podemos ignorar...dizia Sophia.
Estou chocada.Ouvi a madrinha dela na Tv -teve-a consigo até dezembro passado, contar, chocada.Ela, a Vanessa, chamava-lhe mãe, pois não conhecia praticamente outra.E também a mãe verdadeira, dizendo que não via a filha há 3 anos...e que soubera da norte por uma vizinha e nem pudera ir ao funeral... E hesita-se tanto em fazer legislação em que não mais seja tão fácil praticar barbaridades destas?As que se conhecem e as muitas mais que se desconhecem?E como pode ser a acusação apenas de «maus tratos»?Não foi assassínio, mesmo que decorrente deles? E a menina desaparecida e supostamente morta no Algarve?Já está esquecida? A criança esteve apenas desde dezembro com o pai e a avó.O bastante para ser morta.E agora? Ela é vítima ou, como agora se diz no caso Casa Pia ,«alegada» vítima?
Quantas Vanessas e Catarinas, sujeitas a uma violência desumana, ainda haverá por esse Portugal fora? Que miséria é esta? Que país é este? Como explicamos um caso destes aos nossos filhos, que estão protegidos desta realidade? Tantas perguntas por fazer...
Com apenas cinco anos, Vanessa esteve no centro de uma disputa. Foi ficando nas mãos da madrinha, com o consentimento da mãe e do pai. Foi naquela casa que Vanessa conheceu a escola, as primeiras idas ao médico, as brincadeiras no rancho da terra que a adoptou como mascote.
Em Dezembro passado, sem que nada o fizesse prever, a avó levou-a para o bairro do Aleixo, argumentando que a menina era do pai, por ordem do tribunal. A desculpa serviu para a afastar da madrinha, mas que também para que as técnicas da Reinserção Social "comprovassem" que a Vanessa vivia no bairro e que ali devia ficar.
O Instituto de Reinserção Social, que desde Março de 2002 e a pedido do Tribunal de Menores do Porto estava a acompanhar a família de Vanessa, com vista à regulamentação do poder paternal, defendeu, num relatório datado de 26 de Abril, que a menina devia ficar aos cuidados da avó, "com quem vivia". Nenhum documento apenso ao processo que está no Tribunal de Menores do Porto refere a existência da madrinha, com quem Vanessa morou até Dezembro do ano passado, em Matosinhos.
Carlos Portela, o juiz do Tribunal de Menores encarregue do processo, reconheceu ao JN que a falta de referências à madrinha "é um mistério". Disse, no entanto, não ter chegado a tomar uma decisão final sobre a custódia de Vanessa, ao contrário do que o JN ontem noticiou e ao contrário do que o próprio pai da criança tinha afirmado durante o interrogatório judicial. O magistrado admite, porém, que o relatório do Instituto de Reinserção Social (IRS) seria determinante. "Decidiria mal, mas de acordo com o que tinha no processo. Nós não sabemos o que acontece no terreno, decidimos com base nos elementos que são trazidos ao tribunal". Carlos Portela recusou, no entanto, imputar responsabilidades ao IRS, embora admita que o sistema tenha falhado. (...) O "mistério" da falta de referências à madrinha da Vanessa começa quando o processo chega ao Porto. Em Janeiro de 2002, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Matosinhos foi contactada por Sónia, a mãe da criança, que referiu que a sua filha se encontrava aos cuidados da madrinha, sendo que há algum tempo estava impedida de visitá-la. Sónia queria alterar a situação. Nesse sentido, a Comissão informou o Tribunal de Menores daquela cidade, para que procedesse à regulação do poder paternal.
"Recebi a comunicação no dia 20 de Fevereiro (de 2002). Instaurei um processo administrativo para a regulação do poder paternal, relativo à menina e a mais duas crianças da mesma família. Em Março de 2002, porque a morada do pai era no Porto, remeti o processo para o Tribunal de Menores daquela cidade", explicou, ao JN, a magistrada do Ministério Público no Tribunal de Matosinhos
Entre 2002 e 2004, o Tribunal de Menores do Porto pediu aos técnicos do IRS para localizarem o pai e a mãe de Vanessa. Sónia foi facilmente encontrada. O pai estava em parte incerta. "Precisámos de pedir ajuda às autoridades policiais para encontrá-lo", lembrou o juiz Carlos Portela.
As dificuldades em encontrar o pai de Vanessa não constam do relatório. Da mesa forma não se levantaram dúvidas sobre o familiar a quem devia ser entregue a custódia.
