02 novembro 2005

Um caso exemplar

A não perder no Público de hoje “O Caso Eurominas”. De como António Vitorino, Alberto Costa e José Lamego, uma vez saídos do Governo de António Guterres, ressurgiram como advogados, para obter uma choruda indemnização para um cliente, num processo que, pelo menos um deles, tinha apreciado como governante. Antes, a indemnização era indevida e um péssimo negócio para o Estado, depois, passou a ser uma solução óptima, sabe-se agora para quem.
Tamanha reviravolta só se consumou quando a empresa passou a ser representada por advogados, por coincidência ex-governantes, os quais, como é público e notório, mantinham estreitas relações de companheirismo partidário e decerto até de amizade com quem tinha que decidir.
E agora, perguntarão, o que vai suceder? Obviamente nada.
Se calhar o que fizeram não preenche nenhum tipo legal de crime. Sanção disciplinar da Ordem, espera por essa. Averiguações por uma comissão parlamentar de inquérito, deixa-me rir, isso só no estrangeiro.
Moral da história:
1.º) Ficará reconfirmado que os políticos e demais poderosos podem fazer tudo e “até nas barbas” que nada lhes acontece.
2.º) As “pipas de massa” (expressão do insuspeito Cravinho), que desta e de outras formas são drenadas do Erário Público, não contam para o défice orçamental. Contam sim os ordenadões dos segundos escriturários da função pública, que esses sim é que nos levam a todos à ruína.

7 comentários:

josé disse...

"Minh'alma é a borboleta, que espaneja
O pó das asas lúcidas, douradas..."
O poema de Castro Alves, poderia muito bem introduzir a prosa de Fernando Rosas, no Público de 5.10.2005 e aqui reproduzida:

