04 julho 2005

Aos comensais de Leiria, aquele abraço

Ainda não foi desta que nos conhecemos, mas para a próxima será, que este blog está para durar, pois está cada vez melhor. Uns trabalhinhos históricos e jurídicos (não digam à minha mãe; ela julga que sou assessor do Isaltino) não me têm permitido vir à liça, como gostava. Acrescem outrossim outros impeditivos (perdoem-me, mas ando a ver telenovelas). É que para comentar o que se vai passando, é suposto (embora mal) ler os jornais e ouvir as TVs cá do burgo. Ora, embora os jornalistas, aliás nossos amigos, sejam todos uns gajos porreiros (tirante alguns), certo é que os que mandam lá naquilo não são bem assim (expressão eufemística, motivada por autocensura).
Vem isto a propósito, do chamado “arrastão”. Chego eu de férias a 13 e logo me vêm contar “Já sabes daquilo em Carcavelos, malta de cor e o camandro. Não viste as imagens dos tais, quer-se dizer dos escuros a gamar?”. Fiado nas tvs, apropinquava-me para “postar”, alertando contra as consequências inevitáveis da exclusão social e que o tal “arrastão” ilustrava o ponto grave que se atingira e tal e tal. A tempo suspendi o gesto, como dizia o outro.
É que afinal foi tudo uma patranha, nascida de um comunicado das relações públicas da PSP, que anunciou sem fundamento que na praia de Carcavelos tinham sido praticados roubos por 500 indivíduos,“segundo o método do arrastão”, informação essa que foi reproduzida e ampliada por toda a comunicação social, sem a mínima comprovação. Mais: a imagem dos rapazes de côr ( ou seja, dos “indizíveis”) a roubar, a prova suprema do “arrastão”, é tirada quando os ditos fogem de uma carga policial. Balanço final: uma ou duas queixas de roubo e três ou quatro miúdos presos, um deles não “indizível”, que foram libertados pelo juiz de instrução.
A invenção de mentiras que estigmatizam determinadas minorias étnicas e bairros pobres, lançando o pânico e fomentando o ódio racial contra os imigrantes, ao serviço da extrema-direita, não é um crime gravíssimo de consequências sociais imprevisíveis?
Se houvesse um mínimo de decência, não se averiguava em que condições a PSP fez o tal comunicado? Terá sido inocente? Não estará alguém interessado em amplificar a criminalidade, imputando-a aos imigrantes, para justificar leis contra eles, mesmo à custa de lançar um clima de confronto racial em Portugal? E de caminho, arranjar mais verbas para a polícia?
E os “media”, se fossem sérios, não era dever deles retratar-se ou ao menos reexaminar com seriedade o trabalho “jornalístico” que fizeram?
A questão é infindável. Claro que para a maior parte da opinião pública os pretos fizeram o tal “arrastão”, porque como dizia o Goebbels uma mentira mil vezes repetida torna-se verdade, sobretudo se as televisões e a polícia o disseram.
Felizmente alguns jornalistas não foram na conversa e desmascararam a história como o fez um jovem jornalista d´ “A Capital” chamado Nuno Guedes. Mas para quem queira perceber como tudo isto foi montado e que confiança nos podem merecer os “media”, incluindo os ditos “ de referência”, é imprescindível ver o vídeo acerca da cobertura noticiosa deste caso, elaborado por uma equipa coordenada pela jornalista Diana Andringa, antiga presidente do Sindicato dos Jornalistas, disponível em http://www.eraumavezumarrastao.net

Um abraço !

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