Eduardo Maia Costa, Procurador-Geral Adjunto, no Público de hoje:
Dir-se-ia que certa elite pensante e com acesso privilegiado aos meios de comunicação social, e abrangendo simultaneamente um amplo arco político-partidário, se deixou possuir por uma insana paixão por soluções e opções centralistas e mesmo autoritárias para combater a "crise".
O poder legitimado pelas eleições é encarado como poder quase absoluto, único verdadeiramente legítimo, e incondicionável pelos freios e contrapesos impostos pelo quadro constitucional. Da Constituição aliás deixou de se falar. Autoridades independentes ou autónomas dentro do aparelho de Estado são olhadas não apenas com suspeição, mas invectivadas como desprovidas de legitimidade democrática, reclamando-se abertamente a sua "responsabilização", ou seja, a supressão ou redução desse autonomia. Universidades, sistema escolar, e outros sistemas semi-autónomos não escapam.
Reclama-se um aparelho de Estado uno, hierarquicamente estruturado e respondendo perante o executivo sem entraves nem subterfúgios. Uma autoridade do Estado exercida sem "complexos". Porque o sufrágio popular tudo legitima. Quem ganhou, ganhou. É para mandar conforme a interpretação que fizer do "interesse superior da Nação". Os portugueses agradecem a quem olha por eles. Pelo menos, os "verdadeiros" portugueses.
No plano social, prega-se o "anti-corporativismo", em nome do combate ao défice. Todos os desvios aos estatutos básicos são vistos como intoleráveis "privilégios" e reclama-se a sua supressão em nome da igualdade entre os cidadãos. Dir-se-ia um acesso repentino de igualitarismo esquerdista, não fora a reclamação da igualdade por baixo (e para os outros...).
E coerentemente são atacadas, ridicularizadas, vilipendiadas as reacções dos sectores profissionais com direitos em risco. Qualquer reacção é corporativismo, o recurso à greve é quase um delito. Os sindicatos são considerados organismos corporativos e os seus dirigentes rotulados de nomenclatura privilegiada. Lutar pelos direitos no quadro sindical é um acto corporativo, se não anti-patriótico. Os trabalhadores devem comer, calar e agradecer aos governantes as sábias medidas que tomarem, porque é tudo pelo seu bem.
Não é a primeira vez na nossa história que a paixão cesarista se apodera de parcelas significativas das elites. Mas desde o 25 de Abril ainda não se tinha visto esta mistura de centralismo, autoritarismo e populismo de largo espectro e com tão ampla difusão mediática.
É uma torrente incessante, diária, que parece tudo submergir, tornando difícil levantar voz em sentido oposto. Remar contra a corrente sempre foi difícil. Mas é mais do que nunca necessário.
1 comentário:
Meu Caro Eduardo Maia Costa:
Só agora se apercebeu que há uma maré contra a qual é preciso remar?
Só agora foi atingido pela maré, revolta, tempestuosa e anárquica que "varre" Portugal. Pois saiba, meu Caro Amigo, que muitos há que já o fazem há muito tempo. E "essa" maré não existe apenas no Governo. Existe em todas as CORPORAÇÕES deste Estado verdadeiramente CORPORATIVO, SALAZARENTO e PODRE. A "mentalidade" de SALAZAR distribui-se pelos partidos políticos e espalha-se por todos os sectores da Sociedade portuguesa. A "democracia" existe apenas na luta político-partidária.Claro que, como em tudo, há excepções.
Bem-vindo à luta contra a maré.
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