04 junho 2005

Violação e coacção sexual?

O Supremo Tribunal de Justiça no Ac. de 02.06.2005, proc. n.º 1564/05-5, Relator: Cons. Simas Santos (com sumário disponível em Casa da Suplicação XXXIX), decidiu do seguinte modo:
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Se, depois de tentar violar a ofendida, quer através de cópula, quer através de coito anal, o que não conseguiu dada a sua resistência, estando os dois parcialmente desnudados, o arguido beija esta enquanto se masturba até ejacular, tendo-a ameaçado de morta, verifica-se igualmente o crime de coacção sexual do n.º 1 do art. 163.º do C. Penal. Na verdade, perante a impossibilidade de concretizar a violação por cópula ou coito anal, decidiu o arguido satisfazer os seus instintos sexuais, forçando a ofendida a sofrer acto sexual de relevo, numa nova motivação gerada por aquela impossibilidade. E seguindo-se à tentativa de violação, não se pode ter a conduta sequente como abrangida no processo de execução daquela.
Ou seja, tentou o arguido consumar a violação da ofendida, mas perante a resistência desta que impossibilitou a prática de cópula e coito anal, decidiu prolongar a sua conduta, procurando que esta o masturbasse e face à sua recusa, masturbando-se enquanto a beijava na face e no pescoço até conseguir ejacular. Esta conduta havida quando já constatara que não conseguia violar a ofendida dada a sua eficaz resistência, autonomiza-se daquela tentativa e corporiza o crime de coacção sexual do n.º 1 do art. 164.º, toda a vez que, como está provado, durante toda a situação descrita, a ofendida gritou a pedir socorro, tendo-lhe o arguido tapado várias vezes a boca e dito que a matava caso continuasse a gritar, mais dizendo que tinha uma arma de fogo e uma navalha, sendo melhor para ela que se calasse e colaborasse com ele; (ponto 8 da matéria de facto), ou seja a violência e a ameaça grave de que fala aquele dispositivo.
Na verdade, perante a impossibilidade de concretizar a violação por cópula ou coito anal, decidiu o arguido satisfazer os seus instintos sexuais, forçando a ofendida a sofrer acto sexual de relevo, numa nova motivação gerada por aquela impossibilidade. E seguindo-se à tentativa de violação, não se pode ter a conduta sequente como abrangida no processo de execução daquela.
E não se diga que se trata de uma continuação criminosa. É que a persistência da excitação insatisfeita do arguido ou o seu baixo liminar de resistência à frustração não constituem factores exógenos que diminuam consideravelmente a sua culpa, como o exige o n.º 2 do art. 30.º do C. Penal.
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No entanto, foram apostas a esse acórdão duas declarações de voto.
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Do Cons. Santos Carvalho:
«Voto a decisão e os seus fundamentos, com excepção das considerações feitas sobre a qualificação jurídica dos factos (ponto 2.3 do acórdão), que me suscitam algumas reservas. Se é certo que “perante a impossibilidade de concretizar a violação por cópula ou coito anal, decidiu o arguido satisfazer os seus instintos sexuais, forçando a ofendida a sofrer acto sexual de relevo, numa nova motivação gerada por aquela impossibilidade”, acho desproporcionado considerar que estamos face a dois crimes, um de violação tentado e outro de coacção sexual.
Na verdade, o direito penal, embora parta de construções teóricas e abstractas, não deve afastar-se da realidade da vida e, por isso, parecer-me-ia mais razoável considerar que se está perante um único crime continuado, já que o arguido realizou esses dois crimes, mas os mesmos protegem fundamentalmente o mesmo bem jurídico e foram executados por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a culpa do agente (a excitação sexual que ficou para além, “et pour cause”, do crime frustrado, já que permaneceu junto a si, ainda que intimidada a pessoa que lhe provocou o desejo insatisfeito e que encontrava parcialmente despida). »
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Do Cons. Rodrigues da Costa:
«Voto a decisão e os seus fundamentos, mas não as considerações tecidas acerca da qualificação jurídica. Quanto a mim, existe um único crime: o de tentativa de violação. A auto-masturbação não representa senão o culminar do fracasso do acto a que o arguido se propusera. A implosão desse acto, ainda que o arguido tivesse querido colher uma fosforescência nas suas ruínas, é, afinal, o reconhecimento desse fracasso, vivido em escala descendente como auto-satisfação.
Acresce que, para quem quis realizar cópula com a ofendida, ejaculando-se dentro dela, a auto-masturbação que se segue a esse acto falhado não tem qualquer relevância típica.»
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Quid iuris?

1 comentário:

o sibilo da serpente disse...

É tarde, estou cansado, mas a questão é interessantíssima. Três grandes vultos com opiniões tão diferentes merecem uma reflexão. Vou tentar.