tomou a água em suas mãos
num gesto antigo
e bebeu-a.
a água a descer-lhe
pela garganta
refrescando o peito.
afastou levemente os cabelos,
como se não fossem seus,
na memória abrupta dele,
a afasta-los para trás.
e deu passos lentos,
lentíssimos,
repentinamente velha,
para longe do lugar.
na ilusão de que sair
era afastar-se
de qualquer lembrança.
na face a lágrima
a escorrer-lhe a dor.
nem uma palavra a redimir -lhe
a falta.
silvia chueire
09 setembro 2005
água
Marcadores: Poesia, Sílvia Chueire
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3 comentários:
Belíssimo de triste, amiga! Beijo e bom fim de semana!
"na face a lágrima
a escorrer-lhe a dor".
Nada de mais humano numa lágrima.
Desde as civilizações mais remotas, foi conferido à água um duplo significado: uma vezes, simbolizava a morte e o sofrimento; outras, a vida e a alegria.
Com a água de uma lágrima vai a ternura de uma alegria, o sufoco de um sofrimento, o advinhar de uma raiva, a transparência de uma paixão.
Quem não sentiu que a água que lhe escorre numa lágrima é a manifestação do que de mais humano há no próprio homem?!...
Nas narrações míticas, as águas tenebrosas do mar eram habitadas por um estranho monstro, o Leviatã. Hobbes aproveitou esta imagem para falar da «guerra de todos contra todos». Também Camões se serviu do horrendo Adamastor para ligar o infortúnio amoroso ao naufrágio e falar dum «medonho choro». E, mais recentemente, a poetisa do Livro das Mágoas, Florbela Espanca, irmanou no mesmo destino a água e o sofrimento: «Irmãos na Dor, os olhos rasos de água
chorai comigo a minha imensa mágoa».
No livro do Génesis diz-se que «Deus era levado sobre as águas» e no Evangelho de S. João a água é fonte de vida eterna: «Mas a água que eu lhe der, virá a ser nele uma fonte de água , que jorre para a vida eterna».
Tales de Mileto considerou-a o princípio de todas as coisas e os alquimistas que procuravam o elixir da longa vida e a pedra filosofal pensavam que a água era um dos quatro elementos constitutivos da matéria.
E é a descoberta dos elementos que compõem a água (oxigénio e hidrogénio) que faz de Lavoisier o criador da química moderna.
No Direito, a água é um bem imobiliário: águas públicas, particulares e territoriais.
E quando falamos de transparência ou limpidez é sempre a água que serve de fundo a um horizonte de sentido.
Assim acontece com as coisas puras e cristalinas e esta foi sempre a melhor imagem do homem bom e de bons costumes.
Mas é nos ditados populares que a água revela as mais genuínas formas de estar, sentir e pensar do homem.
Afogar-se em pouca água
Água mole em pedra dura tanto dá até que fura
Banhar-se em água de rosas
Beber água nas orelhas dos outros
Carregar água em cesto
Carregar água em peneira
Com água na boca
Com água no bico
Como da água para o vinho
Corra água por onde correr
Crescer água na boca
Dar água pela barba
Dar em água
De primeira água
Enfiar água no espeto
Fácil como a água
Fazer água na boca
Ferver em pouca água
Ficar em água de bacalhau
Estar nas águas
Ir de água abaixo
Ir nas águas de
Pescar em águas turvas
Pôr água na fervura
Sem dizer água vai
Ser aquela água
Sujar a água que bebe
Ter bebido água do chocalho
Tirar água da pedra
Tirar água do joelho
Verter água
Mariscar na água
Água que passarinho não bebe
Claro como a água
O poema é um hino à estética dos silêncios de uma lágrima.
E eu entendo isso tão bem!...
Que lindo poema!
Obrigada, Amélia.
Beijos. : )
Compadre tem razão, a água é um significante universal. Tão importante. Obrigada pelas suas palavras.
Abraços,
Silvia
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