Kudya Kumanya
(revisões da história? carta ad usum Delphini et Josephus)
(revisões da história? carta ad usum Delphini et Josephus)
Isto deveria, em boa verdade, ser um comentário mas pareceu-me que o tema merecia um texto autónomo que responda aos comentários que um novo comentador, Delfim Lourenço Mendes e o meu querido e velhíssimo leitor favorito José têm trocado comigo a propósito do texto sobre o Doutor Antunes Varela.
Remeto os leitores para esse texto e respectivos comentários e, dando de barato que tiveram paciência para nos lerem, venho agora aflorar duas questões que se prendem com
1 a permanente queixa de que os valores estão em crise
2 a presença portuguesa em África (mormente em Moçambique) e a sua bondade face ao que hoje por lá se vê e ocorre ou ocorreu.
(A latere as bondades do Estado Novo e a honradez dos políticos e demais servidores públicos)
Ora então comecemos pela primeira, que é, sem sombra de dúvidas uma vexata quaestio (José dixit): Desde o antiquíssimo “O tempora o mores”, com plácida regularidade, um par de criaturas qual vozes clamando no deserto, avisam os contemporâneos que a seguirem o caminho que seguem se perderão na mais negra das desgraças. Nem a Bíblia escapou a essa cruel ameaça: os costumes destruíram Sodoma e Gomorra, salvando apenas Lot e as filhas que enfim, quanto a costumes, foi o que se sabe; o rei Baltasar viu escrito nas paredes do palácio, onde regiamente se emborrachava entre mulheres e áulicos, as palavras tremendas “mane, tekel, farés” (contado pesado e dividido) aviso definitivo que já lhe estava passado o bilhete de ida para o inferno.
Fortalecidos com estes exemplos multiplicaram-se os censores e as Cassandras. De comum apenas têm isto: os tempos novos estão mergulhados na devassidão e na ignomínia, antigamente é que a honradez era virtude. Claro que isto aflora em diferentes versões, qualidades e circunstancias mas, contado, pesado e dividido, cai tudo no mesmo prato: les temps como dizia Leo Ferré, sont difficiles.
Serão? Claro que são. Mas não porque dantes era tudo bom, era a idade de ouro e as virtudes cívicas e morais fossem respeitadas. Porque não eram. O que se passa é que a história é tão só a nata, o que fluctuat nec mergitur, e isso significa que se dá conta da raridade da exemplaridade e pouco do dia a dia. É por isso que os romanos são sempre austeros e virtuosos (pesem embora os Neros e os Calígulas), os gregos sempre cultos, os trovadores da Provença sempre galantes etc., etc.
Revertendo para o nosso “Estado Novo” (1926-1974) teríamos que os próceres do regime, eram gente culta, séria, honrada, modesta e sei lá o que mais, em contraposição com a funesta paisagem político-partidária de hoje. Ora bem:
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, caros amigos: as elites do Estado Novo eram fraquinhas. E eram-no porque viviam à sombra de um dirigente autoritário que não lhes dava grandes possibilidades de voar com asas próprias. Não deixa de ser sintomático que durante quase cinquenta anos o regime não produzisse, entre os seus fieis, uma escritor, um artista, um autor que fizesse sombra aos da Oposição. E mesmo entre os intelectuais de outros meios, tirante o Direito, aquilo foi o deserto quer na História, na Critica Literária ou nas Ciências Puras e Aplicadas. A Oposição politica portuguesa ganhou as suas esporas justamente nesse terreno. Convenhamos que Marcelo, Salazar e mais dois ou três eram modestos e morreram pobres. Que Franco Nogueira até era amigo de alguns pintores comunistas. E basta. Leiam-se os jornais ideológicos do regime: A Voz, A manhã e similares. Leiam-se as escassas tentativas de revistas de cultura (por todas "Tempo Presente" que não passou do nº 20) É o deserto ou nem isso... Façamos uma peregrinação pelo Século ou pelo Diário de Notícias: cinzento escuro, escuríssimo. E porquê? Porque ainda nos anos trinta o regime autoritário (não estou a dizer fascista, reparem) cortou cerce as veleidades da sua direita mais radical, Rolão Preto e companhia; aquietou (manietou) Marcello e Nogueira; pôs ponto final aos atrevimentos do António Ferro. E por aí fora. O Estado Novo foi um pântano da inteligência, pobre e remendado.
