28 setembro 2005

Diário político 1

Vale tudo? Antes valesse!...
(melancólicas reflexões pelas autárquicas de 97)

1. Um insofrido mas sábio presidente de câmara justificou assim a sua transferência para uma lista do partido socialista: quem está com o poder come, quem não está cheira.
Comoveram-se os jornais, alguma opinião pública e o partido que o convidara num alarde de virtude eleitoral e democrática tão sacrista quanto ostentatório.
Os jornais que se pelam por histórias destas ( isto é que é para eles notícia) voltaram a cara e enxurraram os desgraçados leitores com um sermão de pascoela mais bacoco que tartufiano.
A "alguma" opinião pública, que passa a vida a espreitar para o decote da Cláudia Fischer, gargarejou indignações tardias e hipócritas como se não se tivesse calado perante anos e anos de escandaleira eleitoral.
Finalmente o partido socialista que cometeu a feia acção de o ir desinquietar ao seu partido de origem para tentar ganhar uma câmara que de outro modo não ganharia ficou ofendido com a frase e retirou o convite.

Vejamos por partes: mentiu o impudente autarca ao afirmar as virtualidades de se pertencer ao partido de quem governa? Ignoram os próceres do ps (locais, regionais ou nacionais) que mesmo sem cometer escândalo sempre são mais bem vistos os "nossos" que os "outros"? Porventura os jornais conhecem algum exemplo do contrário? Será que a opinião ilustrada não vê e muito menos ouve o bramido formidável dos autarcas ps a pedir a teta orçamental?

2. Em Esposende tem ultimamente governado o psd e tudo leva sa crer que não será desta que a roda da fortuna desande. É esse, pelo menos, o meu voto. De facto não só parece pacífica a opinião de que o actual presidente é competente como, sobretudo, do candidato ps apenas se sabe um par de coisas pouco abonatórias: para começar o jovem advogado dr. Tito Evangelista foi durante anos o benjamin do senhor presidente da câmara, bastando este estalar o dedo para aquele acorrer pressuroso. Também consta que o doutorzinho apenas suspendeu a militância no seu partido de sempre que, aliás, o levara ao regaço do presidente da câmara e à vereação. Se depois de auto suspenso se excluiu pouco importa até porque tal abandono apenas terá por origem o facto do psd ter preferido o adversário. Mas conte-se a história toda, ainda que de dedo no nariz. Mais ou menos a meio do mandato o actual presidente da câmara resolveu suspender funções e deixou no seu lugar, como há muito estava combinado, o diligente dr. Evangelista. Que condições haveria para consolidar a sucessão, que promessas foram feitas é coisa que só os tribunais (pois parece que a guerra familiar já aí chegou) nos esclarecerão. Se o conseguirem... De verdadeiro apenas sabemos que poucos meses passados sobre a substituição estalou a disputa entre o presidente da câmara e o seu jovem substituto. O primeiro entendeu regressar e o segundo tempos depois via-se, enquanto vereador, despojado de pelouros e reduzido a mero figurante camarário. Terá sido nesse momento que, desatendidas as suas razões pelo partido, Evangelista se suspendeu ou desfiliou. E começou a travessia do que parecia um longo deserto mas que se revelou como um prometedor caminho de Damasco.

Neste momento, e perante a eminência de eleições, algum iluminado dirigente do ps local terá bradado: até agora cheirámos já é hora de comer. E toca de aproveitar a boleia do apressado e auto suspenso Dr. Evangelista. A pouca vergonha gananciosa do ps foi prontamente correspondida por idêntica dose de pudor do até há pouco nº 2 da câmara e do psd local. E eis que ungido pela concelhia ps passou o dr. Tito a pregar uma nova e revolucionária verdade eleitoral.

Em Roma, consta, não se pagava a traidores. Esperemos que também em Esposende o desnorte tenha o mesmo e merecido prémio.

