rabisco o inventário de mim mesma,
carne , ossos , sentimentos.
nunca sei por onde começo,
ou se termino.
histórias , uns poemas,
e a mente a fabricar perguntas.
é descansado meu respirar.
um pouso, uma pausa
ao anotar os versos.
os passos em torno do tempo,
afetos, amigos poucos,
sexo, a história comum,
os sentimentos ocultos num riso,
nas pálpebras baixas.
a transgressão eventual
mas firme de convicções.
ou o olhar amoroso , frontal,
óbvio.
um inventário,
coleção de pequenas coisas
que sou .
e em sendo assim,
que já não sou.
nada direi sobre o vinho, tinto,
sobre as esféricas evoluções
da fumaça dos cigarros,
nem sobre a gana de bailar,
de cantar um canto saleroso
cada vez que ouço o rascante
de uma guitarra flamenca
e a canção me escala o peito.
ou entoar um blues, um lamento,
nas noites sós, sem lua.
sobre ser mulher também nada direi,
que este é um segredo a ser mantido.
o amor, raro,
filhos , laços.
lágrimas, alguma dor ,
alegrias,
o desejo a tomar-me o corpo.
e estas linhas tecidas
nas noites longas.
o olhar líquido para o horizonte,
o mar sempre o mar.
e a determinação de ser feliz .
não tem utilidade este inventário.
não me salvará do esquecimento.
salva-me, talvez,
de esquecer-me.
silvia chueire
30 junho 2005
inventário
Marcadores: Poesia, Sílvia Chueire
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6 comentários:
Como de costume: bem!
Convirá, todavia, ver uma vírgula mal posta, parece-me ( vinho, tinto).
Os leitores atentos são do piorio...Um abraço
Parece-me que m.c.r. não tem razão. O "tinto" está a caracterizar o vinho. Não me parece que queira dizer "vinho tinto". Mas isso é o que menos interessa. O importante é a riqueza das imagens que o poema expressa. E esse "descansado meu respirar" dá ao mundo da vida do poeta um sentido mágico.
Fico quase invejoso. Gostava tanta que a vida me tratasse tão bem como eu desejo à VIDA!
Tinto entre vírgulas foi proposital,
para qualificar o vinho.
Agradeço as palavras gentis do compadre, a atenção do MCR (sim, avise-me sempre) e ao Outro.
Abraços,
Silvia
Também numa segunda leitura, logo depois de fazer o comentário, reparei que o tinto ente vírgulas poderia ser intencional. Caracterizaria o vinho por exclusão aos brancos e rosés... o mal disto é que a gente lê, entusiasma-se, enternece-se, alegra-se e quer logo partilhar essa descoberta, esse gozo estético com o autor. É como quando se descobre, SE SE DESCOBRE, uma garrafa lançada ao mar com uma mensagem dentro. O descobridor tem imediatamente de partir em busca do náufrago . Foi a precipitação deste péssimo salva-vidas amador que o cegou ao ponto de não perceber logo a bondade da vírgula, rabiscquinho mais sacaninha, não há!...
um beijão Sílvia. E mande mais garrafas dessas: não é assim tanto mar entre o Rio e o Porto
Obrigada, MCR, por todas as palavras entusiasmadas.Muito obrigada.
Porém se vc vir um erro, um descuido meu, não deixe de me avisar. Cometo muitos erros.
E não me aborreço de modo algum quando alguém os aponta, ao contrário. : )
Um abraço,
Silvia
Fica provado: "in vinho está a veritas"
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