Passemos ao piedoso retrato de Moçambique dado por Delfim Mendes. Ó caríssimo então V. acha que um par de aeroportos, uma refinaria, jardins, casas de “sonho” e mais um par de coisas mostram um país? Tudo o que V. diz é verdade e até peca por escasso. Claro que as cidades eram lindas! Claro que a ilha de Moçambique estava bem tratada. Claro que Lourenço Marques era belíssima. Ainda hoje, o Expresso traz um retrato do Pancho Miranda Guedes, amigo da minha família e notável arquitecto de Lourenço Marques. Mas tudo isso não consegue esconder a sordidez da cidade do caniço, nem os restantes 99% do território... Compare Moçambique com as antigas Rodésias ou o Tanganika ou a África Sul. Aí veria V. a quanta distância se estava.
Aliás a guerra foi um chicote fortíssimo para o desenvolvimento de Angola e de Moçambique: mais estradas, mais aeroportos, construção acelerada para os milhares de recém chegados militares (Nampula duplicou de população e de construções. Pudera! Era o quartel-general! ) A vida lá, graças aos ordenados maiores, graças ao preço ínfimo do trabalho (nós “só” tínhamos três criados: manias de modéstia do meu pai, médico naqueles cafundós que achava que para lavar as mãos não precisava de ajudante...) era óptima para quem lá ia no espaço duma comissão militar. Com sorte nem saía da cidade para o mato. Faça esta experiencia meu caro: pergunte se aprenderam cinquenta palavras de macua (norte) ou de ronga (LM). Só cinquenta... Ou estoutra: o que é que distingue um tschona dum maconde para ser fácil...
A grande tragédia portuguesa, nossa, foi esta: não quisemos, não pudemos e não soubemos desenvolver as colónias, criar elites locais, conter a boçalidade de boa parte dos nossos emigrantes e muito menos controlar a economia colonial. É por isso que os caminhos de ferro da Beira eram “Beira Railways” e o principal produtor agrícola da região a “Sena Sugar Estates”.
Neste género de discussões, a vontade é sempre a mesma: que pena V. não poder ver, com os seus próprios olhos, isto que lhe descrevo. Mas não pode: tem 49 anos! Teria 18 quando aquilo foi por água abaixo. Mas console-se: não tem esta imensa saudade, dos pôr do sol frente à Inhaca ( o sol punha-se do lado da terra, claro) dos camarões grelhados, do cheiro da terra depois da chuva, do som das marimbas, das flores, das praias coralinas do norte, da Ilha, barco de pedra naufragado, testemunho dos nossos maiores, seus e meus, caríssimo, Seus e meus..., dos palácios em ruína entre coqueiros na baía do Mossuril. Saudades, permita-me dos meus “criados”, do mainato, do “senhor Tesoura” cozinheiro de mão cheia que desobecia às ordens de minha mãe e só fazia a comida que os “minino gosta”, do Mário, o nosso “moleque” bêbado inveterado que fumava maconha e dizia que era nosso irmão. E era, Delfim, e era...
A guerra civil destruiu tudo isto. As guerras civis são terríveis e por isso Moçambique está como está. O PIB vai andar pelas ruas da amargura mais vinte ou trinta anos. A doença, a miséria e o desespero hão-de pedir meças à corrupção, ao banditismo e á canalhice dos cavalheiros de Maputo. E se é verdade que dessa guerra não nos cabem responsabilidades também não deixa de ser certo que elas tiveram muito a ver com a geo-estratégia das grandes potencias mundiais (Inglaterra, URSS e Estados Unidos) e da potencia regional, a África do Sul. Mas isso são outras histórias.
Feito a 1 de Outubro pelo nº 31 da turma C (3º ano) do liceu Salazar em Lourenço Marques, ou pelo nº 11 do 5º ano do Colégio Liceu Vasco da Gama em Nampula.
No exílio: no Porto.
E em memória do Mussa, do Ali, do Ibrahim modestos empregados de mesa da Pousada Moura. Que os espíritos dos antepassados e a vontade de Allah lhes protejam os filhos, netos e bisnetos se os há, se a guerra os poupou.
