17 setembro 2005

Tarde demais

Há pouco quis ir lá cima para ver como estavas; se
ainda tinhas dores, ou febre – ou medo (porque já
estava a escurecer); se querias que te lesse o que vem
no jornal sobre as feridas do mundo (mesmo sabendo
que esse mundo já não vai ser o teu) ou que te levasse
para junto da janela, onde ao cair da noite o vento
deixa as dunas desgrenhadas e as aves são como lenços
rasgados sobre o mar. A meio da escada o olhar órfão

da cadela e as flores secas no vaso lembraram-me
que era tarde demais para tudo isso: nesta casa,
a partir de agora, os degraus só se podem descer.

Maria do Rosário Pedreira,
in O Canto do Vento nos Ciprestes