29 maio 2005

A pior Justiça da Europa

Presumo que todos leram o Expresso. E seguramente ninguém deixou de ler um estudo do Conselho da Europa, cuja conclusão é a seguinte: Portugal tem a pior Justiça da Europa.
Portugal tem mais magistrados que a maioria dos outros paísses, tem mais funcionários judiciais do que a maioria dos outros países, tem mais tribunais do que a maioria dos outros países, os magistrados portugueses são mais bem pagos do que na maioria dos outros países, a despesa com o sector da Justiça é maior do que na maioria dos outros países, o tempo despendido na conclusão dos processos é maior do que maioria dos outros países.
Afinal, o que se passa com a Justiça em Portugal? Bem. A culpa deve ser dos advogados, essa inútil casta que só serve para atrapalhar...

5 comentários:

Primo de Amarante disse...

Caro killer: penso que os sindicatos deveriam debater a sua questão. Por que será que não o fazem?!... Ela encerra o fundamental da imagem que temos da Justiça. Nenhuma reivindicação tem apoio social, se a profissão que reivindica não tiver uma boa imagem na sociedade: ou seja, se não corresponder ao que dela se espera. Quando era dirigente sindical lutava por esta questão. É certo que poucos frutos obtive, mas provoquei debates que de certa forma alteraram o vicio de pensar corporativamente (desculpando tudo com o argumento de que as criticas obedeciam a uma campanha contra a profissão -no fundo,a tese dos inimigos externos). Os problemas profissionais não são só os das férias ou o das remunerações, são, sobretudo, as condições em que a profissão é exercida, a competência e sabedoria de quem a exerce, a sua imagem pública e a avaliação do desempenho que no seu interior é feita. Se uma profissão não premeia os melhores-- mais competentes, mais sábios e mais independentes -- andam uns a estragar o trabalho dos outros.E, se isto é importante para todas profissionais, na Justiça é muito mais importante: ela é uma referência para todos os valores que devem orientar a nossa vida. Repare o que acontece na Amarante com o candidato Avelino! E recorda-se do que ele disse da justiça?!..

josé disse...

Tenho para mim, cada vez mais, a ideia de que a justiça é essencialmente um problema...semântico. Explico:
A semântica é, pelo dicionário," o estudo dos elementos da linguagem, considerando nas suas significações e da mudança que sofre a siginifcação das palavras".
Assim e por exemplo, imaginemso que numa acusação em processo penal alguém do MP escrevia que uma pessoa furtou uma carteira a outra, puxando-a com violência do braço que a segurava e causando-lhe ferimentos. Os elementos de facto estavam todos no processo, como sejam a identificação das pessoas; o valor do objecto; a natureza e importância dos ferimentos, etc.
Porém, para os não juristas, permito-me dizer que só aqui, nesta pequena frase, se posta em acusação formal, um juiz meritório daria largas ao seu contentamento jurisprudencial e resplandeceria o seu saber teórico em páginas e páginas de copy paste, com resmas de citações de autores consagrados, para no fim dizer que... rejeitaria a acusação!

Porquê?!
Simplesmente porque a lei processual penal tem trilhos certos que só os batedores do processo sabem e conhecem bem. Quem se aventurar por atalhos da vida real e se puser a descrever situações como as vê, de facto, o mais provável é... ficar sem o seu direito!

Não quero alargar muito porque isto daria pano para muitas mangas de alpaca, becas, togas e capas, mas sempre posso dizer que a linguagem jurídico-processual codificada tem as suas vantagens e haverá certamente quem esgrimirá os tais argumentos de resma e de copy paste, para assegurar que só dessa maneira e de nenhuma outra mais, se conseguem garantir todos os direitos e liberdades, para além de outras garantias.
Só que mesmo esta expressão já é fruto de uma terrível evolução semântica e que muitas vezes redunda no seu exacto contrário,ou seja, é sinal garantido de injustiça prática e concreta e de vilipêncio dos direitos elementares de dignidade de qualquer cidadão.