E kanimambo a José e a Delfim no pressuposto de que me espicaçaram afirmando como quem pergunta:
Kudya Kumanya.( ou seja: perguntar é saber, provérbio maconde)
Remeto os leitores para esse texto e respectivos comentários e, dando de barato que tiveram paciência para nos lerem, venho agora aflorar duas questões que se prendem com
1 a permanente queixa de que os valores estão em crise
2 a presença portuguesa em África (mormente em Moçambique) e a sua bondade face ao que hoje por lá se vê e ocorre ou ocorreu.
(A latere as bondades do Estado Novo e a honradez dos políticos e demais servidores públicos)
Ora então comecemos pela primeira, que é, sem sombra de dúvidas uma vexata quaestio (José dixit): Desde o antiquíssimo “O tempora o mores”, com plácida regularidade, um par de criaturas qual vozes clamando no deserto, avisam os contemporâneos que a seguirem o caminho que seguem se perderão na mais negra das desgraças. Nem a Bíblia escapou a essa cruel ameaça: os costumes destruíram Sodoma e Gomorra, salvando apenas Lot e as filhas que enfim, quanto a costumes, foi o que se sabe; o rei Baltasar viu escrito nas paredes do palácio, onde regiamente se emborrachava entre mulheres e áulicos, as palavras tremendas “mane, tekel, farés” (contado pesado e dividido) aviso definitivo que já lhe estava passado o bilhete de ida para o inferno.
Fortalecidos com estes exemplos multiplicaram-se os censores e as Cassandras. De comum apenas têm isto: os tempos novos estão mergulhados na devassidão e na ignomínia, antigamente é que a honradez era virtude. Claro que isto aflora em diferentes versões, qualidades e circunstancias mas, contado, pesado e dividido, cai tudo no mesmo prato: les temps como dizia Leo Ferré, sont difficiles.
Serão? Claro que são. Mas não porque dantes era tudo bom, era a idade de ouro e as virtudes cívicas e morais fossem respeitadas. Porque não eram. O que se passa é que a história é tão só a nata, o que fluctuat nec mergitur, e isso significa que se dá conta da raridade da exemplaridade e pouco do dia a dia. É por isso que os romanos são sempre austeros e virtuosos (pesem embora os Neros e os Calígulas), os gregos sempre cultos, os trovadores da Provença sempre galantes etc., etc.
Revertendo para o nosso “Estado Novo” (1926-1974) teríamos que os próceres do regime, eram gente culta, séria, honrada, modesta e sei lá o que mais, em contraposição com a funesta paisagem político-partidária de hoje. Ora bem:
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, caros amigos: as elites do Estado Novo eram fraquinhas. E eram-no porque viviam à sombra de um dirigente autoritário que não lhes dava grandes possibilidades de voar com asas próprias. Não deixa de ser sintomático que durante quase cinquenta anos o regime não produzisse, entre os seus fieis, uma escritor, um artista, um autor que fizesse sombra aos da Oposição. E mesmo entre os intelectuais de outros meios, tirante o Direito, aquilo foi o deserto quer na História, na Critica Literária ou nas Ciências Puras e Aplicadas. A Oposição politica portuguesa ganhou as suas esporas justamente nesse terreno. Convenhamos que Marcelo, Salazar e mais dois ou três eram modestos e morreram pobres. Que Franco Nogueira até era amigo de alguns pintores comunistas. E basta. Leiam-se os jornais ideológicos do regime: A Voz, A manhã e similares. Leiam-se as escassas tentativas de revistas de cultura (por todas "Tempo Presente" que não passou do nº 20) É o deserto ou nem isso... Façamos uma peregrinação pelo Século ou pelo Diário de Notícias: cinzento escuro, escuríssimo. E porquê? Porque ainda nos anos trinta o regime autoritário (não estou a dizer fascista, reparem) cortou cerce as veleidades da sua direita mais radical, Rolão Preto e companhia; aquietou (manietou) Marcello e Nogueira; pôs ponto final aos atrevimentos do António Ferro. E por aí fora. O Estado Novo foi um pântano da inteligência, pobre e remendado.
