18 setembro 2005

O elogio da diferença

Vasco Pulido Valente, no Público de hoje
(destaques nossos)


"Como se chegou aqui?"

“Até meados de Outubro, vamos ter acções de rua ou greves de militares, de juízes, de magistrados do Ministério Público, de funcionários judiciais, da PJ, da GNR, da PSP, do SEF, da Polícia Marítima e da Administração Pública.
Por outras palavras, parece que o estado declarou guerra ao Governo.
Se não fosse a Europa, nada impediria estas meritórias forças de se insurreccionarem, de prenderem o governo, de o julgarem e de o meterem na cadeia, desde que, evidentemente, os guardas prisionais, por espírito de solidariedade, resolvessem desistir da sua greve, que também por aí se prepara.
Como se chegou aqui?
Primeiro, pelo desprestígio geral do regime. Houve Guterres, Barroso, Santana e agora Sócrates, que arrasaram qualquer espécie de respeito pelo poder com o seu diletantismo e a sua irresponsabilidade. Todos mentiram. Todos permitiram e promoveram a corrupção dos partidos. Dois fugiram. Um acabou abjectamente escorraçado. E Sócrates sobrevive por inércia, desprezado e nulo.
Além disso, que já não é pouco, não há dinheiro. Pior ainda: o dinheiro que hoje falta, não falta no bolso, sempre vazio, do bom povo português, falta no bolso da classe média inchada e artificial que se criou em 30 anos de ilusões e, nomeadamente, no bolso do capitão e do juiz, do inspector e do funcionário, do polícia e do GNR.
Como se irá convencer hoje esta gente, a autoridade, que vive em grande parte do seu estatuto social, que deve de repente empobrecer e perder privilégios num mundo em que se prospera pelo compadrio, pela influência e pela fraude e o caos político se tornou manifesto?
Sócrates com certeza não percebe, mas para existirem e cumprirem o seu papel, militares, juízes, procuradores, guardas, polícias precisam de uma ética própria, de espírito de corpo e de um certo grau de separação da sociedade que lhes compete defender, vigiar e, quando em quando, reprimir.
Não é por acaso que usam farda ou toga ou gozam de alguns direitos de excepção. Da diferença depende a sua identidade e a sua eficácia. Sem ela, ficam desprotegidos.
Daí que “equiparar” um oficial a um professor, um juiz a um contabilista, ou um polícia a um escriturário seja para eles, muito justamente, inaceitável. Não se trata aqui do dinheiro, ou só do dinheiro, o que se trata é a da sua condição como membros de instituições de uma natureza particular, a que o Estado e os portugueses confiam a sua segurança.
Se o governo a põe em causa põe em causa o essencial.

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