Não acreditam?!
Então, se algum dia forem vítimas de um furtozeco qualquer de rua: se conhecerem o assaltante e quiserem ter o cuidade e a pachorra de se dirigirem a um qualquer posto policial como qualquer cidadão anónimo, aposto que me darão razão...

josé disse...

E para desanuviar um pouco, mas mantendo a toada semântica, ponho aqui um texto surripiado num blog e que por sua vez deve ter sido surripiado de outro local- portanto, ladrão que rouba a ladrão...

"Um homem anda por uma estrada próxima a uma cidade, quando percebe a pouca distância, um balão voando baixo.

O balonista acena-lhe desesperadamente, consegue fazer o balão baixar o máximo possível e lhe grita:

"Ei, você, poderia ajudar-me? Prometi a um amigo que me encontraria com ele às duas da tarde, porém já são duas e meia e nem sei onde estou. Poderia dizer-me onde eu me encontro?"

O outro homem, com muita cortesia, respondeu:

"Mas claro que posso ajudá-lo! Você encontra-se num balão de ar quente, flutuando a uns vinte metros acima da estrada. Está a quarenta graus de latitude norte e a cinqüenta e oito graus de longitude oeste."

O balonista escuta com atenção e depois pergunta-lhe com um sorriso:

"Amigo, você é advogado?"

"Sim, senhor, ao seu dispor! Como conseguiu adivinhar?"

"Porque tudo o que você me disse está perfeito e tecnicamente correcto,porém essa informação é-me totalmente inútil, pois continuo perdido. Será que não tem uma resposta mais satisfatória?"

O advogado fica calado por alguns segundos e finalmente pergunta ao balonista:

"E você, não será por acaso um socialista?

"Sim, sou realmente filiado ao PS. Como descobriu?"

"Ah! Foi muito fácil! Veja só: você não sabe onde está nem para onde vai. Fez uma promessa e não tem a mínima ideia de como irá cumprí-la e ainda por cima espera que outra pessoa resolva o seu problema. Continua exactamente tão perdido como antes de me perguntar. Porém, agora, por algum estranho motivo, a culpa passou a ser minha... "

Bem apanhado!

Primo de Amarante disse...

A retórica é, como diria Sócrates, uma árvore frondosa sem frutos. O que importa são os frutos; isto é,a substância, o nosso viver em rede, o que condiciona o sentido que damos à vida, aos outros e ao mundo. Se a justiça fosse só uma questão semântica era óptimo. Eu não tinha perdido já dois dias para prestar declarações como testemunha, sem ter sido, ainda, ouvido. Entretanto, como me pagam à hora, fico sem receber as horas que deveria dar, como prof. convidado, num Instituto. E já lá vão cerca de duzentos euros. São estas, entre outras, as implicações que, por exemplo, fazem o concreto.

verbojuridico.net disse...