O documento tem a particularidade de ter sido assinado no dia em que a menor terá sido vítima de agressões (terça-feira, dia 26) e ter chegado às mãos da mãe na passada segunda-feira, já depois de Vanessa ter sido encontrada morta. Um dia depois, desconhecendo o que acontecera à filha, Sónia falou com uma assistente social, sobre o documento. Foi aconselhada a pedir apoio jurídico à Segurança Social, para eventual contestação do relatório. Era tarde de mais.
8 comentários:
IN:
http://oceanus-occidentalis.weblog.com.pt/arquivo/imagem_e_poesia/
"Olham os poetas as crianças das vielas/
mas não pedem cançonetas mas não pedem baladas/
o que elas pedem é que gritemos por elas/
as crianças sem livros sem ternura sem janelas/
as crianças dos versos que são como pedradas."
Sidónio Muralha
Sobre Sidónio Muralha ler aqui
Post de 4/5 no Random Precision:(negritos meus)
Adeus Vanessa
"Vivia com o pai e com a avó, no Bairro do Aleixo, no Porto.
O pai tem 25 anos, é toxicodependente e está desempregado. A avó é costureira e vive do Rendimento Mínimo Garantido.
Mas a Vanessa não era uma menina como as outras.
A Vanessa não brincava com as outras crianças, pois nem sequer ia à escola. Ficava todo o dia em casa com a avó.
Quando a avó tinha de sair e não a podia levar, fechava-a na despensa durante horas a fio, sozinha.
A Segurança Social que acompanhava aquela casa, nem sequer sabia da sua existência.
A Vanessa não tinha ouvido falar (e se tivesse não teria compreendido) do caso da pequena Catarina.
A Catarina tinha vivido ali perto, em Ermesinde.
A Catarina morreu o ano passado, vítima de maus tratos e de repetidos abusos sexuais, praticados pelo próprio pai e pela tia.
A sentença do tribunal que os condenou a 14 anos de prisão precisou de 104 páginas para descrever a invulgar brutalidade do crime.
A Catarina tinha dois anos.
A Vanessa já tinha cinco.
(...)
Que teria pensado a Vanessa enquanto a avó e o seu próprio pai a matavam lentamente?
Quantas vezes terá perguntado a si própria porquê?
Que tristeza, que desilusão, que sofrimentos terá vivido?
Que solidão terá sentido?
O seu corpo pequenino tinha múltiplas marcas de fracturas, algumas já antigas, e tantas equimoses que até metia dó.
Para esconderem o seu crime, o pai e a avó inventaram um rapto numa feira, e atiraram o seu corpo ao rio Douro.
Apareceu a boiar, ao pé do cais.
Disseram as vizinhas, na televisão, que a Vanessa era muito bonita e tinha uns lindos olhos azuis.
Um comentário no Random Precision (negrito meu):
"Temos um país chocado.
Uma vez mais. É um facto.
Mas ouvi no noticiário da noite uma senhora que as legendas diziam ser educadora de infancia referir-se à Vanessa como "uma criança que brincava como as outras e lhe parecia ser feliz", pelo que subentendi que estaria integrada num qualquer jardim de infância.
Esta manhã sofri maior revolta contra a Justiça que diáriamente tento servir: nas notícias da rádio comentava-se que a Vanessa fora adoptada por uma família aos 3 meses e devolvida pelo tribunal ao pai no final do ano passado!!!!!!"
Ainda outro comentário:
"conheço bem o bairro do aleixo... É indiscritível, tem torres de 15 andares e os dealers avariam, de propósito, os elevadores. Há lá pessoas de idade, que moram nos andares mais altos e que, à vezes, estão 1 mês sem poder vir cá baixo. Já se fala há muito tempo em mandar aquilo abaixo, mas entretanto nada fazem...
A própria polícia tem medo de lá entrar e o ambiente é indiscritível, assim tipo Casal Ventoso.
E agora esta notícia... não tenho palavras sequer para a comentar..."
Sic on line, 5/5, 11h22
"A Segurança Social do Norte não tem qualquer registo da criança assassinada e atirada ao rio Douro, apesar de acompanhar a família onde a criança estava inserida.
A avó, suspeita do crime, não chegou a declarar à Segurança Social que Vanessa estava à sua guarda. Aurora Pinto, era beneficiária do Rendimento Social de Inserção e tinha apenas declarado ter a seu cargo três filhos, um maior e dois menores.
A família era seguida pelos técnicos da Segurança Social, mas nunca consideraram a menina como fazendo parte do agregado familiar."
Vemos, ouvimos e lemos/não podemos ignorar...dizia Sophia.
Estou chocada.Ouvi a madrinha dela na Tv -teve-a consigo até dezembro passado, contar, chocada.Ela, a Vanessa, chamava-lhe mãe, pois não conhecia praticamente outra.E também a mãe verdadeira, dizendo que não via a filha há 3 anos...e que soubera da norte por uma vizinha e nem pudera ir ao funeral...
