O caso de pedofilia de Outreau é um caso cheio de interrogações e ensinamentos. Como foi possível que, praticamente, algumas crianças e uma mãe, pedófila e incestuosa, conseguissem criar e alimentar um processo que manteve na prisão 14 cidadãos (...), alguns deles durante anos?
Como foi possível que seis [deles] fossem condenados em primeira instância e um (...) tenha "morrido" de uma overdose de medicamentos na prisão? (...) Mas se a actuação do juiz de instrução é alvo de muitas críticas, a verdade é que a condenação (...) não foi só obra do juiz de instrução mas, sobretudo, de um tribunal de primeira instância, um tribunal colectivo em que participaram juízes e jurados. (...)
Um dos factores que determinou a convicção do tribunal de primeira instância foram os relatórios dos peritos, nomeadamente os psicólogos, apesar de, no julgamento, os mesmos terem sido postos em causa de forma contundente. (...)
Na audiência de julgamento do recurso, em Paris, Jean-Luc Viaux, "apertado" pelos advogados de defesa e pelo tribunal, recuou. Agora que já se sabia que as crianças tinham mentido e se tinham retractado (...), o psicólogo recuou de forma desatrosa, primeiro culpabilizando uma sua colaboradora/co-autora e, depois, chegando ao ponto de afirmar, para justificar a má qualidade das peritagens por si efectuadas, que "quando se paga aos peritos como a uma mulher-a-dias obtêm-se peritagens de mulher-a-dias". (...)
O psiquiatra Paul Bensoussan, apresentado pela defesa, chamou, pelo seu lado, a atenção para o risco de, ao pretender-se evitar a todo o custo o sofrimento da criança, se estar a pôr em causa os direitos elementares da defesa. Concretamente, censurou a recusa sistemática pelo tribunal da confrontação directa das crianças com os alegados agressores ao longo do processo, acrescentando: "É tão evangélico quanto devastador. Um processo judicial é perturbante. Mas o que é ainda mais perturbante é fazer crescer uma criança no estatuto de vítima, quando não o foi. Para os arguidos, isso pode contar-se em anos de prisão. Para a criança, é uma pena perpétua".
Francisco Teixeira da Mota
Público 11DEZ05
2 comentários:
"Psicologia judiciária…
É recorrente dizer-se que a atenção do julgador passa também pela aplicação dos conhecimentos adquiridos através dos diversos saberes, nomeadamente, provenientes da psicologia, da ciência etc.
Costumam apontar-se vários “sinais” que podem contribuir para aferir da credibilidade ou do descrédito de testemunha ouvida, designadamente, em audiência de julgamento.
Essa “sinalização” também se aplica a especialistas (v.g. psicólogos), seja quando depõem como testemunhas, seja quando actuam como peritos…: é o que resulta de uma leitura irónica do texto “O psicólogo como testemunha forense”, inserido no livro Psicologia Forense, coord. Rui Abrunhosa Gonçalves e Carla Machado.
Todos os cuidados são pouco para quem está na «bancada» do julgador…"
posted by Carmo Silva Dias no blawg Sine Die, em 12-12-05
Apoiado caro Hóspede. Esse psicólogo deve ser um rematado *** E descarado ainda por cima.
Mas, prosseguindo nesse desvendar de possibilidades, que dizer do juiz de instrução? E de toda a gente responsável nesse mundo judiciário que viu , ouviu e leu o inacreditável e aceitou tudo, mas tudo, sem pestanejar? E já havia antecedentes, há que dizê-lo. Este não é o primeiro caso.
E que dizer da imprensa, voraz como um cardume de piranhas sempre na brecha a vender bons sentimentos e falsas histórias como se isso fosse a sua única razâo de ser? E que dizer da imprensa meses depois quando o naufrágio era evidente já a atacar o que antes tinha defendido?
Mas que mundo cão é este em que o ladrar dos rafeiros se confunde com o uivo (bem mais inocente) dos lobos?
A França, desculpem lá este tom francófilo, pela voz de todos os seus mais altos responsáveis (avocat General da Cour d'Assises de Paris, Presidente do mesmo tribunal, Garde des Sceaux (ministro da justiça) Primeiro Ministro e Presidente da República, todos num curtíssimo espaço de tempo, receberam as vítimas, porque de vítimas se trata, os 13 acusados de Outreau, determinaram as indemnizaçôes e propuseram várias leis entre elas a do duplo juiz de instruçao para casos sensíveis. A civilização é isto. Isto, caros bloguistas, e não o meter a cabecinha tonta na areia, dizer o inenarrável, ofender os ouvintes, isto é os cidadãos, com desculpas de mau pagador.
Ou por outras palavras imortais: qui custodiet ipsos custodes?
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