Passemos ao piedoso retrato de Moçambique dado por Delfim Mendes. Ó caríssimo então V. acha que um par de aeroportos, uma refinaria, jardins, casas de “sonho” e mais um par de coisas mostram um país? Tudo o que V. diz é verdade e até peca por escasso. Claro que as cidades eram lindas! Claro que a ilha de Moçambique estava bem tratada. Claro que Lourenço Marques era belíssima. Ainda hoje, o Expresso traz um retrato do Pancho Miranda Guedes, amigo da minha família e notável arquitecto de Lourenço Marques. Mas tudo isso não consegue esconder a sordidez da cidade do caniço, nem os restantes 99% do território... Compare Moçambique com as antigas Rodésias ou o Tanganika ou a África Sul. Aí veria V. a quanta distância se estava.
Aliás a guerra foi um chicote fortíssimo para o desenvolvimento de Angola e de Moçambique: mais estradas, mais aeroportos, construção acelerada para os milhares de recém chegados militares (Nampula duplicou de população e de construções. Pudera! Era o quartel-general! ) A vida lá, graças aos ordenados maiores, graças ao preço ínfimo do trabalho (nós “só” tínhamos três criados: manias de modéstia do meu pai, médico naqueles cafundós que achava que para lavar as mãos não precisava de ajudante...) era óptima para quem lá ia no espaço duma comissão militar. Com sorte nem saía da cidade para o mato. Faça esta experiencia meu caro: pergunte se aprenderam cinquenta palavras de macua (norte) ou de ronga (LM). Só cinquenta... Ou estoutra: o que é que distingue um tschona dum maconde para ser fácil...
A grande tragédia portuguesa, nossa, foi esta: não quisemos, não pudemos e não soubemos desenvolver as colónias, criar elites locais, conter a boçalidade de boa parte dos nossos emigrantes e muito menos controlar a economia colonial. É por isso que os caminhos de ferro da Beira eram “Beira Railways” e o principal produtor agrícola da região a “Sena Sugar Estates”.
Neste género de discussões, a vontade é sempre a mesma: que pena V. não poder ver, com os seus próprios olhos, isto que lhe descrevo. Mas não pode: tem 49 anos! Teria 18 quando aquilo foi por água abaixo. Mas console-se: não tem esta imensa saudade, dos pôr do sol frente à Inhaca ( o sol punha-se do lado da terra, claro) dos camarões grelhados, do cheiro da terra depois da chuva, do som das marimbas, das flores, das praias coralinas do norte, da Ilha, barco de pedra naufragado, testemunho dos nossos maiores, seus e meus, caríssimo, Seus e meus..., dos palácios em ruína entre coqueiros na baía do Mossuril. Saudades, permita-me dos meus “criados”, do mainato, do “senhor Tesoura” cozinheiro de mão cheia que desobecia às ordens de minha mãe e só fazia a comida que os “minino gosta”, do Mário, o nosso “moleque” bêbado inveterado que fumava maconha e dizia que era nosso irmão. E era, Delfim, e era...
A guerra civil destruiu tudo isto. As guerras civis são terríveis e por isso Moçambique está como está. O PIB vai andar pelas ruas da amargura mais vinte ou trinta anos. A doença, a miséria e o desespero hão-de pedir meças à corrupção, ao banditismo e á canalhice dos cavalheiros de Maputo. E se é verdade que dessa guerra não nos cabem responsabilidades também não deixa de ser certo que elas tiveram muito a ver com a geo-estratégia das grandes potencias mundiais (Inglaterra, URSS e Estados Unidos) e da potencia regional, a África do Sul. Mas isso são outras histórias.
Feito a 1 de Outubro pelo nº 31 da turma C (3º ano) do liceu Salazar em Lourenço Marques, ou pelo nº 11 do 5º ano do Colégio Liceu Vasco da Gama em Nampula.
No exílio: no Porto.
E em memória do Mussa, do Ali, do Ibrahim modestos empregados de mesa da Pousada Moura. Que os espíritos dos antepassados e a vontade de Allah lhes protejam os filhos, netos e bisnetos se os há, se a guerra os poupou.
E kanimambo a José e a Delfim no pressuposto de que me espicaçaram afirmando como quem pergunta:
Kudya Kumanya.( ou seja: perguntar é saber, provérbio maconde)
6 comentários:
Meu caro M.C.R.:
A sua tese, em suma, redunda numa inabalável fé no progresso cultural do nosso país!