"Eu creio que vale a pena voltar ao assunto, sobretudo do ponto de vista da ética do serviço público. Precisamente a razão pela qual, parece-me, tanta gente passou pelo trabalho de J. A. Cerejo como gato-sobre-brasas-em-tempo-de-eleições.
Sobre o sumo da questão, remeto, obviamente, para a peça referida. Mas é indispensável, muito sinteticamente, regressar aos principais passos do processo a partir de Maio de 1995. Nesse ano o governo de Cavaco Silva constata a paralisia da actividade na fábrica de ligas de manganês da Eurominas desde 1986 (quando lhe fora cortada a energia por falta de pagamento à EDP). E no cumprimento dos precisos termos estabelecidos por lei, em 1973, para a concessão (a preço simbólicos) dos terrenos, no estuário do Sado, onde se instalara a produção, o governo decretou a reversão para o domínio público desses terrenos e a perda a favor do Estado das obras e benfeitorias aí realizadas sem direito a qualquer indemnização. Não teve o executivo de então oportunidade de fazer cumprir a lei porque caiu.
A Eurominas respondeu em duas frentes. Uma, nos tribunais, a partir do Verão de 1995, com o duplo objectivo de obter a suspensão da eficácia do decreto de reversão ( o que perdeu em todas as instâncias) e em seguida a sua anulação ( o que, embora tudo indicasse voltaria a perder, face à forte evidência dos títulos legais que legitimavam a acção do Estado, nunca chegou a ser julgado, devido aos pedidos de suspensão da instância apresentados pelo Governo e pela Eurominas).
Se nos tribunais as coisas estavam complicadas para a Eurominas, que reclamava uma indemnização de 15.6 milhões de contos contra o Estado, já nos corredores do novo Governo do PS e do eng. Guterres, as perspectivas eram mais animadoras. A partir de um memorando apresentado a 6 de Outubro de 1995 no gabinete do Ministro de Estado António Vitorino e com a ajuda de José Lamego, então Secretário de Estado da Cooperação, começa a fazer caminho no seio do Governo, paralelamente às instâncias judiciais, onde o mesmo Governo continua a bater-se pelo cumprimento do decreto de reversão, a ideia de uma solução extrajudicial com uma lógica diametralmente contrária ao legalmente disposto: agora era o Estado a indemnizar a Eurominas pela reversão dos terrenos e respectivos equipamentos para o domínio público!
Quando António Vitorino e José Lamego saíram do governo, o gabinete do Ministro de Estado já negociara o essencial com a Eurominas. E enquanto o Estado ainda argumentava nos tribunais pela aplicação da lei, o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (PCM) que herda o dossier, Vitalino Canas, e mais três outros secretários de Estado, assinam, a 8 de Abril de 1998, com a Eurominas, um protocolo onde o Estado aceita passar de credor a devedor de uma indemnização a negociar com a empresa….
As negociações para fixar o seu montante prolongaram-se de 1998 a 1999, com a novidade de nelas surgir como advogado negociador, agora da parte da Eurominas, o mesmíssimo José Lamego que, como Secretário de Estado, representara este nos anteriores contactos com a empresa! Lamego que se associara a uma firma de advogados, entre outros, com o ex-ministro de Estado, António Vitorino, também ele representante do Estado nesta questão. É de notar que a forte e unânime resistência dos técnicos superiores do Estado à escandalosa proposta de montante indemnizatório avançada pelo juiz presidente do grupo de trabalho criado para o efeito, leva ao impasse. Vitalino Canas dissolve o grupo e o processo ameaça regressar aos tribunais, quando o dossier transita para o gabinete de Narciso Miranda, então Secretário de Estado da Administração Portuária.
O escritório de Lamego e de Vitorino, representante da Eurominas, volta, então, através de carta "confidencial" do irmão de Lamego, sócio da firma de advogados, a "sensibilizar" o gabinete de Narciso. E tão bem o faz que este, pressionando sem rebuço a Administração do Porto de Setúbal e Sesimbra ( que defende o cumprimento da lei pela via judicial) impõe a reabertura das negociações, na realidade só concluídas pelo seu substituto José Junqueiro, em Maio de 2o01, acordando numa indemnização, paga nos anos seguintes, muito idêntica à proposta pelo Juiz em 1999 : 2.384.861 contos ( quase 12 milhões de euros). Cabe referir que o decreto-lei que estabeleceu os termos da concessão à Eurominas e o decreto de reversão nunca foram revogados ou declarados inconstitucionais.
Por muito caldo de anestesia que por aí ande, não é possível fingir que isto não aconteceu. E há questões que se impõem.
Desde logo, que diferença essencial há entre este processo e o escândalo dos negócios promíscuos que marcaram os governos e vários ministros do PSD e do PP? Nenhuma diferença. Que ética de serviço público é esta que não só não tira o sono a alguns políticos socialistas, como os faz saltitar, sem mediações, da representação do interesse público para a defesa forense dos interesses privados contraditórios com os do Estado que ontem representavam? Com o propósito, ou pelo menos com o resultado prático, de prejudicar e apoucar o interesse público: o Estado, neste caso, e em larga medida pelos seus bons ofícios, foi transformado de justo credor em devedor de quantias reconhecidamente indevidas, pagas, obviamente, à custa do erário público. Ainda por cima violando a lei, desconhecendo diplomas governamentais anteriores visando aplicá-la e fazendo tábua rasa das decisões judiciais favoráveis ao Estado já tomadas no processo. Ainda por cima, acrescente-se, no caso de José Lamego, contrariando expressamente a Lei 6/92 que proíbe a um ex-membro do governo envolver-se em qualquer processo em que o Estado seja parte sem que tenha passado um ano sobre a cessação das respectivas funções oficiais.
Pergunto eu: a Ordem dos Advogados não tem nada a dizer sobre esta estranha forma de fazer advogacia? A Comissão de Ética da Assembleia da República não deve pronunciar-se quando um deputado de forma manifesta e até assumida viola a lei das incompatibilidades? O PS e os seus dirigentes sancionam o comportamento político dos que ontem representavam o Estado e amanhã fazem negócios à custa dele e contra ele? A experiência dos altos cargos públicos deve ser usada em proveito do interesse público ou para melhor o iludir e contrariar? Onde está a ética republicana de serviço publico? Perdeu-se a caminho de um próspero escritório de advogados?.
Lembro-me que Lamego e Vitorino foram promissoras crisálidas de um certo socialismo informe, campeão da iniciativa privada e do mercado. O tempo faz destas partidas. Ei-los transmutados em fulgurantes borboletas de asas de ouro, num frenesim breve e sem história. Também na política é curta a vida das borboletas."

Sinto que não devia pôr isto aqui, por motivos que só eu sei.
Mas sei que devo, por motivos que são mais fortes que os outros.E por isso ponho.

blábláblá disse...

