Decidi reler a Resolução do Conselho de Ministros que constituiu a Unidade de Missão para a Reforma Penal, pois surgiram-me dúvidas sobre a opinião a que aderi logo que tive conhecimento da sua criação e constituição.
Leio no nº1 da Resolução que “tem por objectivo a concepção, o apoio e a coordenação do desenvolvimento dos projectos de reforma de legislação penal” – que deverão ser aqueles que estão enunciados no programa do Governo, penso eu. Parece-me que a criação desta estrutura é positiva se tiver em vista procurar garantir a coerência e articulação entre as diversas intervenções legislativas anunciadas (prioridades de política criminal, alterações ao Código Penal e ao de Processo Penal, execução das penas, etc.), uma vez que a incoerência e a desarticulação entre diplomas legais estão entre os problemas actuais da produção legislativa, provocando ineficácia e enfraquecendo a sua força normativa.
Compõem-na, para além do coordenador, um conselho integrado por membros de departamentos do Ministério da Justiça ou sob a sua tutela e um membro do gabinete do próprio ministro. E o nº4 estabelece que “o coordenador da UMRP pode propor ao Ministro da Justiça que sejam convidados a participar em reuniões do conselho (...) representantes do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público e da Ordem dos Advogados, bem como professores universitários de áreas científicas consideradas relevantes para a reforma penal”.
Ora, está aqui o centro das críticas: a não integração na composição do conselho da UMRP de membros do CSM, do CSMP e da OA, o que vem sendo entendido por alguns como uma forma de marginalizar os profissionais do foro, os que aplicam a lei e melhor conhecem o funcionamento e os problemas do sistema de justiça penal, do debate e concepção das reformas legislativas.
Também assim comecei por pensar, influenciado por algumas atitudes de gratuito afrontamento que o Ministro da Justiça tem adoptado no relacionamento com magistrados, advogados e funcionários de justiça, o que me levou a concluir de imediato: cá está mais uma atitude de afrontamento.
Há, contudo, que tomar em consideração que este governo se demarcou da ideia de Pacto da Justiça defendida pelo anterior, em face da qual fazia todo o sentido a constituição de um colectivo que integrasse o poder político e também os órgãos representativos e de gestão das profissões forenses. E que afirmou assumir a responsabilidade política de apresentação das suas próprias propostas, pelo que faz sentido que constitua um órgão que, sob a dependência do Ministro da Justiça, conceba os “projectos de reforma da legislação penal” que pretende vir a apresentar; assim como faz sentido que tal órgão tenha necessidade de ouvir o CSM, o CSMP, a OA e professores universitários no processo da sua elaboração, sobre aspectos técnico-jurídicos e da sua incidência na prática judiciária.
Este caminho permite, de resto, dois tipos de clarificações: por um lado, clarifica que as opções de política criminal (em sentido lato) não são questões meramente técnicas, mas essencialmente escolhas políticas ideologicamente informadas; por outro lado, clarifica a autoria e a responsabilidade dos projectos, que são inequivocamente do governo.
Elaborados os projectos, então há que haver um debate amplo, no qual o CSM, o CSMP e a OA desempenharão um papel muito importante, que terá de ser necessariamente alargado às associações sindicais do sector, à sociedade civil, a todos os cidadãos. Em que se debaterão as opções político-legislativas, as soluções técnico-jurídicas escolhidas para a sua concretização, o texto concreto dos projectos, e serão apresentados todos os contributos tendo em vista a elaboração da versão final a ser aprovado pelo Governo ou a ser apresentada por este à Assembleia da República.
Nessa fase é que têm de ser exigidas as condições necessárias a uma ampla participação democrática.
26 agosto 2005
AINDA A "UNIDADE DE MISSÃO PARA A REFORMA PENAL"
Marcadores: Rui do Carmo
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2 comentários:
Caro José António Barreiros:
Peço licença para publicar este seu comentário.Caso diga nada, presumo que a concede.
E agora, sobre este assunto deveras importante e premente, permita-me o seguinte comentário:
Tenho sido crítico, muitas vezes acerbo, do método de revisão das leis penais. Não é o caso de eu ser entendido na matéria, antes pelo contrário. Mas é exactamente por isso que me vejo habilitado a criticar os diplomas que vêm a lume, quando vejo na prática os seus efeitos, alguns deles perversos e leio entrevistas de quem sabe destes assuntos em Portugal.Porque as leis são feitas para se aplicarem a casos concretos e não a hipóteses académicas, e sendo suporte para aplicação da justiça em nome do Povo, precisam de ser entendidas por esse mesmo Povo e não só por especialistas, por muito que dominem as particularidades da filosofia do direito alemão, francês, italiano ou espanhol.
