Picasso, Guernica
«É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e, quanto mais come e consome, tanto menos se farta. É a guerra aquela tempestade terrestre que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades em que não há mal nenhum que ou se não padeça, ou se não tema, nem bem que seja próprio e seguro: — o pai não tem seguro o filho; o rico não tem segura a fazenda; o pobre não tem seguro o seu suor; o nobre não tem segura a honra; o eclesiástico não tem segura a imunidade; o religioso não tem segura a sua cela; e até Deus, nos templos e nos sacrários, não está seguro.»
Padre António Vieira , s.XVII
Obs.Porque é hoje a data oficial do fim da 2ª Grande Guerra Mundial - há 60 anos - na qual, segundo li, e entre 1939 e 1945, houve 14 000 mortos por dia .E porque, infelizmente. os homens não aprenderam ainda a lição.
15 comentários:
Li muitas vezes esse texto aos meus alunos. A guerra, qualquer guerra, é o único mal absoluto.È preciso lembrar para ninguém esuqecer.
Caro compadre ( Há um tempo que não trocávamos ideias avulsas...):
A guerra pode ser um mal absoluto. Concordo em abstracto e em concreto, até.
Porém, ( há sempre um porém...) a guerra como mal absoluto, está na nossa natureza intrínseca mais profunda, parece-me.
Se não, quem é que nós glorificamos como heróis? A madre Teresa? os santos, para quem acredita na religião cristã( ou até noutras)? Os pacifistas como Ghandi?
Hélas-non! Glorificamos os heróis das guerras, principalmente os que venceram!Vae Victis! Ai dos vencidos!
A guerra deve ser, provavelmente, a característica mais intrínseca e representativa do género humano. Quem celebramos nós, na História?
As conquistas de território. As vitórias sobre "outros". Os guerreiros notáveis. As grandes batalhas épicas.
Estilizamos a violência em obras de arte e cantamos os "heróis do mar" os nobres povos e nações valentes e...imortais!
Onde fica o pacifismo dos hippies e dos Ghandis deste mundo?! Em lado nenhum!
Porque não é essa a natural tendência do ser humano. A tendência natural é a violência e a subjugação do "outro" e começou logo no tempo de Caim, ou seja no princípio que aparentemente era o Verbo.
Fica uma canção de um judeu, Leonard Cohen:
There is a war between the rich and poor,
a war between the man and the woman.
There is a war between the ones who say there is a war
and the ones who say there isn't.
Why don't you come on back to the war, that's right, get in it,
why don't you come on back to the war, it's just beginning.
Well I live here with a woman and a child,
the situation makes me kind of nervous.
Yes, I rise up from her arms, she says "I guess you call this love";
I call it service.
Why don't you come on back to the war, don't be a tourist,
why don't you come on back to the war, before it hurts us,
why don't you come on back to the war, let's all get nervous.
You cannot stand what I've become,
you much prefer the gentleman I was before.
I was so easy to defeat, I was so easy to control,
I didn't even know there was a war.
Why don't you come on back to the war, don't be embarrassed,
why don't you come on back to the war, you can still get married.
There is a war between the rich and poor,
a war between the man and the woman.
There is a war between the left and right,
a war between the black and white,
a war between the odd and the even.
Why don't you come on back to the war, pick up your tiny burden,
why don't you come on back to the war, let's all get even,
why don't you come on back to the war, can't you hear me speaking?
Bem...que eu saiba só mesmo o Rousseau e os seus seguidores pensam que o homem nasce naturalmente bom e a soiciedade o
estraga...por mim acho exactamente ao contrário: o nosso impulso natural de sobrevivência é chutar,eliminar quem está à frente
; a sociedade é que nos civiliza (às vezes)...-Darwin chegou a conclusões semelhantes...
Mas os meus heróis não são os guerreiros vencedores ou vencidos, mas os que fizeram avançar o mundo -pela generosidade (que os crentes chamam santidade)e bondade, pelo conhecimento, pela arte e a literatura...e a luta contra a violência e pela tolerância. E espero que um dia o mundo se torne melhor (começo a não acreditar muito no progresso, mas...«sperança o teu nome é t
eimosia de querer ouvir as pedras a cantar» dizia o Gomes Ferreira - e elas cantam se as soubermos ouvir...assim espero.De outro modo como poderia ter sido professora?
Eu tenho medo das grandes palavras. Mesmo quando falamos da guerra. Até porque a guerra à guerra, a guerra de defesa não são seguramente identicas á guerra de ataque ou à guerra que, cito José, estará na nossa natureza. Não está ou não está assim tão evidentemente. A cobiça, a inveja, a vontade de submeter e tudo o mais que queiram identificar, só recorrem á guerra quando os restantes meios se mostram insuficientes. Os agressores só agridem se acham que tem possibilidades de obter algo por pouco ou nada.