3. Em Vila Verde o senhor presidente da câmara não tem os ciganos no coração: são, ao que parece, feios, porcos e maus. Por isso e porque havia a suspeita de tráfico de drogas eis que autarca e populares entenderam despejar a ciganagem, derrubando-lhes barracas e proibindo-os de viver na terra. Tudo isto à má fila sem respeitar sequer a propriedade dos despojados que tinham pago bom dinheiro pelos terrenos onde precariamente se instalavam.

Um par de cidadãos de esquerda e o governador civil de Braga entenderam que Vila Verde se dava ares de xenófoba se é que tão extravagante palavra recobre bem os tratos de polé dados (e mais ainda: prometidos! ) aos ciganos. Ai Jesus, Maria, José, o que se foi dizer: multidões regougantes invadiram o espaço jornalístico e televisivo afrontadas com a desfeita ao bom nome da terra.

Nesta luta pela dignidade vila verdense distinguiu-se um senhor deputado de nome Martinho e candidato “socialista” a presidente da Câmara Municipal: brandia contra o governador civil, seu camarada de partido, um argumento de peso: o Sr. governador desconheceria que a boa e pacífica gente de Vila Verde só perseguia delinquentes por sinal sempre ciganos. Mais: que ninguém tinha culpa de todos os ciganos moradores no concelho serem traficantes de droga. S.ª Ex.ª não passava de um exaltado movido por indisfarçáveis e condenáveis resquícios de esquerdice.

O candidato apoia o presidente em exercício na sua cruzada purificadora enquanto este promete apoio nas próximas eleições. Tudo em nome de Vila Verde, do socialismo democrático, do bom nome da terreola e da democracia musculada.

Os próceres regionais do ps mais preocupados com o score eleitoral do que com as velhas raízes da esquerda igualitária não só brindaram o governador civil com o mais sórdido silêncio como, e para fazer medida, foram em peregrinação festiva à apresentação da lista candidata a representar o povo (devidamente expurgado de criminosos) de Vila Verde.

Espera-se que esta lista que ganha em sanha étnica ao CDS PP tenha o resultado que merece...

4. E já que se referiu o CDS PP que dizer da transferência de um dos seus autarcas (o senhor presidente da cm da Batalha) para as listas do partido socialista na corrida à câmara de Leiria?

Parece que o referido candidato terá, como certas filhas família do antigamente, reconstruído a sua virgindade política: nunca foi do pp mas antes sempre se afirmou como independente devotado ao bem da terra natal ou de qualquer outra que lhe acene com uma presidencial cadeira.

O ps sempre romântico e optimista foi buscar este modelo de autarca todo o terreno e pô-lo a pilotar as suas ambições leirienses.

Aqui assiste-se a mais um grau na escalada das transferências: não só se foi buscar candidato de outra cor mas também de outra terra. Para a próxima talvez se consiga um estrangeiro com experiência na alta competição autárquica.

5. Comovido com estas movimentações eis que o ppd psd resolveu pagar com a mesma moeda: em Coimbra apresenta o Dr. José Gama, ex presidente de Mirandela que, aliás, fora recrutado dentre os primitivos autarcas CDS. Aqui consubstancia-se na mesma pessoa um pequeno e terrenal mistério da trindade: a transferência é de partido, distrito e região. A favor do candidato registe-se a arroubada declaração de amor à cidade do Mondego feita pelo candidato que, além disso, averba a seu favor o facto de nesta ter frequentado a universidade. O argumento é sólido mas tem um ligeiro senão: é que a partir de agora haverá mais de cem mil excelentes candidatos ex estudantes de Coimbra. Aconselha-se para efeito de escolha a classificação destes por número de anos de frequência dos Gerais ganhando obviamente os “veteranos” mais antigos. Aliás poder-se-ia até consagrar no “código da praxe” da Academia (que já não se guia pelo “Palito Métrico” por não haver quem domine o latim macarrónico) este novo direito estudantil: não só não há que pagar propinas mas, além disso, podem os alunos com mais uma matrícula do que as que o currículo prevê, candidatar-se ao honroso cargo de edil.