V. acha que estamos melhor no campo dos valores em uso corrente do que há 35 anos atrás?
Parece que sim.
Atenhamo-nos então, para esforço de análise, neste caso necessariamente perfunctória, a um simples factor: o serviço público entendido como uma noção que terá como paradigma o reputado civil service britânico.
Que acha do nosso serviço público de antanho e o de agora?
Pegue-se neste pequeno exemplo:
O funcionalismo dos tribunais de há 40 anos implicava o início numa carreira de...copista! Sim, copiar documentos e fazer actas e lavrar actos oficiais em papel timbrado.
Se tiver ocasião, nos tribunais que ainda guardam alguns desses processos- por exemplo inventários orfanológicos ou de outra natureza- folheie e mire com atenção a...escrita! A caligrafia. O rigor formal dos termos e a disciplina ddos volumes cosidos à linha e sovela, mas repletos de dignidade formal!
Dir-se-á: outros tempos em que por mês entravam tantos processos como hoje entram numa tarde- e só num juizo! E é verdade!
Mas também é verdade que se perdeu toda essa qualidade de forma e também de fundo que tal se exigia para acompanhar e era esperado por todos os que lidavam com os processos.
E porque é que se perdeu?!
Pela massificação? Sem dúvida! Mas então pode sempre perguntar-se: e a massificação tem necessariamente que conduzir a uma inevitável mediocratização a todos os níveis?!
Repare-se que hoje em dia, não há copistas; não há calígrafos; não ha sequer estenógrafos!
E deveria?! Não sei- mas sei que nos USA sempre os houve e as máquinas existentes ainda os não subsituiram...
Há pequenos pormenores da nossa viad prática que não são meramente simbólicos, mas autênticos marcos divisórios de um modo de viver em sociedade.
Quando se fala no Salazar que vivia, atendo-se ao salário que recebia como governante e distinguindo clara e de modo preciso as funções exercidas da vida particular, de modo a que até nas coisas mais mesquinhas se recusava a aldrabar princípios instuidos, não estamos apenas a falar de pormenores sem importância, mas de autênticas normas de conduta ética que eram seguidas pelos funcionários públicos honrados.
A honra dantes era simples de entender, como hoje também o é:
Não devemos ficar e guardar aquilo que não nos pertence, por direito.
E todos sabem, dantes e agora , o que de facto não nos pertence.
O problema é que há cada vez mais a ideia de que o serviço público abrange regalias de uso em proveito próprio de algo que é comum e público.
Nos casos graves isso chama-se peculato. Noutros casos, mais graves ainda corrupção.
Quando estes actos se generalizam como acontece actualmente e não valerá a pena tergiversar muito sobre isto, chama-se a tal situação uma anomia generalizada.
Doença mortal, a meu ver e que dantes não existia, pura e simplesmente.
Daí, uma das razões da minha discordância do seu optimismo no género homo-lusitanus.
Mas há mais- ficarão para outra ocasião, se assim entender.
Se fui enendido dessa maneira: fé no progresso cultural cá do burgo é porque me exprimi mal. Confiteor Dei!...
Se porventura se entende que eu acho que se está melhor abstractamente no campo dos valores então a minha redação foi digna de medíocre menos. E de palmatoada na mão prevaricadora: quem não sabe não se estabelece!
O que eu disse é que sempre houve, entre nós mas não só, essa saudade de uma mítica idade do ouro que nunca existiu. Que a corrupção andou permanentemente de mãos dadas com a história.
Agora digo, isso sim, que hoje há meios extrordinários de denúncia e de publicidade dessa mesma denúncia.
Claro que o "civil service" britãnico é um modelo. Como o francês. E o alemão. O que não implica que um dirigente máximo da Scotland Yard conspire para abafar a morte de um cidadão inocente mas com dois defeitos: era mulato e emigrante... Se quiser exemplos identicos na Alemanha ou na França é so pedir.
E nós?
Bem, nós por cá todos mal. O serviço público é um escárnio para não dizer um escarro.
Sou Assessor Principal no último escalão, fiz todos os concursos, exerci durante mais de vinte anos chefias que chegaram a ser idênticas à de sub-director geral. Agora estou sentadinho num gabinete e muita sorte tenho se não me tentarem pôr num vão de escada...