Uma segunda questão é a do pacifismo. Para começar é umas ideia relativamente recente na história do homem. E como ideia, meu caro José, V. terá de concordar que tem feito um percurso bastante grande. Ghandi é um heroi para um bilião de indianos o que não é pouco...Claro que nem sempre o pacifismo teve razão. Para não irmos mais longe: Chamberlain e Munique nas vésperas da guerra. Mas foi o pacifismo que, de um ou outro modo, foi um dos vencedores da guerra do Viet-Nam.
Nem todos celebramos as conquistas ou a humilhação do outro. Também celebramos, raramente é certo, mas cada vez mais, algumas vitórias do espírito e da arte.
O post de Amélia veio felizmente eximir-me a uma evocação sobre esta guerra, que ainda é a da minha geração, nascida durante as hostilidades e crescida noimediato post-guerra e que viveu tempo demais durante a guerra fria. Por outras palavras, para mim a guerra e as suas imediatas consequências, ensombraram-me dois terços da minha vida.
Convém todavia relembrar que esta guerra teve cinquenta milhões de mortos (vinte milhões de russos, seis milhões de judeus, provavelmente outros tantos alemães ou mesmo mais, e por aí fora. A Jugoslávia perdeu um décimo da sua população!)
Mas não se fale apenas de mortos. Falemos também do que isto representou para a inteligência, para uma certa ideia de civilização e de cultura. E aí as consequências também foram dramáticas.
E a pergunta mantem-se: como foi isto possível? Como é que um povo culto, civilizado conhecedor como poucos dos males da guerra pode desencadear esta guerra?
Caro José: são sempre estimulantes os seus comentários e eu gosto do debate. Mas falta-me saúde para ter a disponibilidade que psicologicamente preciso. No entanto, a propósito do seu comentário,gostava de partilhar consigo algumas ideias, de forma muito resumida:
1ºO que pertence à natureza humana é a agressividade e não a guerra.
2ºOs heróis geralmente só são os que estão do lado dos vencedores. Mas do outro lado, também há herois. Eu até costume dizer que os herois são os que fogem para a frente.
3ºDetesto "ismos". Para além do pacifismo há a tolerãncia, o diálogo, a justiça, a cidadania,o amor, etc.
4º Penso que é a pensar na paz
que o homem canta a guerra ou a reproduz na arte e não para apelar á guerra
5º O poema que transcreve não é um poema de apelo à guerra, mas, no meu entender, de constatação da conflitualidade (entre rico e pobre, marido e mulher)que faz parte da nossa vontade de viver ou "vontade de poder", como lhe chamaria Nietzsche. E o poema está marcado pela concepção de vida desse filósofo. Não é, por isso, um apelo ao mal da guerra, a que não se importa com as vítimas: a que é cinica e monstruosa.
Um abraço.
Compadre: antes do mais, a saúde que se ponha boa- e depressa! Para estas trocas de "mimos" que intelectualmente podem sempre colocar um estímulo ao "modo de pensar".
Agora, quanto à "guerra", que seria a continuação da diplomacia por outros meios, há ainda uns certo teóricos que me dispenso de citar, mas que cito na mesma: Sun Tzu; Macchiavelli, Napoleão; Clausewitz et al.
Não quero alardear sabedoria que não tenho nem prosapiar teorias que não sei, mas tenho a ideia que a história da humanidade pode muito bem ser feita com a histórias das guerras.
Além disso, caro Compadre, V. sabe muito bem quem disse que a história da humanidade mais não era do que a história das lutas de classes...
Assim, a guerra pode não ser o inerente à naturesa humana, pois há períodos da história da humanidade em que a paz é rainha. COntudo, a agressividade é própria ao Homem e é dela que nasce a guerra.
O poema do L. Cohen (que tem a idade do meu pai), é de facto o relato dessa natureza conflitual latente e permanente, entre os seres humanos.
E é daí que nasce a discórdia- e a guerra.
E a ideia de glória está associda à guerra, não ao pacifismo. Quem é que neste momento histórico quer "glória" poder e mando, a nível gobal e quem é que tem o discurso mais coerente com esse desiderato, mesmo que esteja oculto?!
USA!
Para além das demais considerações nos restantes comentários, todas pertinente, apetece-me dizer-lhe, Amélia: Que bonito o que escreveu/sente!
