03 maio 2005

Referendo sobre o aborto

O PS geriu mal todo o processo do referendo sobre a despenalização do aborto. Desde o início que o calendário, a pergunta, a articulação com os restantes partidos, os prazos de agendamento, tudo foi tratado em cima do joelho. Até parece que verdadeiramente não se queria fazer o referendo. Também é verdade que a “gritaria” do PCP e do BE sobre o assunto não contribuiu para a reflexão devida.
Apesar de ter votado pelo ”sim” em 1998, entendo que Jorge Sampaio não tinha, neste momento, outra solução. Não agendou o referendo para o único período em que lhe era possível fazê-lo, permitindo que o assunto venha a ser retomado mais tarde, numa altura em que a despenalização do aborto possa ser debatida e esclarecida com toda a profundidade que merece, à margem das paixões mais arrebatadas que, de um e de outro lado, procuram dominar o debate e envolvendo o maior número possível de pessoas.

7 comentários:

Kamikaze (L.P.) disse...

Para "variar" :), inteiramente de acordo consigo, sempre oportuno JCP!

L.P. disse...

Alguns destes senhores que acham que a Lei devia ser aprovada na AR não eram os mesmos, muito de esquerda, que defendiam o voto contra a maioria absoluta, por medo de uma "ditadura parlamentar"?
Haja coerência e... bom senso!
E, se mais não fosse, convém lembrar que a promessa eleitoral do PS foi a realização do referendo, não a aprovação da Lei no Parlamento. A questão é demasiado fracturante do ponto de vista social e nem dentro dos partidos há unanimidade. É, de facto, uma questão de consciência. E se já houve um anterior referendo cujo resultado deixou espantadas as mentes mais "bem pensantes", que não se caia de novo na casca de banana da arrogância das verdades únicas ou das certezas antecipadas ...

L.P. disse...

Não acho que haja confusão, Dr. Rui do Carmo. O facto de a AR ter legitimidade política para legislar não significa que o referendo não seja a forma mais adequada de enfrentar a questão. Ou então para que servem os referendos, porque está a sua realização prevista na Constituição?
Depois de já ter sido realizado um referendo, com os resultados sabidos, faria sentido e seria éticamente legítimo "resolver" agora a questão por via parlamentar? A mim parece-me claramente que não, como referi, acho que se trata de uma questão de sensibilidade e bom senso!
E não será o facto de a lei em vigor ter sido aprovada na AR que tira razão ao que digo: afinal é uma lei tão moderada que , como se constata, não se trata de uma lei de descriminalização do aborto, como a que agora se propões seja referendada.
Quanto à "questão de consciência": por o ser, votei e voltarei a votar a favor da descriminalização!Aqui onde se diz que por se tratar de uma questão de consciência não faz sentido o referendo é que eu acho que há uma grande confusão! Por essa lógica muito menos se deveria aprovar uma lei na AR!

Quanto aos argumentos do Anto: eu, que sempre fui claramente a favor da despenalização do aborto e que apreciei a sua sensibilidade na escrita poética, só posso levar as comparações que fez à conta de um mau momento...pois parecem-me de mau gosto e despropositadas.
Com esse tipo de argumentos básicos não se convence ninguém que sincera e legítimamente tenha dúvidas em caucionar a despenalização do aborto. É como aquele argumento do "na minha barriga mando eu"... Por este caminho ainda vamos ter um segundo rotundo não...

PS - que me desculpe o recém-chegado Anto, mas Min é azeda por natureza ...

L.P. disse...

Já nos começamos a entender, Dr. Rui do Carmo ...
No meu comentário anterior optei por nem referenciar a natureza não vinculativa do anterior referendo porque me parece esse facto dispiciendo. Na verdade, essa é uma questão do foro estritamente jurídico e do que se trata aqui, no meu entender, é de algo bem diverso. Não por acaso nenhum dos partidos que apoiaram o sim no tal referendo vieram, depois da vitória do não, invocar a tal falta de efeitos jurídicos para reclamar novo referendo no ano seguinte! Lamento insistir, mas é uma questão de sensibilidade política e social, uma questão de elementar bom senso!

E é bom que se tenha presente que, apesar da maior visibilidade que as campanhas pela despenalização do aborto têm tido nos últimos tempos, as sondagens dão uma vantagem bastante tímida ao SIM! Isto num país onde nem a tímida lei actual se consegue aplicar em pleno pela atitude de boicote levada a cabo por muitos médicos, devia levar a pensar que nada são favas contadas e que a "fractura" é ainda muito evidente. O que ainda aconselha mais o recurso à prudência do referendo.

Quanto aos argumentos "folclóricos" que referiu/i são os que mais eco têm na comunicação social, v.g. nas TVs.

No que respeita aos argumentos do Anto, partem do pressuposto que é evidente para todos que evitar a gestação é o mesmo que acabar voluntariamente com uma gestação já iniciada... mas para muito boa gente não é a mesma coisa! E o que é que isto tem a ver com "um Estado (virtualmente)laico submetido a uma pressão "moral"(entenda-se: religiosa, ortodoxa cristã).!"? Por acaso o "não matarás" não é um "comando cristão"? A criminalização do homicídio será, por isso, resultado de uma pressão cristã sobre um estado laico?

L.P. disse...

Afinal o poeta Anto também é jurista! Ok, no melhor pano cai a nódoa, adiante.
Olhe, a mim não me ofendeu nada que Min é coriácea... até porque, como referi, sou a favor da igv (como diz com propriedade adequada a um jurista)e, adianto agora, completamente imune a qualquer religiosidade.
O que me parece é que não podemos ignorar que há diferentes visões deste problema e ainda que para mim, pessoalmente, fizesse todo o sentido ser a AR a fazer uma Lei, não posso ignorar que há outras sensibilidades e não são tão poucos os que não pensam como eu. Por isso e só por isso entendo que, depois de ter havido um referendo com o resultaado sabido, não seria politicamente sensato ou sequer ético, não fazer novo referendo. O que não significa que ache que estas matérias devam ser decididas por este meio, isto é, que em tese a AR não tenha legitimidade para legislar.

Quanto à questão de ser ou não o mesmo evitar uma gestação ou interropê-la, ainda que até às 10 semanas (ou 12, ou até 16, como também é defendido), é outra questão, que já deu muita polémica aqui no Incursões, in illo tempore, e que não é determinante - creio - para a polémica aqui iniciada neste post.
Disse.

jcp (José Carlos Pereira) disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
jcp (José Carlos Pereira) disse...

Congratulo-me com o facto de o meu post ter suscitado o debate sobre um tema tão delicado.