03 outubro 2005

A reforma do CEJ

A parede de silêncio que actualmente se vive em torno do CEJ é muito interessante e significativa.

Interessante
porque depois do alarido inicial em torno da nomeação (legal) de um não magistrado para director daquela instituição, com demissões e tudo, seria de esperar um escrutínio atento em relação ao trabalho desenvolvido pela actual direcção.
Nada disso, meteu-se a viola no saco e foi-se cantar para outra freguesia… a comunidade, em geral, sobre o tema, ou percebe pouco ou faz de conta ou continua cantando e rindo…
Significativa pelo adormecimento que as questões da formação provocam e pelo alheamento (não formal mas real) que os mais altos responsáveis da justiça lhe votam.
Entretanto fez-se propalar que a instituição tinha sido reformada.
Sobre tal tema duas ou três breves notas.
Vejamos em que consiste a dita reforma (tudo proveniente do site do CEJ) e as suas óbvias limitações:

Aumento da carga horária dos auditores de justiça, passando a ter aulas de manhã e de tarde, com vista à introdução de mais disciplinas, a saber, expressão e voz, uma língua estrangeira obrigatória, ética e deontologia, direitos fundamentais e um tal de projecto.
Vamos por partes.
. O aumento da carga horária, já de si, seria mais do que errado.
Na verdade, se algo sempre fez a unanimidade de auditores e docentes foi a comprovação que os primeiros não tinham muitas vezes tempo para preparar adequadamente as sessões e as exercitações propostas. Ora, com sessões a acabar às 17 horas ninguém percebe sequer como se preparam para as sessões para o dia seguinte…
O aumento da carga horária representa também uma mais valia formativa muito questionável.
.Vinte cinco horas de uma disciplina de expressão e voz: a ideia de formar Pavarottis não é desagradável mas, digo eu, com umas três horas do tema despachava-se o assunto.
. Línguas estrangeiras obrigatórias: ninguém tem dúvidas da sua importância, mas a supressão de lacunas escolares em grupos com níveis muito diferenciados, às cinco da tarde, depois de n horas de matérias técnicas, parece não ser uma boa opção e incentivo ao aperfeiçoamento das línguas estrangeiras…
. Ética e deontologia: esta disciplina, podendo potenciar perigosas visões de unicidade vivencial da magistratura, devia estar imediatamente associada ao rigoroso controle social do currículo específico dos seus ministradores, assim como da mensagem interna veiculada, através da publicação imediata dos seus textos originais sobre a matéria. A este respeito, nada…
. Direitos fundamentais: numa tardia reacção às vozes da praça pública, que gosta de confundir a nuvem com Juno, foi também introduzida esta disciplina. Para além do seu óbvio carácter transversal é curioso notar como a sua introdução representa, para além do mais, a confissão que o CEJ faz sobre a sua própria selecção: se esta disciplina é necessária a sua selecção foi necessariamente mal feita.
. Projecto: como ninguém sabe o que se projecta, é difícil fazer uma apreciação mas, pela sua colocação às sextas à tarde, calculo que se projecte um bom e merecido fim de semana…

Em suma: um conhecido crítico do CEJ costumava dizer que os auditores formavam-se lá a saber muito de direito e pouco da Vida, agora vão saber muito sabe-se lá do quê e nada da Vida…
No meio disto tudo, podemos considerar que a nomeação de uma não magistrada para Directora do CEJ teve uma grande vantagem: sentir na pele os inconvenientes dessa solução e tentar impedir, a todo o custo, que seja repetida na nomeação do futuro Procurador-Geral da República.
Apesar de tudo, ter andado pelos tribunais, ter despachado uns processos, ter uma boa carreira de magistrado, pode não ser decisivo, mas pode ajudar muito…

Casamayor

6 comentários:

Kamikaze (L.P.) disse...

Eis o 2º postal do nóvel colaborador Casamayor (para aceder ao 1º, intitulado "CEJ: Direcção-Geral ou Centro de Formação de Magistrados" clicar no nick no fim do postal ou aqui).

Fui das poucas pessoas ligadas à magistratura (agora cada vez menos, cada vez menos...) que se recusou a fazer parte do coro de indignados com a nomeação da Professora Anabela Miranda Rodrigues para Directora do CEJ, como expressamente referi, em diversos posts e comentários, no Incursões, designadamente aqui.
Dei mesmo destaque, também no Incursões, a alguns discursos e entrevistas de Anabela Rodrigues onde, muito embora não perpassassem quaisquer ideias novas, era dada uma tónica e um ênfase, que me pareciam promissores, a algumas ideias mestras para uma mudança no paradigma e, sobretudo, nas práticas, da formação de magistrados. Ideias essas que, aliás, diga-se em abono da verdade que muitos teimam em ignorar, já vinham tendo expressão, ainda que não assumida como estruturante pela instituição, em diversos propostas apresentadas internamente e em diversos projectos levados a cabo no CEJ e, em coordenação com este, nos tribunais.
Na verdade, as principais linhas de clivagem na concepção da formação e na praxis formativa do CEJ situavam-se, sobretudo, no momento da definição - ou, mais exactamente, no momento da não definição - das linhas mestras da concretização dos grandes princípios - a letra de imprensa pode sempre esquecer-se ou interpretar-se ao bel prazer de cada um, quando verdadeiramente não há uma direcção!
(cfr., no Índice Temático do Incursões, o item Formação nas Profissões Jurídicas).