O conflito não leva necessariamente à guerra. Faz parte da nossa agressividade e ela pertençe ao instinto de sobrevivência que partilhamos com todos os seres vivos. A guerra não pertence aos instintos, mas à loucura e ao cinismo. Senti os efeitos hediondos da guerra. Não a desejo a ninguém. Sou pacifista por natureza, mesmo quando a minha luta por aquilo que acho justo recebe a incompreensão tremenda. Não penso que a luta de classes seja uma declaração de guerra. O Marx ajudou-nos, com esse conceito, a perceber a exploração do homem pelo homem e disse-nos que só a união dos explorados, a solidariedade dos pobres (e com os pobres) pode promover a justiça.
Não me parece que o homem seja naturalmente mau, como pensava Hobbes, ou naturalmente bom, como defendia Rousseau. Estou com Locke: o homem será aquilo que a sua educação o fizer. O livro "Pensamentos sobre educação" deveria ser de leitura obrigatória para um ministro da educação. A guerra é a barbárie. Também se fez (e se faz)em nome da "bondade" das religiões. A bondade das cruzadas foi uma barbárie. Também não me parece que Darwin tenha razão ao dizer que a sobrevivência resulta do mais forte, do mais adaptado. Isso é uma explicação para a sobrevivência das espécies e não uma filosoia de vida na civilização do conhecimento e da informação. Quando o darwinismo se torna numa ideologia é perverso.Veja-se o neo-liberalismo do darwinismo económico. Produz os efeitos mais nefastos da liberalização global. Penso que um dia os menos adaptados, os mais frágeis, os pobres e esplorados (que são a maior maioria) descobrirão a sua enorme força. E a globalização vai ajudar a isso, a compreenderem o apelo de Marx no final do seu manifesto. Estou com os mais frágeis (e partilho destas ideias com a Amélia). Não me parece que os povos tenham progredido com a guerra, mas com a paz. A guerra faz miséria: é um monstro. Só a paz permite sair da miséria. Veja o que acontece, hoje em dia, aos povos que estão em guerra!
De onde surge a Guerra? Do conflito! De onde surge o conflito? Da diferença! De onde surge a diferença? Da natureza! De onde vem a natureza?!
Acha que há algum sofisma nestas asserções?
Penso que sim. A relação causa/efeito não é unidirecçional. Hoje a ciência trabalha com probabilidades. E, sendo assim, o nexo não é plausível que se verifique em todas as circunstâncias. "Non sequitur" o determinismo. A generalização é indevida.
Os conflitos podem ser resolvidos sem guerra e, pela sua natureza, não são sempre maléficos. A dor conflitua com o bem-estar, mas é um sinal fundamental para poder tratar uma doença.
Muito bem. Os conflitos podem ser resolvidos sem guerra. Mas temos guerras desde Caim e Abel ( que foi simbolicamente a primeira guerra civil, sob a forma de um homicídio).
Assim, talvez possamos dizer que há conflitos que só se resolvem com guerra( não será esse primevo, mas outros).
Seria possível evitar a guerra ao Hitler, ficando na via pacifista?!
Seria possível ameaçar com outra coisa senão guerra, aquando da crise dos mísseis, em Cuba, no início dos sessenta? Aí está um bom exemplo de negociação que evitou a guerra!
COntudo, só resultou porque o espectro da guerra foi mostrado claramente e alguém recuou, por saber que a poderia efectivamente perder. Estou em crer que se assim não fosse, não teria havido recuo.
Logo, será válida outra asserção, muito antiga- Vis pacem, para bellum.
Ironicamente, "parabellum" é marca de arma...
Ou seja, haverá também lugar a um certo determinismo que não sabemos ainda como balizar.
Verdade?!
Cada um de nós terá o seu paradigma de ver o mundo e a vida. O meu paradigma apoia-se na ideia de que a guerra é um mal absoluto. Hitler produziu o holocauto, porque os cidadãos da Alemanha, os intelectuais, a igreja, foram sempre pensando que isso, da perseguição aos judeus, aos comunistas, aos deficientes, era com os outros. Se desde logo tivessem tomado posição contra o conflito de raças, o apelo à raça superior, essa espécie de religião da barbárie, não teria produzido as suas crenças e Hitler não conseguiria mobilizar o seu povo para a guerra. O meu paradigma configura uma crança: a crença de que as boas ideias podem vencer sobre as más. E a melhor ideia para mim é a de ser solidário para fazer a paz e evitar a guerra.
Ah! Caro Compadre! Quase que poderia condensar estes comentários com os que ando a desenvolver esparsa e diletantemente, no postal do estimado MCR, sobre a ideia de "esquerda" e "direita". Porque o assunto é quase o mesmo, se o virmos de uma certa perspectiva que vou apontar...