Terminemos esta pungente “via crucis” com esse homem fatal que dá por Santana Lopes. Escorraçado de Lisboa e seu termo por Pacheco Pereira eis que, qual novo Wellington, desembarca na pacífica Figueira da Foz a convite do ppd local. Vem como o inglês façanhudo escorraçar da “praia da claridade” a onda vermelha que aí se instalou desde o 25 de Abril. Vem para ganhar graças a três trunfos de peso:
1 Com ele a Figueira entra no difícil mapa da crónica de sociedade augurando-se que, se tudo correr a preceito, ultrapassará Marbella.
2 O partido socialista local está em estado comatoso. No período eleitoral ninguém leva a mal. Não nos espantemos com a hospitalidade com que a Figueira, desde sempre com vocação turística, recebe e naturaliza os estranhos que a ela chegam.

Ponhamos que aqui não será Santana que ganha mas o ps que perde por falta de comparência. Dir-me-ão que se assim é não se podem assacar culpas ao ps. Errado meu caro Watson, absoluta e definitivamente errado. O ps tem, a nível autárquico, cultivado uma absurda e letal teoria: enquanto o pau vai e vem folgam as costas. Traduzindo: temos no poleiro uma besta baptizada mas como até à data ganhou eleições não vale a pena reconduzi-la à estrebaria a que pertence e donde só devia sair para ir ao ferrador.

Assim se perdeu, in illo tempore, Gondomar, assim se vai perder a Figueira e assim se corre o risco de perder Gaia.

Cabe dizer que a democracia só ganha com o expurgo das mediocridades sejam elas de esquerda ou de direita. Convirá, porém, acrescentar que a coisa só vale se alguém aprender a lição. E nem sempre isso acontecerá como se vê com Gondomar. O ps terá reflectido no seu anterior desaire eleitoral nesta circunscrição e com a pesada subtileza que caracteriza a comissão política distrital do Porto entendeu que para bater um “Joãozinho das perdizes” que no século dá por Valentim Loureiro, não haveria melhor que soltar-lhe às goelas um rapazola vagamente arruaceiro com carregada pronúncia nortenha e descaramento q.b. que chegou ao ps e ao parlamento por interposta “Plataforma de Esquerda”. Como se sabe, no Porto não havia plataformistas que chegassem para encher um táxi pelo que quando foi necessário recrutar não estiveram com chichis nem com cócós: tudo o que veio à rede era peixe. Só assim se explica que o tonitruante dr. Pedro Baptista, ex-expoente do “Grito do Povo” (O. C. m-l. P.) aparecesse junto aos seus antigos arqui-inimigos “revisas” e “social-fascistas”.

Além de cometer uns artigos vagamente regional-futebolísticos no periódico “O Jogo” o dr. Baptista mete no mesmo saco os seus inimigos de estimação e os do Sr. Pinto da Costa, distinto presidente do Futebol Clube do Porto. Um golo deste é, para o vociferante parlamentar, sempre uma vitória da classe operária ou, hoje em dia, do interclassismo anémico que se revê no ps.

Em mau momento o escolheram pois à vista desarmada logo se verifica que, frente ao lobo mau Valentim, o “jovem” Baptista faz, quanto muito, o papel do mais novo dos três porquinhos se é que os meus paroquianos já leram essa bonita historinha. Noutros termos: não chega sequer às canelas do matreiro Valentim quanto mais, como se queria, às goelas.

No próximo dia 14 se verá que razão assiste a quem estas melancolicamente traça. Espera-se todavia que o vale tudo que se descreveu não seja premiado em atenção à quadra natalícia que começa. Est modus in rebus!...

8.12.97
(transcrito tal e qual se escreveu, valham a verdade e as qualidades proféticas do A.)

d’Oliveira

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