20 dezembro 2005

O “crime” compensa

Todas as sondagens sobre as presidenciais mostram que é praticamente certa a vitória de Cavaco Silva na primeira volta. Escrevo pouco tempo antes do aguardado debate Cavaco-Soares, mas creio que só um cataclismo poderia virar estas eleições.
Já aqui disse de que lado estou nesta disputa, mas não posso deixar de reflectir um pouco mais sobre o “passeio” de Cavaco Silva. O que é que contribuiu para esta vitória anunciada de um candidato que perdeu há dez anos a eleição presidencial?
Os anteriores presidentes foram eleitos na sequência das respectivas intervenções militares, políticas ou cívicas. Eanes tornou-se o candidato do consenso após o 25 de Novembro e a sua passagem pela RTP, tendo depois congregado apoios mais à esquerda na reeleição de 1980; Soares fora um dos “pais” do regime democrático, líder histórico do PS e primeiro-ministro por três vezes; Sampaio era presidente da Câmara de Lisboa, tinha sido líder do PS e um histórico activista contra a ditadura desde os tempos de estudante.
Já Cavaco foi primeiro-ministro e líder do PSD durante dez anos, acabando por perder o duelo presidencial com Sampaio no início de 1996. Uma derrota clara. Desde então, teceu uma teia laboriosa para chegar onde está neste momento. Reservou-se, praticamente apenas interveio sobre questões económicas, distanciou-se de forma envergonhada do seu partido, não foi solidário com líderes que lhe sucederam no PSD, não se comprometeu nas questões mais delicadas da política nacional ou internacional, afastou-se do palco para que os portugueses se “esquecessem” dele. Dos seus defeitos, dos seus erros, do clientelismo dos seus governos e da saturação em que tinha mergulhado o país. Não concorreu há cinco anos por falta de coragem ou por falta de espaço?
Agora, aí está de novo, pretendendo passar uma esponja sobre as más recordações que, há dez anos, ditaram a sua derrota. Tudo foi sacrificado à vontade de se tornar Presidente da República da forma mais calculista e no momento mais oportuno. E parece que o “crime” vai compensar.

1 comentário:

M.C.R. disse...

Meu caro Amigo

O longo e laborioso processo encenado e encetado por Cavaco para chegar até aqui deixa-o V. (muito bem) implícito no seu texto. Não irei pois acrescentar pequenas ninharias ao que V. escreveu.
A mim o que me espanta (ou talvez não...) é a posição do PDS ou PPD como queiram chamar-lhe. então este partido esqueceu assim tão depressa a contribuição de Cavaco para a sua derrota nas legislativas, a má moeda, a proibição da sua imagem nos posters de campanha e tudo o mais (e neste tudo vai o maldoso silêncio de Cavaco sobre os esforços do náufrago Santana Lopes)?
O PPD deve ter esquecido tudo para se agarrar a esta réstea de poder (ou ilusão dele?) que é uma possível vitória de Cavaco para a presidência da república.
A única lição política a tirar disto é a seguinte: o PPD não tem memória nem se sente ofrndido. É lá com ele ou com eles... mas é pena,