11 agosto 2005

COMO NO TEMPO DO MEU PAI

O meu pai era comerciante. Tinha sido caixeiro. Os que mais jeito mostravam para o negócio, que se mostravam mais capazes, iam ganhando a sua clientela e a certa altura decidiam estabelecer-se por conta própria, assim se chamava. Ter empregados que se estabeleciam era um sinal de prestígio para a casa-mãe. Os patrões ajudavam – davam conselhos, eram os fiadores do arrendamento e davam garantias aos bancos e aos fornecedores, emprestavam dinheiro ou davam boas referências a um sócio-capitalista, cediam o guarda-livros que os ia pondo ao corrente do negócio, indicavam a nova loja aos clientes que pediam alguma coisa que não tinham e até nem se importavam que o ex-empregado levasse alguns clientes consigo. E quando as coisas ao fim de algum tempo não corriam bem, o que às vezes acontecia, o caixeiro lá tinha geralmente outra vez o lugar dele. E o ciclo renovava-se. Ainda hoje uma boa parte dos comerciantes da baixa de Coimbra foi assim que o passaram a ser.
Ora, eu comecei como caixeiro no Incursões e ao ter-me agora estabelecido por conta própria no Mar Inquieto, ainda sem saber se tenho pernas para o negócio, sinto-me como no tempo do meu pai. Tenho de provar a mim e ao meu ex-patrão, que, cumprindo a tradição, me tem ajudado. E a quem agradeço também o prazer de poder continuar a fazer umas horas extraordinárias por conta dele.

6 comentários:

josé disse...

Ah! Essa ética existia mesmo! Porque razão mudou?
Que factores contribuiram para alterar essa relação de vizinhança entre semelhantes e que proporcionavam um modus vivendi que já se perdeu?
Mesmo recordando o tempo com nostalgia, há qualquer coisa desse tempo que se poderia tentar recuperar se soubéssemos porque razão a perdemos.

josé disse...

Havia patrões- e hoje também há.
Havia bancos- e hoje até há mais.
Havia negócios- e continua a haver.
Havia pessoas que tinham regras nesses negócios- e ainda hoje continuam a existir como válidas.
Havia mercado a explorar- e ainda hoje vai havendo.
O que mudou então?!

Kamikaze (L.P.) disse...

Rui,
parabéns pelo teu Mar Inquieto, que ganha uma forma e um estilo próprios já definíveis e dentificáveis, onde os posts de cariz mais pessoal, mas nunca irrelevantes para quem tenha pelo menos dois dedos de testa e alguma sensibilidadede, se cruzam com informação e reflexão séria sobre temas da justiça, do judiciário, da cidadania.
Afinal, todo um programa que o Incursões tentou trilhar...
Que não te cansem os dedos ao teclar, pois matéria prima para posts sei que não te faltará!

José,
boas questões coloca, como é habitual, mas não sei se terão aqui resposta, já deve ter reparado que este blog anda muito pouco opinativo... será a "silly season"?
No que me toca, tenho cada vez menos opiniões, mais dúvidas e menos energia para as partilhar; verdade verdadinha, ando cansada de dar palpites, mas cá me vou tentando manter atenta às opiniões e dúvidas alheias e procurando, pelo menos, continuar a agitar as águas que bloggers como o Rui e o José, felizmente, mantêm inquietas.

josé disse...

Caríssima kamikaze:

Isto, dos blogs, torna-se por vezes um pendolino em movimento e outras um leve marejar de ondas suaves que nos refrescam ideias.
Noutras vezes, atravessa-se o deserto e encontra-se logo à frente o oásis de um bom postal.
Um blog assemelha-se assim a um percurso iniciático( credo!) que só com o tempo se percebe o caminho.

É pena que não haja quem se decida a percorrê-lo, porque é disso mesmo que se trata: um percurso iniciático! ( credo!)

josé disse...

Que não haja mais gente, queria dizer...
Parece-me haver um receio atávico, ,mesmo com nicks, pseudónimos ou heterónimos, em se dar azo à expressão livre do pensamento.
Mesmo no disparate, às vezes se encontra um fio condutor para uma certa razão das coisas.

Enfim, fazem falta por aqui, um compadre e um MCR.

o sibilo da serpente disse...

Caro Rui do Carmo:
Estou certo de que o seu estabelecimento vai correr bem. Aliás, acho que já está. mas que dá uma trabalheira, lá isso dá.
Força nisso!