06 outubro 2005

RESPOSTAS AO DISCURSO… PRECISAM-SE

Estou admirada por ainda ninguém ter aqui opinado sobre o discurso do nosso Presidente da República. Ainda por cima quando se ocupou de necessidade de se promover uma urgente e inadiável reforma do sistema judicial, de se rever certas leis e de defender (porque só agora, em fim de mandato?) a inversão do ónus da prova no combate ao enriquecimento ilegítimo.

É provável que o Senhor Presidente tenha sido muito claro para quem trabalha na área da aplicação das leis. Por mim, tive alguma dificuldade em perceber o alcance das medidas que sugeriu. Tenho ainda maior dificuldade em saber quem vai agarrar essas ideias e fazer aprovar as leis que o Presidente pretende ver alteradas.

Interessante, também, a merecer profunda reflexão por todos nós, é a conclusão a que o Senhor Presidente chegou acerca dos partidos políticos. Disse: “os partidos políticos estão hoje separados da opinião pública por uma muralha, à qual todos os dias são acrescentados tijolos”. Isso parece-me natural num país em que a construção civil domina, o que se pode estranhar é que um muro tão grande só agora venha à luz do dia.

De qualquer modo, esperemos que haja muitos contributos para dar resposta às preocupações que o Senhor Presidente anunciou e que muitos há muito sentem, dizem e reclamam. Partamos para a acção

6 comentários:

M.C.R. disse...

Vou tentar arranjar tempo para o comentário que o texto (excelente!!!) merece. Não posso, entretanto deixar de o aplaudir.

C.M. disse...

Em casa, após o jantar, lembrei-me de dar uma vista de olhos a este “blog” que em boa hora descobri, tão interessante ele é.

E dei de caras com o “post” “Respostas ao Discurso…Precisam-se”.
Não sei se vou ser muito claro. O tempo escasseia e tenho uns processos aqui a olhar para mim com ar de urgência…

Confesso, com o desprezo que tenho pela República, ainda não consegui ler na íntegra o discurso de Jorge Sampaio (também não o ouvi, pois preferi, em casa, adiantar trabalho neste 5 de Outubro (ainda se diz que na Administração Pública não se trabalha…mas isso são outros contos…).
Mas já li na diagonal os principais parágrafos e ideias-força.

Referindo-me só à celeuma levantada pela “incursão (mal sucedida) de Jorge Sampaio na área fiscal, este defendeu, pasme-se! a tese da inversão do ónus da prova nas investigações a eventuais práticas de crimes económicos!

Ora não há crimes de 1ª ou de 2ª categoria: Jorge Sampaio não pode “mexer” na “culpa”…parece-me que, coitado, ele está como esta República: caquético, esclerosado.

Em matéria criminal, existe um princípio constitucional que é o da presunção de inocência até decisão judicial com trânsito em julgado. A culpa não se presume, portanto.

É hilariante que o nosso (salvo seja) Presidente defenda o contrário do estatuído no artº 32º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e vá contra um “muro” deveras sólido, construído pela nossa mais insigne classe de juristas, como Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora 1981, fls. 211 e ss.; José António Barreiros, in Estudos sobre a Constituição, III" fls. 103 e ss.; Eduardo Correia, Revista de Direitos e Estudos Sociais, 14, 1967, fls. 16 e ss.; Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, II voI. págs. 305 e ss. e Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal( 1967-1968) fls. 59 e ss.

Atente-se que já no “Estado Novo” se apontava o principio da presunção da inocência do arguido até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, como um princípio a reter, o qual, aliás, encontra as suas raízes no velho brocado “in dubio pro reo.”

Vem agora um Presidente “republicano” (passe o pleonasmo) e laico pretender desfazer um princípio que está inscrito no artº 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948!

Na investigação de um crime, cabe ao Ministério Público (MP), titular da acção penal, provar a prática do crime, cabe-lhe o ónus desta prova.
Noutras matérias, como relativamente à perda dos objectos do crime, existe já legislação onde se presume que esses objectos são provenientes da actividade ilícita. Mas aqui é que o ónus da prova recai sobre o arguido proprietário dos bens.

Em matéria fiscal existem, na Lei Geral tributária (LGT), normas que permitem a tributação de rendimentos não declarados quando se verificam situações de sinais exteriores de riqueza e de manifestação de fortuna, cabendo ao contribuinte provar o contrário, isto é, cabe aqui o ónus da prova de que os bens não provêm de rendimentos tributáveis.

Assim se vê que a afirmação de Jorge Sampaio é descabida, contrária à Lei e aos mais elementares princípios de Direito.

Jorge Sampaio quer negar ao processo penal que este cumpra o objectivo de assegurar aos súbditos, perdão, cidadãos, desta “maravilhosa” República as garantias necessárias para os proteger contra os abusos que possam cometer-se no exercício do poder punitivo do Estado.

No Alentejo, seria caso para, numa tasquinha, ao fim da tarde, saboreando um vinho “fresquinho” se dizer: isto é que vai aqui uma açorda!...

Com um abraço,
Delfim Lourenço Mendes

Em tempo: espero ver em breve a “crónica” de MCR, o qual já me habituei a ler com muito prazer…

Kamikaze (L.P.) disse...

