06 novembro 2005

Aprender com os erros alheios

Ontem não consegui aceder ao Incursões, apesar de conseguir entrar em tudo o que era blog ou site. Hoje quis comentar o post do Carteiro sobre as defesas oficiosas, e não consegui. Agora é este irritante espaço entre o título e o texto, que nenhuma tecla consegue reduzir. Tudo isto deve ser já o choque tecnológico a actuar em força, tal com a Kamikase já o sentiu com os acentos (gráficos, não dos nossos venerandos). Mas, adiante... O meu comentário era, mais ou menos, este:
O problema do Alberto Costa não é, como às vezes se ouve, um problema de inabilidade para explicar as suas ideias. É, muito pelo contrário, um simples caso de utilização da demagogia para fazer passar as suas medidas junto da opinião pública. Tal como no caso das férias judiciais, esta história das defesas oficiosas demonstra-o bem.
É óbvio, para quem anda pelos tribunais, que existem boas e más defesas oficiosas. A situação de defesas com uma só frase existe, e é deplorável, assim como há quem se empenhe a sério na defesa, como o faria com qualquer cliente.
Nas férias era a mesma coisa. Há magistrados que aproveitam as férias judiciais de forma muito útil para a função e outros que as utilizam apenas como período de descanso.
O ministro, contudo, num caso e noutro, não cuidou de fazer a distinção. E não o fez, não por ser estúpido, ou inábil, mas pura e simplesmente porque não lhe convinha. Imagine-se, se a explicação para as medidas tivesse sido esta: "Apesar de haver magistrados que trabalham durante as férias judiciais para despachar processos complicados, que não podem ser devidamente apreciados durante o tempo normal de serviço pelo facto de lhes estar distribuido um número excessivo de processos, e não obsatante isto não ser assim para todos, decidimos reduzir para metade as férias judiciais"; ou, quanto às defesas: "Apesar de haver advogados que se esforçam por fazer sempre a melhor defesa possível, não distinguindo defesa oficiosa de defesa de clientes, não obstante isto não se poder aplicar a todos, e apesar das defesas oficiosas serem mal pagas e com meses ou anos de atraso, decidimos reduzir para metade as verbas destinadas a apoio judiciário".
É claro que uma explicação deste tipo não produziria o efeito desejado junto da turba ululante.
Assim, o ministro preocupou-se apenas em referir as situações negativas, esquecendo as positivas, de modo a ser aplaudido pela opinião pública. Ou seja, não hesitou em agravar uns milhares, para tentar agradar a milhões.
Como táctica, não está mal. Como estratégia, parece-me um desastre, pois conseguiu indispor contra si os profissionais forenses, uns após outros, apesar da eventual bondade das medidas.
Com isto ganhou adversários em cada esquina e, como o futuro se encarregará de demonstrar, terá muito maior dificuldade em levar à prática as reformas de que o sistema de justiça necessita.
Uma última nota, pois é conveniente aprender com os erros alheios. Aquando do episódio das férias judiciais, os sindicatos reagiram da pior forma possível. Levantaram-se em uníssono contra a medida anunciada, sem ter em conta a necessidade de esclarecer a opinião pública do mais óbvio, isto é, da distinção entre férias judiciais e férias dos magistrados. Quando deram pelo erro já era tarde demais, pois a opinião pública já assumira que os "malandros" apenas queriam ter mais tempo de descanso que o comum do mortais. De nada valeu a exigência seguinte, de poderem gozar 22 dias úteis em qualquer período do ano. O próprio efeito da reacção às medidas seguintes (serviços de saúde, congelamento de carreiras), como a greve, veio a ser fortemente limitado por aquele "pecado original", pois na opinião pública continuou a persistir a ideia que tudo não passava de mera reacção à redução das férias.
Espero que a Ordem dos Advogados não caia na mesmo erro e que aproveite o momento para esclarecer algumas coisas: primeiro, que o ministro tem razão em relação a alguns profissionais, mas não tem razão em relação a todos; segundo, que os dinheiros públicos para pagamento do apoio judiciário devem ser geridos de forma criteriosa, e não como até aqui os governos o têm feito, devendo servir para pagar, a tempo e horas, bons serviço e não maus serviços; terceiro, que se impõe a alteração imediata da lei do apoio judiciário, de foma a garantir o cumprimento do direito constitucional de acesso à justiça, revisão que não pode deixar de contar com a participação dos advogados.

2 comentários:

M.C.R. disse...

De completo acordo. O apoio judiciário (e alguma experiencia tive, quando passei episódicamente pela Unidade Jurídica do Centro distrital de Seg.social do Porto) necessita de profundos acertos. Se valer a pena ainda pedirei a uma especialista um parecer para aqui postar.
À margem: ontem também tive dificuldade em acerder ao blog, Demasaido transito?

Kamikaze (L.P.) disse...

Tamb´´em eu subscrevo, caro Nicodemos, o seu l´´ucido post.