A política, ou melhor o "spoil system" (á americana mas com menos pudor) instalou-se definitivamente. Os boys já não olham só para as empresas públicas. Qualquer lugar de chefia lhes dá jeito. Invadiram tudo, inquinaram tudo e são incompetentes em todos os graus. E autoritários. E corruptos. E feios, porcos e maus (hoje estou muito cinematográfico!).
E já nem serve dizer que se massificaram as necessidades e o recurso às administrações. É verdade mas isso não retira pertinência ao facto de ser necessária uma auto-disciplina da Função Pública e uma completa independencia em tudo o que diz respeito a postos e carreiras, do poder político. E concursos a sério, feitos por uma entidade independente para todos os lugares incluindo os de director geral. E proibição absoluta de criar lugares de assessor ªa balda, sem mais em tudo o que é sítio. E de os pagar astronómicamente. E proibir os deputados de exercerem de assessores nas câmaras amigas. E etc., etc...
E não andar por aí a dizer que o funcionalismo tem regalias exorbitantes sem ao menos explicar o seu porquê.
O remédio? Muito simples: substituir todos esses pagamentos extra por ordenado, puro e simples, anual e divisível por doze. Sujeitar tudo a imposto. Obrigar o patrão Estado a fazer as deduções para a segurança social. Pagar o suficiente para que o funcionário não se sinta tentado a ser corrompido passivamente. Usar a lei no seu sentido mais amplo e nobre.
Deixemos de lado a caligrafia, José. Hoje nem canetas quase se usam. Eu uso mas não sou exemplo.
Creia-me todavia que peculato, corrupção e outros mimos existiram sempre. Só que não havia os actuais meios de os publicitar. Porventura aumentaram. Penso que sim. E diminuiu a vergonha, não tenho dúvidas. E os costumes abandalharam-se ou aligeiraram-se, não contesto. Mas isso não torna melhor o passado. Que também foi feito de silencio, impunidade e medo. Muito medo. E de cobardia, muita.
Wntão que fazer? Olhe continuar a tentar fazer o papel de "ET" que, se calhar, ambos fazemos: seremos uns originais mas pagamos o que devemos, não roubamos, tratamos os outros como gostaríamos de ser tratados e morreremos pobres. Vale?
Um abraço
Se fui enendido dessa maneira: fé no progresso cultural cá do burgo é porque me exprimi mal. Confiteor Dei!...
Se porventura se entende que eu acho que se está melhor abstractamente no campo dos valores então a minha redação foi digna de medíocre menos. E de palmatoada na mão prevaricadora: quem não sabe não se estabelece!
O que eu disse é que sempre houve, entre nós mas não só, essa saudade de uma mítica idade do ouro que nunca existiu. Que a corrupção andou permanentemente de mãos dadas com a história.
Agora digo, isso sim, que hoje há meios extrordinários de denúncia e de publicidade dessa mesma denúncia.
Claro que o "civil service" britãnico é um modelo. Como o francês. E o alemão. O que não implica que um dirigente máximo da Scotland Yard conspire para abafar a morte de um cidadão inocente mas com dois defeitos: era mulato e emigrante... Se quiser exemplos identicos na Alemanha ou na França é so pedir.
E nós?
Bem, nós por cá todos mal. O serviço público é um escárnio para não dizer um escarro.
Sou Assessor Principal no último escalão, fiz todos os concursos, exerci durante mais de vinte anos chefias que chegaram a ser idênticas à de sub-director geral. Agora estou sentadinho num gabinete e muita sorte tenho se não me tentarem pôr num vão de escada...
A política, ou melhor o "spoil system" (á americana mas com menos pudor) instalou-se definitivamente. Os boys já não olham só para as empresas públicas. Qualquer lugar de chefia lhes dá jeito. Invadiram tudo, inquinaram tudo e são incompetentes em todos os graus. E autoritários. E corruptos. E feios, porcos e maus (hoje estou muito cinematográfico!).
E já nem serve dizer que se massificaram as necessidades e o recurso às administrações. É verdade mas isso não retira pertinência ao facto de ser necessária uma auto-disciplina da Função Pública e uma completa independencia em tudo o que diz respeito a postos e carreiras, do poder político. E concursos a sério, feitos por uma entidade independente para todos os lugares incluindo os de director geral. E proibição absoluta de criar lugares de assessor ªa balda, sem mais em tudo o que é sítio. E de os pagar astronómicamente. E proibir os deputados de exercerem de assessores nas câmaras amigas. E etc., etc...
