Sempre tive uma relação difícil com o frio. Recordo-me de um dia, em Estrasburgo, em que só para aí à quinta tentativa é que consegui fazer o (pequeno) trajecto entre o hotel e o Palácio da Europa. Recordo-me ainda melhor do dia em que, na estância de neve de Manzaneda, decidi subir o monte no teleférico, mal enroupado e sem luvas. Aqui chegou a ser dramático: a partir do meio da subida, comecei a procurar o melhor sítio para saltar, um sítio onde "só" houvesse a possibilidade de partir as pernas. Acabei por resistir até ao alto. Hirto. Congelado.
Como advogado pobre, farto-me de andar por este país. Trás-os-Montes muitas vezes. Já fiz muitos julgamentos em salas sem aquecimento e com temperaturas negativas, com o sobretudo vestido e camuflado pela toga. E já fiz muitos julgamentos com um calor abrasador. Recordo-me particularmente de um em Chaves, de vários dias, com as costas viradas para o sol inclemente de uma janela sem persiana. Recordo-me também de um julgamento no local, em Tomar, numa passagem de nível, com 39º à sombra e nós ao sol e eu, teimosamente, de casaco e gravata.
As condições de trabalho para quem anda por estas coisas da justiça não são, decididamente, as melhores. Mas é o país que temos. Não podemos ter hábitos de ricos quando somos pobres. Não podemos exigir aquilo que o país não tem para nos dar, mesmo quando é certo que temos o direito e o dever de lutar para que as coisas melhorem.
Tudo isto a propósito de quê? Do mega-julgamento que decorre em Lamego com uma centena de arguidos acusados de fraude fiscal e associação criminosa. À falta de outras opções, instalou-se o tribunal num Pavilhão Desportivo. Lamego é frio, eu sei bem, pois, como devem recordar-se, ali andei em 2004 em 18 sessões de julgamento todas no Inverno. Pelos vistos, o tal pavilhão é mesmo muito frio, apesar dos aquecedores provisoriamente instalados. Um destes dias, todos - excepto um - dos cerca de 70 advogados dos arguidos decidiram abandonar o provisório tribunal, alegando que o frio era muito e não conseguiam aguentar. Fiquei perplexo! Mas devo ser eu que sou demasiado humilde e conformado...
19 janeiro 2006
Frio, calor e julgamentos
Postado por o sibilo da serpente
Marcadores: carteiro (Coutinho Ribeiro)
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