No dia 20 de Julho, desloquei-me a um tribunal para uma leitura de uma sentença criminal, que tinha sido adiada do dia 15, por causa da greve dos funcionários. Na véspera, um cliente que eu não conhecia - dessa comarca - pediu para se encontrar comigo para um "caso urgente". Marquei com ele no próprio tribunal.
O senhor em causa andava a ser fustigado com cartas anónimas e ameaçadoras. Temia pela vida dele e dos seus familiares, sobretudo dos netos. A conselho de alguém, tinha decidido não abrir a última carta, para tentar salvaguardar as impressões digitais que eventualmente estivessem no papel interior.
No final da leitura de sentença, pedi para falar com o Procurador-adjunto, com quem trabalhei várias vezes e de quem tenho a melhor das impressões. Expliquei-lhe o sucedido e tentei que ouvisse o meu cliente, doente do coração e receoso das ameaças. Disse-me que não o faria, até porque não estava de turno e só tinha ido ao tribunal por causa da sentença. Presumo que com a sua presença ali, teria acordado com o colega de turno a desnecessidade de se deslocar ao tribunal. Mas deu-me algumas ideias úteis: aconselhou-me a GNR local, para que pedisse a intervenção do NAC competente, com vista a proceder ao exame lofoscópico das eventuais impressões digitais.
No dia seguinte, um colega do escritório, já munido da queixa, deslocou-se ao posto da GNR. Em vão. NAC? Medidas cautelares de preservação de prova? O que é isso? Apenas uma garantia: se a queixa cá ficar, segue de imediato para o tribunal da comarca e faremos o que nos mandarem.
No dia seguinte, uma incursão ao NAC. Quê? Recolher as impressões digitais? Só depois do MP determinar. Telefonamas para aqui, para ali e regresso ao escritório.
Nova tentativa no tribunal competente. O procurador-adjunto de turno ouviu o meu colega. Decidiu perguntar ao funcionário se podia fazer "aquilo"? Aquilo era um mero despacho a ordenar os exames periciais... Que sim, disse o funcionário. O magistrado disse que faria. Eu pensei que tinha feito.
Há dias soube que não fez. Depois disso, já houve outros turnos. Ninguém achou o assunto suficientemente entusiasmante para prolatar o simples despacho? Ora, um mero crime de ameças?!
A queixa lá continua (estivemos até às 11 da noite para a apresentar no dia seguinte...). À espera que alguém lhe dê alguma importância.
Eu não sei se as eventuais impressões digitais se compadecem com a demora. Imaginemos que existem e se vão perder daqui até ao momento em que alguém decidir que deve fazer alguma coisa. Que fazer se tudo se perder?
Entretanto, espero que o meu cliente, doente cardíaco e que já teve um problema na sequência das cartas, resista.
20 agosto 2005
A queixa-crime que ninguém quer
Postado por o sibilo da serpente
Marcadores: carteiro (Coutinho Ribeiro)
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12 comentários:
Decerto que o Exmo Subscritor do artigo em causa conhece a Lei e saberá que poderá, em qualquer tempo, redigir um requerimento e entregá-lo nos serviços do MP solicitando a INTERVENÇÃO IMEDIATA do Magistrado do MP em turno...Mais saberá que sendo indeferida essa sua pretensão poderá sempre RECLAMAR para o superior hierárquico daquele Magistrado, ainda que de turno...
Os requerimentos em férias não respeitam apenas a arguidos presos.
Quem não deve não teme...
Tânia:
Aproveito o ensejo para dizer um dos motivos pelos quais me recuso a intervir aqui como magistrado.porque esta situação apresentada pelo carteiro é exemplar.
Se eu como magistrado e nessa função, vier para aqui discutir casos reais concretos que sejam do meu imediato conhecimento ou até que estejam sob a minha responsabilidade directa, o que pode acontecer?!
Isto, simplesmente: transfomar a minha participação neste blog em local de discussão aberta e com a eventual participação das pessoas envolvidas nos processos. COm a
agravante de serem processos pendentes e isso nem ser permitido legalmente.