Sinto-me, por isso, especialmente à vontade para manifestar a minha profunda decepção com esta "reforma"que me parece uma montanha a parir um rato.
No que respeita ao paradigma, nada se acrescenta/muda ao que já constava dos textos legais e às directivas internas, designadamente nos Planos de Actividade Anuais. No que respeita à definição de linhas mestras concretizadoras dos grandes princípios, eis bem resumidas, no post acima, algumas das pífias "novidades".
Para além de bizarrias como, por exemplo, a criação de uma disciplina de "expressão e voz, com uma carga horária de 25 horas (e não terem sido 50 horas, como propôs e pretendia a Directora...) - quando tanto haveria a aprender em matéria de comunicação ("interna" e "externa") - preocupa-me, acima de tudo, a evidência de que tinham razão os que temiam que, com a nomeação da professora universitária Anabela Rodrigues, o CEJ se afastasse, ainda mais, de uma concepção de formação profissionalizante dos magistrados e vincasse a tendência para se transformar em mais um "instituto universitário".
Anabela Rodrigues e o seu ex-marido e assessor-mor, o Director do Departamento de Estudos Jurídico Sociais (???) estão, aliás, a levar tão longe e paulatinamente a sua reforma que, nos gabinetes dos docentes, as tradicionais placas identificativas com os respectivos nomes foram já substituídas por outras onde se destacam os graus académicos dos que os possuem... assim, ficamos a saber que, num mesmo gabinete, trabalham o Dr. Fulano.......... e... o Mestre Sicrano (por acaso ambos magistrados,mas isso não interessa nada, pois não?)

Preocupa-me, também, o SILÊNCIO! Que ele se faça sentir, envergonhadamente cúmplice, no interior do próprio CEJ, enfim, ainda dá para compreender. Ao silêncio dos Conselhos Superiores já estamos habituados - o CSM prefere as "manobras de bastidores" e no Palácio Palmela na maior parte do tempo nem se lembram que o CEJ existe...
Mas o silêncio das associações sindicais, em especial a Associação Sindical dos Juízes que, na altura da nomeação de Anabela Rodrigues, "quase" patrocinou um boicote ao funcionamento do CEJ (apoiando a demissão de formadores), já se compreende menos bem, para mais num momento em que contestam tantos aspectos do actual sistema de justiça e medidas governamentais.
E que dizer de todos quantos (e foram muitos!)bramaram contra a formação ministrada no CEJ, "quase" a apodando de fautora de todos os males da justiça, em especial após o surgimento do Caso Casa Pia, e se mantêm agora neste enigmático silêncio?

Será que na nossa sociedade pensante e interveniente nada se aborda e aaalisa para além dos sound bytes do momento?

L.P. disse...

Perpicaz mata-borrão:
se Stª significar "setôra" até está mais do que adequado o tratamento...

assertivo disse...

Os Conselhos Superiores têm assento no Conselho de Gestão do CEJ... para assentarem a sua assinatura de cruz nas propostas da direcção. Há muito que assim é e se o CSM ainda vai tentando contornar a situação com iniciativas próprias, mais que discutíveis, mas indiciadoras de um pensamento sobre formação, lá para as bandas do Largo do Rato é de facto o deixa andar total, o que mostra bem a visão que por aquelas bandas se tem da importância da formação de magistrados....

assertivo disse...

Realmente não há dúvida que em todas as faculdades de direito continua a existir a cadeira de direito constitucional... pelo que parece legítimo perguntar se não seria mais adequado a uma escola de formação reforçar essa vertente (caso se entendesse que tal era necessário, como muitos entenderam, pelo menos durante "os tempos de brasa" do Caso Pio), numa abordagem transversal às várias disciplinas (penal, civil, família e menores e laboral)- ou seja, reforçar a sua abordagem judiciária e não mais ou menos teórica, como parece ser o caso!

O meu olhar disse...

Percebo bem que, quem tem esperança de melhor, dê o benefício da dúvida e tenha expectativas relativamente a quem inicia funções, sobretudo se o discurso produzido vá no sentido de as criar. Percebo também muito bem o que se sente quando o capital de confiança se esgota e no seu lugar fica um vazio.
Trabalho na área da formação há já muitos anos e posso dizer que essa é uma história desgraçadamente corrente.
Não conheço o que se passa no CEF, mas pela leitura do pots e dos respectivos comentários gostaria de acrescentar o seguinte:
Não defendo que à frente de um Centro de Formação de uma área específica tenha que estar, forçosamente, alguém dessa área. Do meu ponto de vista, tem que estar alguém que perceba da gestão da formação e que tenha uma equipa que perceba da área específica. Do que li, não acontece nem uma coisa nem outra. E isso é lamentável. A formação é fundamental para o desenvolvimento deste país. Mas só terá esse papel se for concebida e realizada com o envolvimento dos destinatários e atendendo realmente ás necessidades específicas do sector em que intervém. Depois de concretizada, é também essencial fazer a avaliação do seu impacto, para validar ou então para que se corrija o que houver a corrigir.
Parece-me a mim, que para haver formação de qualidade é também necessário que o mercado seja exigente. Assim, reforço os comentários anteriores no sentido da contestação por dentro. Se podem exigir qualidade, porque não o fazem? E quando falo de qualidade falo de formação bem direccionada ás necessidades, bem ministrada e bem avaliada.

O meu olhar disse...

No meu comentário anterior, onde está CEF leia-se CEJ.