Vital Moreira, no Causa Nossa:

"Responsabilidade política"


Os novos elementos hoje divulgados pelo Público sobre o "caso Eurominas" -- nomeadamente os pareceres oficiais oportunamente emitidos contra a pretendida indemnização da empresa concessionária -- tornam obrigatória uma explicação pública dos membros do Governo que posteriormente vieram a negociar o dossier, acerca das razões que os levaram, contra esses pareceres, a conceder à referida empresa uma vultuosa indemnização (mesmo se inferior à pretendida) e a pôr fim à pendência judicial que estava em curso.
O assunto é demasiado grave e comprometedor para poder passar em silêncio. De duas uma: ou os esclarecimentos são inteiramente convincentes (apesar das aparências), ou então há que tirar as decidas ilações em sede de responsabilidade política. Nada é mais pernicioso para o crédito das instituições do que a suspeita da impunidade em relação a alegados abusos de poder, sobretudo quando eles envolvem o favorecimento de privados à custa do património público.

[Publicado por vital moreira] 2.11.05

Primo de Amarante disse...

Sempre pensei que Vital Moreira sobre tudo o que se prenuncia o faz com rigor e independência intelectual.

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Também eu subscrevo por inteiro o que escreveu Vital Moreira.

josé disse...

Caro Hóspede?

Ilações criminais?!
Quais? A suspeita de existência de tráfico de influência?!
Ora bem, o crime aninha-se no artº 335º C.Penal que reza:
Tráfico de influência

Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para abusar da sua influência, real ou suposta, com o fim de obter de entidade pública encomendas, adjudicações, contratos, empregos, subsídios, subvenções, benefícios ou outras decisões ilegais favoráveis, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
(Redacção da Lei nº 65/98, de 2 de Setembro)

Os factos são de...1995, 98, 99, até 2001.
Será- a sê-lo evidentemente,- um crime continuado no tempo, começando nessa altura e acabando em 2001?!

Mesmo que o fosse, não era possível criminalizar quem quer que fosse! Porquê?
No meu modesto entender, tal crime só é punível a partir de Setembro de 1998 ( ou data da efectiva entrada em vigor da revisão penal assinalada, possivelmente 7 de Setembro de 1998, pois a respectiva lei não traz data para entrar em vigor, pelo que entra o regime geral de vacatio legis que é de 5 dias, como o professor Vital lembrou ainda há pouco, por causa de uma outra faena). Assim, se o crime foi continuado, temos que o último acto se consumou...quando?!
Antes de 7.9.1998 ou depois?
E se foi depois, quando foi?!

Se foi até 3.11.2000 ( data em que hoje se perfazem cinco anos), esqueça-se! Haverá sempre quem sustente que o artº 118º al. c)C.Penal que diz que a prescrição de crimes com pena de prisão inferior a cinco anos se aplica e por isso prescreveu em cinco anos.
Mas pode haver quem sustente razoavelmente que prescreve em 10 anos- a lei, no artº 118 al. b) diz que será em dez anos se a pena de prisão for igual ou superior a 5 anos.
A lei como vimos diz:
"pena de prisão de 6 meses a 5 anos".
Então, o problema irá ser debatido até á exaustão de um acórdão do Constitucional em que se dirá que "6 meses A cinco anos" não é bem a mesma coisa que "6 meses até cinco anos"...e será debatida a semântica da partícula, no caso preposição "A"! A, ante, após ,até, com, contra, de, desde, em, entre, para, perante, por, se, sem, sob sobre...trás!
Zás trás, nó cego! digo eu...

josé disse...

E se foi continuado, ainda temos o problema que não é nada despiciendo, de saber quando se consumou.

Durante anos e anos, disse-se nas Relações e nos Supremos que se consumava com o último acto!
Ora bem! Por ocasião de um certo processo que envolveu uma ex-ministra que agora administra um património numa fundação de um rico falecido há pouco, um certo conselheiro constitucional que se assina como um Bravo, disse que não! Que não...que o crime se consuma com o primeiro acto e não com o último como toda a genter dizia até então e que por isso a questão concreta tinha prescrito aos olhos da justiça terrena. Ora tem lá, que é para quem ainda não almoçou!

josé disse...

O anterior presidente do Tricunal de Contas, Alfredo José, pôs o dedo numa ferida grave que também já tinha reparado existir: o MP não actua devidamente.
Parece que precisam de mais indícios...

Peçam-se responsabilidades ou explicações!