Assim, a única vez em que o fiz, e mesmo assim numa qualidade que nem sequer foi a de magistrado titular de um inquérito, mas apenas envolvido num, como ofendido, aliás, foi há poucos dias, aqui mesmo e após ter sido provocado pessoalmente e ter sido colocada em causa a minha honra pessoal e profissional.
Não conto voltar ao tema ou a esses temas, pelos motivos óbvios de não querer transformar este fórum num lugar de discussão pública de processos concretos de que tenha conhecimento e contacto directos.
Se reparar, só tenho comentado processos que têm sido comentados na comunicação social, e os palpites que tenho emitido nesses casos, apenas derivam do que penso sobre os assuntos em geral.
Desafio quem quiser a apontar-me um único caso em que esta ética foi quebrada por mim!
Por outro lado, o que leio do postal do carteiro não é bem a mesma coisa, embora preferisse que os assuntos e casos concretos fossem evitados para não interferir na boa marcha da justiça. A marcha ás vezes não é boa e por isso se criticam tanto os tribunais e "oficiais de justiça".
Mas façam-no então com um mínimo de distãncia do caso concreto!
Sendo mais fácil de debater os assuntos que conhecemos de perto, torna-se virtualmente impossível transformar este local em sítio adequado de discussão de processos.
Mas podem discutir-se os métodos conhecidos no meio. Podem e devem discutir-se os modos de aplicação das leis e podem e deve ser discutidos determinadas decisões polémicas. Mas quando se entra neste campo, se a decisão é mesmo polémica e as pessoas que intervieram são nossas conhecidas, torna-se muito difícil discutir isso aqui, sem que essas pessoas intervenham. E elas, às vezes não podem intervir...
Quando se cruza o jornalismo judiciário com os blogs e com os actores concretos dos processos, os tais "oficiais de justiça" e os intervenientes processuais, a mistura pode não ser verdadeiramente miscível.
Só espero que nesses casos, a verdade sobreleve à mistificação. E é principalmente por isso que intervenho, às vezes para desprazer de quem escreve profissionalmente.
LAmento, mas não vou mudar.
E o caso concreto que me pede para comentar, é um dos assuntos que nunca comentaria aqui. A não ser que tivesse sido apresentado em abstracto. E não foi.
Contudo, sempre seria bom entender que quem detem o poder de decisão num Inquérito às vezes tem demasiado poder que não é devidamente sindicado em tempo útil.
Digamos que há falta de flexibilidade no realcionamento entre hierarquias de "oficiais de justiça" e o estatuto profissional do MP é pouco explícito nessa matéria, na sua conjugaçáo com o CPP.
Mas na verdade, o comentário já vai longo e não vou entrar por aí...nesse lusco-fusco.
Cumprimentos.
Pois é, não conheço a lei. Mesmo assim - e como não devo não temo - na queixa em causa solicitei a intervenção atempada do MP, atento que me pareceu a urgência do caso. Soletrei os preceitos legais que conhecia para que fossem acautelados os indícios. Reclamação hierárquica? Para ser apreciada quando? Depois de férias?
...
Estamos perante um inquérito concreto, que obsta a que se pronunciem sobre ele? Pois. Realmente. Que a queixa deu entrada, é verdade. Mas já terá sido aberto o inquérito? Duvido. Melhor: tenho a certeza. Se não tivesse, não teria trazido o problema à colação.
Acho que me resta esperar. E - como sou daqueles que não deve e, por isso, não teme - farei os requerimentos e reclamações necessários quando e se o processo for pelo cano abaixo. Mas faço mesmo...
...
Caro amigo José: um dia destes trouxe a liça vários exemplos do que poderiam ser manchetes do ´Público em dia determinado. A manchete era sobre um caso de eventual corrupção que envolve um hospital e várias agências funerárias. Acho mal e deu vários exemplos de outros assuntos que poderiam ser melhores manchetes. Entre eles, o caso de um eventual crime de coação praticado pelo famoso autarca sobre um empreiteiro. Com a autoridade cívica que tenho nessa matéria, discordo. E, já agora, pergunto: por que razão não anda o mais que pendurado recurso pendente na relação do Porto sobre outros alegados crimes praticados pelo famoso autarca?