E hesita-se tanto em fazer legislação em que não mais seja tão fácil praticar barbaridades destas?As que se conhecem e as muitas mais que se desconhecem?E como pode ser a acusação apenas de «maus tratos»?Não foi assassínio, mesmo que decorrente deles?
E a menina desaparecida e supostamente morta no Algarve?Já está esquecida?
A criança esteve apenas desde dezembro com o pai e a avó.O bastante para ser morta.E agora? Ela é vítima ou, como agora se diz no caso Casa Pia ,«alegada» vítima?
Quantas Vanessas e Catarinas, sujeitas a uma violência desumana, ainda haverá por esse Portugal fora? Que miséria é esta? Que país é este? Como explicamos um caso destes aos nossos filhos, que estão protegidos desta realidade?
Tantas perguntas por fazer...
In JN, 6/5
Com apenas cinco anos, Vanessa esteve no centro de uma disputa. Foi ficando nas mãos da madrinha, com o consentimento da mãe e do pai. Foi naquela casa que Vanessa conheceu a escola, as primeiras idas ao médico, as brincadeiras no rancho da terra que a adoptou como mascote.
Em Dezembro passado, sem que nada o fizesse prever, a avó levou-a para o bairro do Aleixo, argumentando que a menina era do pai, por ordem do tribunal. A desculpa serviu para a afastar da madrinha, mas que também para que as técnicas da Reinserção Social "comprovassem" que a Vanessa vivia no bairro e que ali devia ficar.
In JN, 6/5
O Instituto de Reinserção Social, que desde Março de 2002 e a pedido do Tribunal de Menores do Porto estava a acompanhar a família de Vanessa, com vista à regulamentação do poder paternal, defendeu, num relatório datado de 26 de Abril, que a menina devia ficar aos cuidados da avó, "com quem vivia". Nenhum documento apenso ao processo que está no Tribunal de Menores do Porto refere a existência da madrinha, com quem Vanessa morou até Dezembro do ano passado, em Matosinhos.
Carlos Portela, o juiz do Tribunal de Menores encarregue do processo, reconheceu ao JN que a falta de referências à madrinha "é um mistério". Disse, no entanto, não ter chegado a tomar uma decisão final sobre a custódia de Vanessa, ao contrário do que o JN ontem noticiou e ao contrário do que o próprio pai da criança tinha afirmado durante o interrogatório judicial. O magistrado admite, porém, que o relatório do Instituto de Reinserção Social (IRS) seria determinante. "Decidiria mal, mas de acordo com o que tinha no processo. Nós não sabemos o que acontece no terreno, decidimos com base nos elementos que são trazidos ao tribunal". Carlos Portela recusou, no entanto, imputar responsabilidades ao IRS, embora admita que o sistema tenha falhado.
(...)
O "mistério" da falta de referências à madrinha da Vanessa começa quando o processo chega ao Porto. Em Janeiro de 2002, a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Matosinhos foi contactada por Sónia, a mãe da criança, que referiu que a sua filha se encontrava aos cuidados da madrinha, sendo que há algum tempo estava impedida de visitá-la. Sónia queria alterar a situação. Nesse sentido, a Comissão informou o Tribunal de Menores daquela cidade, para que procedesse à regulação do poder paternal.
"Recebi a comunicação no dia 20 de Fevereiro (de 2002). Instaurei um processo administrativo para a regulação do poder paternal, relativo à menina e a mais duas crianças da mesma família. Em Março de 2002, porque a morada do pai era no Porto, remeti o processo para o Tribunal de Menores daquela cidade", explicou, ao JN, a magistrada do Ministério Público no Tribunal de Matosinhos
Entre 2002 e 2004, o Tribunal de Menores do Porto pediu aos técnicos do IRS para localizarem o pai e a mãe de Vanessa. Sónia foi facilmente encontrada. O pai estava em parte incerta. "Precisámos de pedir ajuda às autoridades policiais para encontrá-lo", lembrou o juiz Carlos Portela.
As dificuldades em encontrar o pai de Vanessa não constam do relatório. Da mesa forma não se levantaram dúvidas sobre o familiar a quem devia ser entregue a custódia.
O documento tem a particularidade de ter sido assinado no dia em que a menor terá sido vítima de agressões (terça-feira, dia 26) e ter chegado às mãos da mãe na passada segunda-feira, já depois de Vanessa ter sido encontrada morta. Um dia depois, desconhecendo o que acontecera à filha, Sónia falou com uma assistente social, sobre o documento. Foi aconselhada a pedir apoio jurídico à Segurança Social, para eventual contestação do relatório. Era tarde de mais.
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