16 novembro 2005

Dúvidas

Há dias, li - terá sido aqui? - um desabafo indignado: o Público gastou duas páginas a noticiar o acórdão da Relação de Lisboa que manteve a não pronúncia de Paulo Pedroso no processo da "Casa Pia". Há por aqui pessoas que sabem que tenho - como advogado - uma postura ideológica em relação a alguns crimes e a pedofilia é um deles. Há por aqui quem saiba que tenho as minhas ideias sobre o processo em causa, assentes em intuições e alguma coisas que ouço sobre o assunto, como há também quem saiba que não sou do PS.
Duas páginas sobre o assunto? Nenhum exagero. Paulo Pedroso, que é presumido inocente independentemente de intuições e de rumores, era o nº 2 do PS quando foi preso preventivamente. O processo Casa Pia, foi o mais mediático processo - o mais nojento também - dos últimos anos em Portugal. A investigação do processo da Casa Pia envolveu, ao mais alto nível, os titulares da acção penal em Portugal. E deu no que está a dar.
Duas páginas sobre o assunto? Nenhum exagero. Aliás, o espaço dedicado à notícia, se peca, peca por defeito. É que eu não me dou por satisfeito. Eu - como cidadão - quero saber se alguma coisa falhou e o que falhou.
O acórdão da RL, ao "desmentir" as teses do MP, significa, para alguns, que a Justiça está a funcionar. E que as magistraturas são independentes, como devem ser. Pois é. Talvez seja assim. Mas, e o povo? Perceberá estas coisas?

6 comentários:

josé disse...

Vocês não entendem...pois então leiam se assim entenderem, um pequeno artigo no Público de hoje, em que se cita o advogado José António Barreiros e o que o desembargador relator do acórdão diz sobre...o mesmo acórdão e o caso em si.

É de bradar aos céus! Um escândalo como não vejo outro...

Se lerem e compreenderem,talvez assim se possa entender melhor.

Eu, por mim, acho que já entendi tudo. "Isto" chegou ao fundo. Fundo mesmo.

M.C.R. disse...

Eu também não percebo e li o artigo. Para já, e como de costume, gostaria de saber se as coisas são exactamente assim como o artigo diz.

Voltando, porém á vaca fria, isto é ao início do processo Pedroso, vejamos o que sempre me espantou:
1. Um juiz (do far west entra a galope na assembleia da República
2. Por mero acaso...(claro) está lá uma equipe de televisão...)
3. O meretíssimo diz ao que vem e sai levando Pedroso pela arreata.
4. Consta porém que Pedroso já se tinha oferecido para ir falar com o senhor juiz mas que, dessa sábia esfera ter-lhe-ão dito não se incomode, não precisa vir...
5. O senhor procurador João Guerra (e poupo-me ao detalhe de lembrar os variadíssimos processos em que intervem como parte...) e duas outras senhoras procuradoras fazem uma acusação que mesmo para um ex-jurista desenganado como eu deixa imenso a desejar...
6. Em todas as instancias o senhor Pedroso que nunca confessou fosse o que fosse (e sabemos bem como é que certos interrogatórios são feitos...) ganhou. De nada serviu andar a substituir juízes ...
7. Já agora: então um juiz que é marido de uma autarca ps é suspeito?
8. Senhores magistrados: pensem bem no que isto significa para nós pacatos cidadãos.
Às vezes penso que o que leio é mera imaginação delirante do reporter e não autismo puro e duro de alguns representantes da justiça.
9. Senhores! não sou do PS, neste exacto momento sou alvo de um par de cabronadas perpetradas por gentuça do ps, nem sequer -como sabem - apoio o meu amigo (a quem estou aliás grato) Mário Soares mas sim um outro meu amigo a quem o PS não irá perdoar e que se chama Manuel Alegre. Porém, que diabo, haja pudor! Não gostam de perder nem que seja a feijões?
10. Continuam a achar qque são vítimas de uma monstruosa cabala de pedófilos e políticos que só querem arruinar o bom nome da justiça? 11. 11. Precisam também de quem os ajude a limpar as estrebarias de Áugias? Bem me parece.
12. Senhores: este processo está mais inquinado, envenenado e amaldiçoado do que o das FP25. Por culpa exclusiva das trapalhices, das bocas atiradas cá para fora (e por favor não digam que foram (só) os advogados de defesa porque foi toda a gente.
13. Nós do que precisamos é de gente calma, ponderada, de cabeça fria e sem armar aos cóbois, tá?
14. De vez em quando convém não ser corporativo.
Obrigadinho

M.C.R. disse...