Acho de uma parolismo inconcebível que na Introdução à Parte Geral do Código Penal de 1982, se tenha feito menção expressa ao parlamento Alemão.
Concedo que as minhas críticas valem nada e ainda por cima decorrem de uma indignação contida em parágrafos que extravasam frequentemente para o sarcasmo grosseiro, único antídoto que encontro para curar a insuportável dose de soberba que perpassa nos ditos e feitos do presidente e alguns membros dessas COmissões.
Mas alguns espíritos não têm meio de encontrar uma luzinha que lhes mostre que não estão sozinhos no mundo do direito penal e que a "sua" obra, desde então já foi revista, alterada , modificada e acrescentada, mais de um dúzia de vezes- o que denota que nunca foi a obra perfeita que então permitiu aquele tipo de preâmbulo e permanece com uma filosofia que não encontra discussão à altura, no Portugal contemporâneo, por castração espiritual, num mundo fechado da Academia do Direito.
Não serei eu que estarei habilitado a fazê-la, mas nem por isso me sinto em capitis diminutio para afirmar que em certas coisas, nestas matérias o reu nasceu...nu! E podia ter-se vestido do manto mais nobre que há: a humildade intelectual e o reconhecimento dos erros.
Poderia abrir-se a uma discussão pública que não ficasse escondida nas páginas intragáveis das revistas de "Ciência Criminal" ou outras publicações para neófitos em caminhos para Assistentes.
Mas não! Continua a alegre caminhada para o olvido intelectual, acumulando teimosias e autismos.
A última, viu-se aquando da revisão de 1998! Lê-se, aliás, em entrevista ao O Diabo em que o mestre FG disse, a propósito do aumento da pena máxima para 25 anos: "matem-nos"!
Será o Instituto Jurídico de COimbra um sítio pequeno para pensar?! Terão aqueles corredores de tecto baixo e alcatifa em cima de pedra, propriedades castrantes para as virtudes intelectuais mais nobres?!
Não sei. Sei que é isso que sinto quando lá passo.
O tempo do "super-homem" seja a que título for, deve ter passado. Até porque vivemos em tempo de ratos- espertos, fugidios e sempre em busco do queijo furado.
Eu, como crítico deste estado de coisas, sujeito-me ao desprezo dos sabidolas e mestres de cerimónia.
Mas a vantagem que me aparece é a do número: são mais os críticos a este estado de coisas a que chegamos na justiça penal do que os defensores. E uma boa parte das críticas dirige-se directamente às leis. Cada vez mais. E os mestres que as fazem, nada dizem aos costumes. Calam-se perante o clamor e recolhem-se na sua sabedoria inexpugnável e insondável. Refugiam-se nos seus manuais de labor escolástico e por aí se ficam.
Se alguém aparece a clamar por outra coisa, mais evidente e racional, perguntam primeiro: quem é?!
Se a resposta for um "Ninguém", ainda por cima, prefixado a um nome próprio anódino e que não sugere atenção pelo apelido ou pela função, está despedido da atenção a prestar.
Ainda assim, prefiro esse estatuto de iconoclasta de ideias feitas, e questionador do "príncipe" ao acondicionamento do modo de pensar e à castração no agir que neste caso equivale a escrever.
É esse, aliás o meu único leit motiv.
CUmprimentos pelo seu comentário, altamente elucidativo e inédito, parece-me.
Já lá está, por AQUI
Mesmo que considere essa "petite histoire" irrelevante, para mim, pelo menos não o é de todo.
E tem uma virtualidade que também me parece importante:
Ajuda a perceber os mecanismos de poder e a entender melhor a democracia em que vivemos.
Lembro um momento particular, no princípio de 1987 em que nos cruzamos na PGR e lembro bem o que então me disse:
"O MP com este novo código vai ter mais poder". Nessa altura , discutia-se no sindicato( Cluny e outros, como RUi Bastos) e diversos fora, a questão dos meios para a execução do que se apresentava como novidade.
Obviamente,tinham e continuam a ter, infelizmente, toda a razão.
Nunca percebi muito bem os motivos reais da não atribuição de mais meios...mas os motivos dão pano suficiente para se discutir a relação entre o executivo e o judicial, no âmbito de uma democracia melhorada.
Essa discussão precisa de ser retomada, ás claras e sem preconceitos de parte a parte.
Aqui já se tem feito algo nesse sentido.
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