O que acaba de dizer representa um...idealismo; uma crença, afinal de que o Homem pode ser conduzido, pela educação da civilização a uma solidariedade e portanto a uma pacificação social que se estenderia às nações.
Mas veja que essa ideia é eminentemente de esquerda, parece-me. A crença nas virtualidades do ser humano, na adopção generalizada da igualdade, fraternidade e afinal, na liberdade, opôs-se ao absolutismo do poder directamente legado pelo Divino e por isso se produziu a Revolução que cortou a cabeça à Antonieta. A Revolução é uma guerra em nome de um ideal, certo?!
Ouseja, até para fazer vingar a solidariedade e a concórdia, às vezes é preciso guerrear aqueles que se lhe opõem com unhas e dentes, das tropas fiéis, como era o caso.
Há quem faça a dicotomia entre a esquerda e a direita baseando-a na diferença de concepção da natureza humana: a esquerda acreditando nas virtualidades mais porreiristas e a direita nas mais cínicas e sempre contando com o pior.
Daí até à fábula da cigarra e da formiga vai um passinho.
Resumindo: o idealismo e a crença nas virualidades humanas é sempre muito mais simpático do que a desconfiança e a crença na natureza refractária dos vícios e pecados inerentes como uma segunda pele ao ser humano: a soberba, avareza, a inveja e preguiça só para ficara por aqui.
Ah! Eu também me esqueço muitas vezes disto e torno-me idealista militante. Só quando relficto melhor, é que vejo que estou errado, mas também não tenho emenda.
Por mim, prefiro-me idealista, se assim é.E tudo fazer, à minha pequena medida e possibilidade, para que haja um pouco mais de luz...Não sei se isto é ser de esquerda ou de direita.Para o caso tanto me faz...
(e olha só na grande discussão que, a partir de um homem de acção e de ideais do s.XVII, queimado em efígie pela Inquisição, a entrada gerou...)
Vou colocar, em complemento, outro texto.
Caro José: não podemos viver sem crenças. Acredito que o autocarro chega a horas e, por isso, o espero "naquela" paragem à hora marcada. A "fixação das crenças" é indispensável à própria ciência. Charles Peirce tem na "Antologia Filosófica" (Imprensa Nacional Casa da Moeda pp.59-74)um texto curioso sobre este tema. A sua análise é filosófica, nada tem a ver com a ideologia política. Suponho que conhecerá essa reflexão. Procure relê-la. A crença é uma espécie de "fundo cultural" que faz parte de todas as formas de vida. Está antes das ideologias.Nada tem a ver com o certo ou errado.
Sobre as ideias generosas, Você concordará que são sempre melhores do que as egoistas. E isso nada tem a ver com o facto de a coberto de algumas ideias generosas, a Antonieta ter sido sacrificada no cadafalso. Se pensassemos que todas as ideias generosas descaiam para o terror, a vida tornava-se impossível, não poderíamos acreditar naquela declaração tão intima que nos bons momentos as nossas companheiras (e outras)nos fizeram, olhos nos olhos- "gosto de ti". E só acreditar na sinceridade generosa destas declarações vale uma vida. Penso que ser de esquerda ou ser de direita nada tem a ver com isto. È certo que tradicionalmente, a direita desconfiou da bondade natural, do progesso pela educação e pela cultura. Mas isso constitui o seu modo de estar egoista na vida e, por isso, precisou mais de impôr do que dialogar, da autoridade do que da generosidade, de defender os seus interesses que ser solidária. O princípio da esquerda, tal como eu o vejo, é o de querer para os outros o que nas mesmas circunstâncias quero para mim. E agora responde-me que a esquerda não pratica isso. Mas será, por isso, que o princípio é inaceitável?!... Este princípio baseia-se numa concepção antropológica: os homens são por natureza iguais e a melhor forma de viverem é procurarem ser fraternos. Pela educção, pela cultura e, sobretudo, pelo desenvolvimento da fraternidade, poderemos ser mais dialogantes e resolver com civismo os conflitos. O meu paradigma é este. Corresponde mais a uma postura do que a uma ideologia.Naturalmente, é uma postura que, por vezes tem contradições e no "caso vertente" coincide com quem é de esquerda. Mas de todo, não quero outro paradigma e gostaria que ele servisse sempre de referência para as minhas filhas. Não queria que elas vivessem num mundo de preconceitos e sem esperança, sem um horizonte de sentido para a vida. Parece-me que a Amélia está neste paradigma e penso que Você tambem não se afasta dele.Está só a pôr-nos à prova e nós já não precisavamos disso!
Um abraço.
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