E não andar por aí a dizer que o funcionalismo tem regalias exorbitantes sem ao menos explicar o seu porquê.
O remédio? Muito simples: substituir todos esses pagamentos extra por ordenado, puro e simples, anual e divisível por doze. Sujeitar tudo a imposto. Obrigar o patrão Estado a fazer as deduções para a segurança social. Pagar o suficiente para que o funcionário não se sinta tentado a ser corrompido passivamente. Usar a lei no seu sentido mais amplo e nobre.
Deixemos de lado a caligrafia, José. Hoje nem canetas quase se usam. Eu uso mas não sou exemplo.
Creia-me todavia que peculato, corrupção e outros mimos existiram sempre. Só que não havia os actuais meios de os publicitar. Porventura aumentaram. Penso que sim. E diminuiu a vergonha, não tenho dúvidas. E os costumes abandalharam-se ou aligeiraram-se, não contesto. Mas isso não torna melhor o passado. Que também foi feito de silencio, impunidade e medo. Muito medo. E de cobardia, muita.
Wntão que fazer? Olhe continuar a tentar fazer o papel de "ET" que, se calhar, ambos fazemos: seremos uns originais mas pagamos o que devemos, não roubamos, tratamos os outros como gostaríamos de ser tratados e morreremos pobres. Vale?
Um abraço
Pois, meu caro M.C.R.:
Continuando a saga da aventura da descoberta dos valores perdidos, deveremos então recentrar a discussão num ponto de consenso:
sempre houve corrupçãe e desmandos vários e hoje até será possível desmontá-la mais facilmente, perante os instrumentos legais e institucionais existentes.
Mas então, pergunto eu: porque não se faz exactamente isso?!
Parece-me ser também consensual que não se faz.
O meu ponto de vista, nesta matéria, ainda não se alterou: não se faz porque o "público", para utilizar uma expressão pitoresca deste ministro da justiça..."anomiou". Melhor dizendo, anda "anomiado" por vários factores.
É à cata desses factores que ando sempre, de faro em riste por tudo quanto é escrito e palpite sério sobre o assunto e ainda de pensamento em carteira que é pobre mas honradinho.
Por isso, retiro mais uma moedinha para o peditório, sem desprimor para o seu pecúlio armazenado e que é de fazer inveja- a quem a tem.
A minha moedinha de hoje, tem numa face a imagem da organização antiga, na função pública.
Diga lá o meu amigo, à vista dessa imagem, que lhe parece?
Que será uma imagem puída e gasta pela corrupção das designações político-partidárias sem critério a não ser o amiguismo e o nepotismo mais chão, como hoje reconhece ser a actual; ou pelo contrário, será de boa qualidade e polida com o critério também dos conhecimentos, mas desbastada das esquinas vivas e cortantes da incompetência genmeralizada?
Os antigos responsáveis por serviços públicos, parece-me a mim que ainda vivi um pouco desses tempos, podiam ser apaniguados do regime, porque o tinham de ser e até assinavam declaração quase nesse sentido. Podiam ser medíocres pessoalmente porque há disso em todo o lado e em todas as épocas.
Mas, dum modo geral, terão alguma comparação com o que se passa hoje, nos domínios da (ir)responsabildiade, da hierarquia, do brio, da disciplina?!
TOmemos outro exemplo:
o ensino primário. Há alguma comparação entre o que se passa hoje no nível de exigência pedagógica e de matérias leccionadas e o que ocorria antes?!
Já reparou que até este pobre governo chegou à conclusão, depois destas décadas todas, que os professores ( diria mais professoras que são a esmagadora maioria), primários não sabem ensonar matemática, porque não sabem matemática?!!
É só um exemplo, mas estes exemplos são arrasadores, parece-me bem.
E já está, o meu óbulo de hoje.
Cumprimentos.
Isso.
Não obstante não concordar com a orientação seguida, tenho de deixar aqui expresso o meu muito agrado pelo texto de MCR, que prima pela qualidade literária. É um prazer lê-lo, bem como ao José, do qual compartilho as angústias.
DLMendes.
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