15 dezembro 2005

Revisão dos sistema de recursos em processo civil

O Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça (GPLP) apresentou uma primeira versão do anteprojecto de revisão do sistema de recursos em processo civil no dia 25 de Novembro de 2005, durante o colóquio realizado na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que pode ser consultada aqui. O GPLP informa no seu site que "os seus comentários ou sugestões [devem ser enviados] para gplp@gplp.mj.pt."

Os debates públicos sobre este tema prosseguem hoje na Faculdade de Direito da universidade de Lisboa, com inicio as 15 horas. O programa bem como as intervenções proferidas nas anteriores sessões podem ser consultados a partir do site do GPLP.

4 comentários:

C.M. disse...

Não tive tempo para analisar como se impunha esta nova alteração ao CPC. Contudo, olhando rapidamente para a “exposição de motivos (???) verifica-se que estamos, de novo, e lamentavelmente, face a mais uma alteração do CPC e não em presença daquilo que verdadeiramente se impunha, ou seja, a criação, de raiz, de um novo Código de Processo Civil!

Aos anos que andam estes “aprendizes de feiticeiro” a “gozar” – é o termo apropriado – com todos aqueles que têm necessidade de aplicar o Direito. Quem se entende com esta manta de retalhos?

Passamos a vida a fazer uma ginástica mental com a sucessão de leis no tempo!!!

Importava, verdadeiramente, agilizar o Processo Civil, expurgá-lo de tudo aquilo que contribui para que as acções se tornem morosas e, a mais das vezes, se realize, não a justiça material, mas sim a justiça meramente formal!

O saudoso Prof. Castro Mendes, processualista de Lisboa, nos idos de 80, já alertava para a necessidade de o Processo Civil dever ser um instrumento de realização da verdadeira justiça, repito, material! Mas, quem a quer? Quem a deseja, verdadeiramente? Apenas a “vítima”, seja na jurisdição criminal, seja na jurisdição cível, seja na jurisdição Administrativa, seja na jurisdição do Trabalho!

Diga-se, na verdade, que estes “miúdos” que fazem parte dos gabinetes ministeriais, e que não têm “estrutura” para elaborar um Código ( não têm a “estaleca” de um Antunes Varela, claro!) não chegam, isso tem sido patente ao longo dos anos, aos calcanhares do Prof. Alberto dos Reis, “pai” de um Código de Processo Civil hoje já muito desfigurado pelas sucessivas alterações que lhe têm sido introduzidas.

É claro que o CPC de Alberto dos Reis foi feito para uma sociedade radicalmente diferente da actual, onde a actividade económica não tinha o frenesim de hoje, onde a litigiosidade era muito mais baixa...

Mas por isso mesmo se impunha não esta constante alteração parcelar do CPC mas sim a criação de um novo!

Não temos “rapazes” para tal tarefa!

Delfim Lourenço Mendes, Lisboa

Informática do Direito disse...

A proposta governamental da reforma dos recursos que está em discussão pública é pouco estimulante.
Na verdade, vem consagrar mais do mesmo, aumentando as alçadas para dificultar os recursos e fazendo alguns ajustamentos pouco significativos.
Ao aumentar desta forma as alçadas (a da Relação para os € 30 000 e a dos tribunais de 1.ª instância para os € 5 000) levará a resultados pouco animadores – um cidadão que tem um crédito de 800 contos, em moeda antiga, deixa de poder recorrer para a Relação, ou se esse crédito é de 5.500 contos deixa de poder recorrer para o Supremo.
Não me parece o melhor caminho.
Para mim, o ideal seria criar-se um sistema que permitisse o alargamento dos recursos em geral, com uma revisão criteriosa do regime da litigância de má fé e com a criação da figura da litigância temerária – ou seja, permitir-se-ia o recurso na maior parte das causas, mas sancionar-se-ia fortemente o recurso de má fé e o recurso de “atirar o barro à parede”.
Qualquer cidadão antes de recorrer saberia que o seu eventual decaimento no recurso lhe iria trazer fortes despesas e o seu Advogado teria muitas reticências a patrocinar-lhe um recurso temerário na medida em que a sanção dessa temeridade também o tocaria a ele, Advogado.
Poderia também reforçar-se o regime de rejeição liminar ou de decisão liminar do recurso um pouco nos termos em que hoje rege o artº 705º do Código de Processo Civil.
Esta seria uma forma de desencorajar recursos dilatórios, temerários ou de má fé, sem fechar as portas aos recursos nos casos em que alguém sente que lhe foi feita uma grande injustiça.
O conservadorismo e a falta de imaginação deste projecto de reforma não têm rigorosamente nada a ver com as correntes mais ou menos modernas e progressistas.
Esta é mais uma decepção que este Governo nos proporciona.

C.M. disse...

Quero agradecer ao Bruto da Costa a sua análise. Eu, que já imprimi esta proposta de alteração ao CPC, vai-me ser mais fácil detectar as mudanças propostas. O trabalho de casa está mais facilitado...
Um Abraço.
dlmendes

blábláblá disse...