O calor tem efeitos curiosos... Quem criticou as manchetes do público fui eu aqui, não o José...
Pois é, Manuel, há pessoas, como eu, a quem o calor não faz muito bem. Mas o calor passa e volto ao normal.
Preço desculpa ao José, ao Manuel e aos leitores. E a mim.
.
Tânia: o resto é para ir seguindo. Devagarinho, de preferência...
Leio, por aí abaixo, os comentários do excelso comentador gato_maltez. Em todos eles noto uma sobranceria enorme com todos os que ousam criticar o MP e um tom agastado para com os jornalistas para e quem tenta colocar algum equilíbrio nas coisas.
Deve haver, de facto, qualquer coisa que me escapa no meio de tudo isto. E não se irrite, gato_maltez...
Caro carteiro:
Para amenizar e tendo em atenção o problema "abstracto" da obtenção de indícios de impressões digitais eventualmente deixadas em superfícies de papel, sugiro uma reflexão sobre as dificuldades práticas de obtenção desses indícios em superfícieis e papel.
Nas polícias em geral, a formação em lofoscopia, não é nada de especial.
A PJ tem um departamento próprio de polícia científica para essas tarefas e tanto quanto julgo saber, prestigiado qb.
Porém, na PSP e na GNR( principalmente nesta força policiai) as dificuldades em recolher impressões digitais de uma folha de papel, devido á porosidade natural do meio e ao tempo decorrido (as marcas são feitas pelo suor do corpo,no caso, dos dedos, em princípio) pode levar rapidamente à conclusão de que será inútil proceder a exames desse género, consoante as circunstãncias concretas.
Ora, é dessas parte "concreta" que me dispenso de comentar o que quer que seja.
Não obstante,umas leituras avulsas de certos artigos disponíveis na net e com a impressão das mesmas e a junção ao eventual requerimento, talvez ajude a fazer justiça:
Repare, sff, nas dificuldades técnicas, através destes artigos:
AQUI
E também AQUI
Cumprimentos.
Caro Carteiro
Tenho para mim que os blogs servirão, além do mais, para uma troca de ideias entre os subscritores dos respectivos artigos e os leitores.
É essa a base da minha - pobre e fraca - intervenção neste espaço.
Nessa perspectiva entendi comentar - perdoar-me-á a ousadia do termo - um ou outro artigo que, na minha óptica, considero talvez mais interessantes.
Tento sempre fazê-lo de modo construtivo, até porque a vida para a generalidade dos mortais é bastante complicada...
Assim, ao ler este seu último post fiquei, no mínimo, surpreso com a sua linguagem.
Primeiro que tudo, não me considero "excelso", ainda que no sentido negativo que tenta usar esse termo, muito menos no sentido comum...
Já no que respeita à sobranceria, aí creio que o Caro Carteiro talvez tenha ido longe demais.
Não defendo o MP, aliás nem sequer tenho procuração para tal...O mesmo se aplica aos Senhores Jornalistas.
Creio que o Exmo Carteiro parece confundir crítica, em sentido verdadeiramente construtivo, com ataques às pessoas e Corporações.
Trata-se, acima de tudo, de sermos rigorosos connosco próprios.
Não importa vir para aqui dizer que se fez isto e aquilo e rotular as condutas de ilegais...Há que o fundamentar e, acima de tudo, respeitar a dignidade dos profissionais, sejam eles quem forem.
Aliás, nesse âmbito, respeito, muito mais do que aquilo que pensa, os Senhores Jornalistas. Mas também entendo que os Jornalistas deverão respeitar os leitores e esse respeito passará, além do mais, pela publicação de notícias rigorosas.
Há decerto alguma coisa que lhe escapa meu Caro Carteiro, usando os seus termos e estilo de linguagem...
Essa coisa - o termo é seu - terá de a buscar. Evidentemente que não lhe sugiro qualquer motor de busca - perdoar-me-á a ousadia do termo ou da sugestão - mas sim algo mais pessoal e seu, nomeadamente a sua consciência.
É que sabe, o Mundo já é tão mau que não vale a pena estarmos para aqui a suscitar questões que, sendo importantes, não merecerão talvez tanta relevância.