A propósito do tema do post, inseri no blog verbojuridico uma reflexão, que aqui igualmente reproduzo:
...
Conclusão viciada
Aderindo a uma estratégia protagonizada por grandes interesses, de colocar a Justiça e os seus profissionais no banco dos réus, a qual tem tido a colaboração conduzida intencionalmente por alguns "opinion makers", uma jornalista do "Expresso" editado ontem, conclui num artigo onde constam alguns resultados constantes de um "estudo" do Conselho da Europa (cujos critérios se desconhecem), que a justiça portuguesa é uma das que tem mais tribunais, juízes, funcionários, gasta mais e tem mais meios entre 40 países da Europa. E, assim, conclui, "estes dados contrariam, como se vê, a habitual argumentação de que a Justiça portuguesa emperra por falta de meios".
É estranha tal afirmação:
1) Quanto ao número de Juízes por habitante, Portugal aparece em 13.º lugar num rol de 21 países e em que abaixo de Portugal (no número de juízes por habitantes) constam apenas países nada desenvolvidos (Holanda, França, Dinamarca, Grã Bretanha, Alemanha, Espanha...)...
2) Quanto à despesa pública na saúde Portugal surge em 9.º lugar (e não nos primeiros), mas resulta do gráfico precisamente que há um maior dispêndio na Justiça em praticamente os mesmos países onde o número de juízes é inferior (Áustria, Bélgica, Alemanha, Suécia, Espanha, Holanda, Grã Bretanha ...)
Mas mais.
Ou estudo do Conselho da Europa não se pronuncia ou o jornal (deliberadamente ?) não publica outros elementos relevantes para se aferir do estado da justiça em cada país. Designadamente:
a) Qual o número de processos entrados e pendentes por Juiz, em cada país ? Serão 3000 ou 4000 como sucede em Portugal, ou não passam de 2 ou 3 centenas, no máximo, na generalidade dos países da União Europeia ?
b) Foi considerado se em cada país há estruturas estabelecidas de efectiva resolução alternativa (extrajudicial) dos litígios ? O recurso a essas estruturas reduz, em larga escala, a instauração de processos em Tribunal. Em Portugal essas estruturas existem, em reduzido número e os cidadãos têm um conhecimento muito diminuto sobre as mesmas. Além disso, importa comparar não apenas os números, mas também os resultados da intervenção dessas estruturas em cada país.
c) A tramitação processual dos países da União Europeia é semelhante à tramitação burocrática própria do século XIX, como sucede com o sistema processual português (criado e mantido dessa forma pelos poderes legislativo e executivo ?)
d) Como funciona o sistema de recursos em cada país da União Europeia ? Há 2 e 3 graus de recurso ordinário admissíveis (considerando que o recurso ao Tribunal Constitucional em Portugal já quase se tornou num novo grau de jurisdição em termos de recurso) ?
e) O poder judicial está dotado de condições administrativas e financeiras próprias ? O Conselho da Europa é favorável à autonomia administrativa e financeira dos Tribunais, porém em Portugal a simples aquisição de qualquer equipamento, por mínimo que seja, está dependente da boa vontade de um outro órgão de sobernia, o Governo (através do ministério da Justiça).
f) Como funcionam os Conselhos Superiores da Magistratura em cada país da União Europeia ? Têm autonomia financeira e administrativa ou estão também dependentes da boa vontade do ministério da justiça ? Há cerca de três anos que o Conselho Superior da Magistratura apresentou um projecto de Lei Orgânica, sem a qual esse órgão constitucional não pode efectivamente exercer as suas funções, mas essa Lei Orgânica, ainda que prometida, tem sido sempre mantida na gaveta pelos sucessivos Governos...
g) Os juízes dos países analisados têm assessores, com competência técnica adequada, que praticam todos os actos de expediente, assim como detêm no seu gabinete um funcionário privativo para todos os actos inerentes ao exercício das suas funções, ficando o Juiz unicamente com a função de julgar e decidir ou ... é o Juiz que tem que fazer todos os actos burocráticos, administrativos e processuais, fazendo de assessor e secretário de si próprio, além dos actos jurisdicionais que tem de praticar, sem qualquer assessor ou funcionário privativo, como sucede em Portugal ?
h) As decisões podem ser proferidas verbalmente, mediante súmula do dispositivo (condenação ou absolvição) ou têm que ser profusamente fundamentadas, sob pena de nulidade (como sucede em Portugal) ?
i) Os Tribunais Superiores estão circunscritos à apreciação de questões de mérito ou para uniformização de jurisprudência ou têm que decidir sobre todo e qualquer incidente que seja deduzido, ainda que a priori, pelas soluções plausíveis de direito, já seja quase certo que a decisão jurisprudencial a proferir seja aquela que foi decidida pela Instância recorrida ?
Não serão estes - e outros - elementos fundamentais, para se apreciar das razões do estado da justiça que impera num país ?