Francisco Teixeira da Mota no Público de Domingo 18 (via blog Suo Tempore)

Prévia Lucidez

"O Código de Processo Civil estabelece as regras do "andamento" dos processos judiciais cíveis e é um complexo mecanismo de articulação entre diversas componentes do processo e os intervenientes no processo. Quando se fala na morosidade na justiça é natural que se pense em "melhorar" o Código do Processo Civil já que o mesmo regula (pelo menos teoricamente) o andamento dos processos dentro dos tribunais.
O governo, desta vez, entrou um pouco "ao lado" e optou pela meia da redução das férias judiciais. Claro que o governo tem razão num aspecto: nada obriga a que haja dois meses de férias judiciais de verão, sendo certo que a redução das férias para um mês se vai fixar, na prática e a coberto da lei, numa redução para mês e meio de férias judiciais. Ou, pelo menos sem a marcação de diligências judiciais, exceptuando nos processos urgentes.
Embora tenha parcialmente razão, esta medida emblemática da redução das férias judiciais não vai resolve nada de especial em termos da morosidade.
Mais sério é o anúncio da proposta governamental de alterações ao Código de Processo Civil. Pretende-se, como sempre, combater a morosidade da justiça mas pretende-se também descongestionar os tribunais superiores.
Infelizmente o que é apresentado e está no site do Ministério da Justiça para discussão pública, parece quase só ter uma consequência: afunilar o acesso aos tribunais superiores, descongestionando-os sem nenhumas garantias de melhor Justiça para os cidadãos. Sendo certo que os principais problemas, hoje em dia, não serão a nível dos tribunais superiores mas sim a nível da 1.ª instância.
Claro que as alterações propostas visam aperfeiçoar o sistema e serão bem-intencionadas mas é necessário avaliar aos seus riscos e as suas consequências. Parecem, por exemplo, inequivocamente de aplaudir as alterações que visam acabar com o escândalo dos "processos de incompetência", criados pelos próprios tribunais ao levantarem a questão de não se poderem pronunciar sobre a matéria dos autos por razões processuais. Um sistema célere para resolver esses conflitos entre tribunais parece ser um bom objectivo.
Já as alterações propostas quanto ao regime de recursos levantam questões mais complicadas. Como sempre reduz-se o prazo aos advogados, isto é, às partes, que são sucessivamente penalizadas. Desde logo porque os prazos estabelecidos para os mandatários das partes são rígidos e só pagando um taxa agravada, é admissível a realização do acto nos três dias úteis seguintes ao do fim do prazo.
E não sendo praticado o acto dentro do prazo legal, por exemplo, não tendo entregue a contestação ou o "rol de testemunhas", a parte perde o direito de o fazer, naturalmente com graves consequências para o desfecho do processo. Ora, estes prazos são, na proposta governamental, uma vez mais reduzidos: por um lado, actualmente, primeiro interpõe-se o recurso através de um simples requerimento e só depois de o juiz ter aceite a entrada do recurso, começa a correr o prazo de 30 dias para alegações, isto é, para se apresentarem as razões do recurso.
Pretende, agora, o governo que com a interposição do recurso, a parte recorrente apresente logo as alegações, tal como, por exemplo, no direito processual criminal. A ideia é boa porque evita que o processo com o requerimento de interposição do recurso possa ficar parado meses na mesa de um juiz (ou da secretaria) à espera de um simples despacho de aceitação da entrada do recurso. Mas já parece errada a fixação de um prazo de 20 dias, manifestamente curto, para a interposição do recurso e simultânea apresentação das alegações.
A proposta também reduz os prazos a nível da circulação dos processos entre magistrados para elaboração da decisão do recurso mas como sempre os prazos estabelecidos para as secretarias e para os magistrados. Nenhumas ou quase nenhumas consequências têm. Na verdade, todos estes prazos, nomeadamente o prazo de 30 dias para ser proferida a sentença, são prazos meramente indicativos já que, por exemplo, o magistrado que não proferir a sentença dentro dos 30 dias não será sancionado por isso. Ora, sem se defender qualquer sistema draconiano, parece inequívoco que há necessidade de uma maior responsabilização quanto ao cumprimento dos prazos por parte dos tribunais. Não vale a pena cortar só nos prazos das partes, é necessário, também, exigir o funcionamento do tribunal.
Mas como, é evidente, para se poder exigir que os tribunais cumpram com as exigências legais de tramitação dos processos, nomeadamente quanto aos prazos, também se terão de estabelecer, de alguma forma, "limites" aos processos por cada juiz ou descobrir-se qualquer outra solução. a melhor solução não pode ser só dificultar.
A proposta governamental, no campo do acesso aos tribunais superiores, avança com algumas ideias boas e outras más: parece discutível mas aceitável que só subam ao Supremo Tribunal de Justiça, processos com valor superior a ? 30 000, como se propõe mas já parece muito perigoso, senão mesmo "mortal", a alteração que acaba com o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões da Relação que confirmem a decisão da 1.º instância, independentemente da questão em análise. Esta alteração é de uma enorme gravidade. Muitos advogados já tiveram processos em que, tendo perdido na 1.ª instância e no Tribunal da Relação, vieram a ganhar a causa no Supremo Tribunal de Justiça. E com inteira Justiça!
Recentemente, o Público foi absolvido num processo no Supremo que lhe foi movido por um político, tendo, anteriormente, sido condenado na 1.ª instância e visto a condenação confirmada na Relação. Vale isto por dizer que se estas alterações já estivessem vigor, o processo teria acabado com a condenação no Tribunal da Relação e a liberdade de informação e de expressão teriam sido "desprezadas" e não teriam tido, como tiveram, a possibilidade de renascer no Supremo, à luz da Constituição e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Com esta proposta de alteração, corre-se o risco, como dizem os chineses, " de se estar a roer o próprio pé, para o adaptar ao sapato"...