Posso ousar dar-lhe uma sugestão para um fim de tarde deste Verão: Contemple o Céu, observe a Natureza, respire e fundo e pense como é um privilegiado ser ao cimo da Terra...
A vida é bela...não dê cabo dela...:)
Um bom dia para si.
Caro José:
Agradeço imenso a amabilidade das sugestões que me fez. Só é pena que o meu inglês não seja propriamente o melhor .-)
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Eu também sei que as impressões digitais no papel não são fáceis de obter. Mas, tal como disse no meu post, limitei-me a seguir as sugestões que me tinham sido feitas por um amável procurador.
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Quanto ao problema de saber se a GNR está ou não habilitada a proceder a tais exames, eu creio ter percebido quando li a lei, que o encaminhamento destes assuntos para os órgãos de polícia criminal depende da moldura da pena aplicável ao crime em investigação. Creio não estar enganado a este respeito.
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De qualquer forma, o problema - disseram-me hoje - está ultrapassado: um senhor procurador de turno já despachou o assunto.
...................
Caro galto_maltez:
Eu tratei-o por excelso, porque se referiu a mim como Exmo Subscritor. Ora, eu nestas coisas, gosto sempre de ser o mais respeitoso possível. Mais não seja porque não estava habituado a tal tratamento neste blogue. Pareceu-me uma forma de distamciamento desnecessário porque, quem me conhece daqui, sabe que não é nem nuncas foi meu hábito, insinuar a minha proximidade com quem que seja. Não tenho lata para isso e, julgo, os habituais colaboradores já perceberam isso mesmo.
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Quanto à sobranceria - que também decorreu do tratamento distanciado - deriva sobretudo da forma como se exprimiu. Salienta que eu certamente conheço a lei. Conheço o que posso. Diz que quem não deve não teme. Porque haveria eu de temer? Quem me conhece, sabe que não temer porque não devo é o meu pior defeito. Leva-me a ser ousado, quantas vezes em prejuízo pessoal.
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Admito que possa ter interpretado mal as suas palavras. Mas foi o que interpretei.
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Passe uma boa noite (para usar a sua terminologia)
"Crime"?!!! Crime, chico-fininho?!
Não tenho procuração do gato_maltez, nem preciso, aliás, pois tenho vontade de rebater essa imputação.
O único crime que vejo susceptível de ser cometido num blog é o de...difamação! O que atenta contra a honra e consideração de quem de direito.
Porém, nos blogs, os anónimos metidos em vestes de pseudónimos e a escrever com heterónomos, são mato, por assim dizer, que cresce por todo o lado, neste espaço libertário.
E ainda bem que assim é.
Por um lado, um insulto anónimo é um escarro no oceano: não turva nada!
E uma exigência de criminalização do insulto sem marca de origem, é idêntico à exigência de retirar o escarro do oceano: sendo possível, nada altera.
A consideração e a honra são valores intangíveis e eminentemente respeitáveis sempre que o escarro seja dirigido com intenção maldosa, por quem se conhece e com o intuito preciso de sujar o atingido. Precisa do dolo intenso, quanto a mim, para se tornar nódoa a precisar de lavandaria condigna. É também muito raro, mesmo aqui nos blogs.
Se não for assim, basta uma chapada de água. Mesmo na cara, se for necessário.
Mas só para acordar o visado e para o chamar à luz do dia,bem entendido.
Leiam isto com a ironia qb,por favor!
Caro gato Maltez: só hoje dei conta do seu comentário ao meu, muito mais abaixo, noutro post. Já lhe respondi no local e espero tê-lo feito dentro do paradigma do seu último comentário neste post.
Caro Chico-Fininho:
Quanto à difamação em potência, susceptível de se gerar em blogs hiperdinâmicos, parece-me que a lei anda atrás de uma realidade técnica:
Aqui, quem se sente e é filho de boa gente, pode assentar o correctivo imediatamente, logo que tome conhecimento.
Para mim, bastará, o que tornará perfeitamente escusado, o desagravo em forma de sentença.
Mas é apenas uma opinião, claro.
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