Este "corporativo" não se dirige a ninguém em especial e muito menos ao caríssimo José que me parece ser a imagem mesmo do anti-corporativo, desalinhado e contra a corrente.
Mas que me parece haver em muitos comentários por aqui espalhadosa um toque corporativo, disso não tenho duvidas. Até eu, por ter tantos e tão excelentes amigos nessa classe por ora um pouco de asa murcha, por vezes "corporativizo" por mera simpatia...

josé disse...

Ah! Caro M.C.R. !

Não me preocupo muito com os ápodos que não ganham eco no nosso íntimo pessoal.

Além disso, "corporativo" é expressão digna sempre que referida genericamente a um grupo de pessoas que fazem a mesma coisa.
As corporações na baixa Idade Média,já de entrada na Renascença, tinham uma função nobre: eram quem trabalhava efectivamente nas artes e ofícios.Tinham os seus mestres e os seus aprendizes e uma ética do trabalho e do esforço de aperfeiçoamento pessoal.
A nobreza e o clero, não eram bem corporações...

Por isso, com essa conotação singela e nobre, tenho orgulho em pertencer a uma corporação de ofícios semelhantes- como outras, mesmo informais! Por exemplo, a dos que escrevem em jornais; ou em blogs...
É um grupo relativamente pequeno que se esforça por publicar opinões que servem para o que servem. Geralmente, para nos divertirmos com o que dizemos depois de pensar um pouco.
Se assim não fosse, pensaríamos quase nada e viveríamos a olhar o mundo e a cogitar com os nossos botões e botõezinhos ( pena não haver feminino...)- em casa ou fora dela.

Agora, quem nos acusa de corporativismo, geralmente são aqueles que corporativizam mesmo- em nome do Estado! E desse corporativismo rejeito a receita!
Não quero um Estado que queira dominar as corporações- porque elas surgiram independentes do Estado que não existia como hoje, mas existia como expressão feudal.

E de feudos, estou farto.
Os piores são os do poder de facto; do amiguismo; nepotismo, em suma: da corrupção!
Repare bem em que execra as "corporações":la "racaille", será demasiado forte?!

M.C.R. disse...

Já agora relembro os oficiais também chamados companheiros a aproveito a boleia para dizer que eu mesmo caí no pecado de usar um termo demasiado equívoco. Queria tão só dizer que mesmo nessas belas e fortes corporações que fizeram as cidades e a republica privilégios houve que se transformaram com o tempo em insanáveis vícios,
Feita honorable amende eis um belo poema de Rilke sobre o tema: masteurais somos nós: aprendizes oficiais mestres/ e vamos-te construindo, alta nave central/E por vezes chega a nós um peregrino grave,/ passa como um fulgor pelos nossos cem espíritos/ e ensina-nos, a tremer, novo segredo do ofício,//
subimos aos andaimes oscilantes,/em nossas mãos pende pesado o martelo, / até que uma hora vem beijar-nos nas frontes,/ que, radiosa e como se se tudo soubesse,/ vem de ti como o vento vem do mar.//
Ressoa tudo então do muito martelar,/ e abalo após abalo vai sacudindo os montes./ E só quando escurece é que te abandonamos:/ teus contornos futuros esbocam-se no crepúsculo.
a tradução é obviamente de Paulo Quintela, um grande professor, um resistente e um fabuloso tradutor-introdutor da poesia alemã.

josé disse...

Digno de Alta Loja, caro M.C.R.!

Os intelectuais, dantes, eram poetas do fantástico!