18 setembro 2005

O velho truque da bandeira


É dos livros que todos os demagogos que arruinam as “repúblicas” cobrem as suas trampolinices com a máscara do patriotismo, do seu acrisolado amor à Pátria, cuja desgraçam até mais não poder de todas as maneiras e feitios. Pensei nisso quando topei no alto do Parque Eduardo VII, local fatíditico para muitos feitos, com um gigantesco estandarte do nosso Portugal, batido pelo vento, entre as colunas imperiais do Keil e o monumento fálico do Cutileiro.
Como, por coincidência, havia para ali uma manifestação qualquer de extrema-direita ainda julguei que tinha a ver com isso, mas não. Fora o Santana que antes de se ir embora da câmara presenteou a cidade com a bandeirona, paga por uma das empresas municipais, sustentadas pelo pessoal. O tamanho descomunal da bandeira é desproporcionado em relação ao local, remetendo para um imaginário arquitectónico paranóico, tipo Ceacescu e quejandos.
No momento em que Portugal cai em todos os índices, que definem um país aceitável, é mesmo destas pantominices que se precisa. Esta história vem detrás, do tal Euro, esse dinheirinho bem aplicado, como é público e notório, primeira grande obra do Sócrates, se estão lembrados. Arribou por então aí um senhor devoto da Sr.ª da Aparecida, um patriota fervoroso, admirador do Pinochet, que lançou a campanha da bandeira. Pôs a bandeira quem quis e ninguém tem nada com isso. Só que isto da Pátria tem que se lhe diga. E vai daí o presidente da república, certamente com medo que o acusassem de défice de patriotismo, vá de espetar uma enorme bandeira no palácio de Belém. Fez mal. Se a ideia tivesse sido dele, era má, mas enfim, agora um presidente da república ir atrás de um macumbeiro é forte. Além disso, haja um mínimo de respeito pelos monumentos. O palácio não é dele, é um belo edifício de origem setecentista, tem a sua traça própria e não suporta uma coisa daquelas. É piroso, denotando a mais elementar falta de sentido estético.
Caramba, se querem mostrar que são patriotas, porque é que não vão dar sangue, apagar fogos, limpar os matagais. É que, se a moda pega, em breve não haverá autarca rapinante que não vá por aí semear bandeiras gigantes e daqui a pouco não se pode: uma na torre de Belém, outra na dos Clérigos, no mosteiro da Batalha, no castelo de S. Jorge e assim por diante. Fica aqui um apelo, oh vós que mandais! O vosso patriotismo é bem conhecido, não precisa de mais demonstrações, por isso deixem-nos ao menos contemplar, como deve ser, os monumentos e as belas paisagens, também é só por um bocadinho, enquanto não forem engolidas pelo betão.

1 comentário:

José António Barreiros disse...

Meu caro, é de embandeirar em arco, mas da Rua do Arco de Bandeira, que é onde fica o Cine-Piolho!