Minha querida G.- O meu olhar:
Ainda bem que os comentários ao discurso do PR tardaram:
1º- porque se assim não tivesse sido provavelmente não teríamos tido o prazer de ser agraciados com a lufada de ar fresco que são sempre os seus posts...:)
2º - porque, ao contrário do que a G. presumiu, o que se passou foi que nenhum jurista (que, ao menos nas coisas do direito e das leis, costumam ser rigorosos na explicitação dos conceitos)entendeu nada das sugestões (propostas?) do PR, no que à hoje tão falada inversão do ónus da prova respeita!
Pior: depois de ter ouvido o esclarecimento dado pelo PR ao seu próprio discurso (melhor seria não ter havido nexexidade...) fiquei convencida que ele próprio não tem a mínima noção do que propôs! As pessoas mais avisadas pensaram que o PR andava um pouco distraído ou mal assesorado, propondo a criação de legislação que já existe há algum tempo; mas era pior!O PR veio hoje, por meio de "interpretação autêntica", esclarecer que o que sugere é nada mais nada menos que a criação de um novo tipo legal de crime, a saber, o "crime de enriquecimento ilegítimo", no qual, pró não chega, se presumiria o arguido desde logo culpado, competindo-lhe a ele a prova do contrário!!!
Uma tamanha aberração jurídica confesso que ainda não tive tempo de digerir! Resta-me a expectativa de que o presidente venha ainda a fazer um esclarecimento ao esclarecimento pois, para hoje, já bastavam as assustadoras declarações da omnisciente Maria José Morgado ao Correio da Manhã - é que agora já não é só a total autonomia técnica e funcional das polícias em relação ao MP que defende, é já a direcção pelas mesmas da investigação criminal...
Desculpe G., mas se continuo a pensar nisto hoje vou ter pesadelos. Até mais.

blábláblá disse...

Lido no Mar Salgado (negritos meus):
"
PARA ACABAR DE VEZ COM O DÉFICE?: Ainda não consegui ler, inteiro, o discurso do PR, mas, pelo que vi nos jornais, confesso que estou algo confuso.
Desde logo, não percebi em que contexto é utilizada a expressão "inversão do ónus da prova".
Não deve referir-se ao estabelecimento da responsabilidade criminal do arguido, porque o processo penal português não é um processo de "partes" e por isso ninguém tem o "ónus" de provar coisa alguma. E também não é crível que se pretenda substituir a presunção de inocência por uma presunção de culpa nos processos relativos a certos crimes, que seria evidentemente inconstitucional e intolerável num Estado de direito.
Por outro lado, se o PR se refere à necessidade de estabelecer uma presunção de origem ilícita dos bens que se encontram na titularidade dos condenados por certos crimes, e em relação aos quais não existe um título legítimo - o chamado "confisco alargado" -, cabe lembrar que esse é precisamente o conteúdo da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro. Quer dizer: já temos.
De maneira que a tal "inversão do ónus da prova" só pode querer significar a criação de um procedimento especial in rem, que permita confiscar sumariamente património de origem suspeita, sem necessidade de uma decisão que ligue tal património ao cometimento de um crime. Algo de semelhante ao que existia nos Estados Unidos até 2000, e que já foi abandonado (ver, sinteticamente, este texto).
Num país onde a fuga ao fisco é generalizada e onde, por isso, nem sempre existem títulos que demonstrem a origem (realmente) lícita dos bens, pode ser uma boa solução para acabar com o défice.

Act.: Para outras dimensões do problema, ver os posts de PMF e João Miranda no Blasfémias.

posted by PC on 6:49 AM

blábláblá disse...

"inversão do ónus da prova
uma proposta fascista, inquisitorial, totalitária e absolutamente perversa"

Primo de Amarante disse...

Se eu percebi o post referenciado, a "inversão do ónus da prova (é) uma proposta fascista, inquisitorial, totalitária e absolutamente perversa" porque não se baseia no princípio da "autoridade limpa" Ou seja, os que quisrem formular uma tal teoria deverão (para ter autoridade) ter apresentado "todos voluntariamente relações detalhadas não dos seus proveitos, públicos, mas do historial destes, dos rendimentos. De que está à espera Dr. Sampaio? Quanto ganhava antes, e depois da política ? Qual o seu quinhão dos lucros da Sociedade de Advogados, de que faz parte com Vera Jardim e Castro Caldas, antes e depois ? Acha perversas as questões, mal intencionadas ? Pois são, mas agora quem tem de o provar é você..."

Apoiando-se em tal argumento (da autoridade limpa) só quem estiver acima da natureza humana poderá teorizar sobre o combate à corrupção, pois comentendo eventualmente erros fica sem autoridade para os corrigir. Ou seja, erros justificam outros erros. Sendo assim,só os anjos deveriam julgar, só os querubins deveriam governar, etc., etc., E como não se consegue quem tenha uma tal autoridade, tudo deve ficar como está, porque ninguém pode "atirar a primeira pedra".

Por certo, não faltará quem fique agradecido a uma tal argumentação.

Viva a barbárie!