27 fevereiro 2006

Missionário


Grunho, xenófobo e racista, porco machista, retrógado e reaccionário. Inculto e politicamente incorrecto. Com uma particularidade: não sou um intelectual, capaz de explicar as coisas com citações a preceito. Não sou melómano (nem megalómano), não visito com a regularidade devida exposições de arte, nem vou à opera. Sou o português comum, o homem que apesar de tudo lê jornais, mas que não toca piano e fala mal francês e inglês muito pior. Não tenho instinto matador, não sou de levar ao tapete o adversário e muito menos de o pontapear quando no chão. Sou um crédulo, advogado com quem é difícil fazer acordos mas, ainda assim, um conciliador de tensões. Sou um tipo que não regateia esforços na defesa do que me parece justo, ainda que, para isso, tenha de afrontar poderosos e deuses ou semi-deuses. E o pior: tenho a mania de dizer o que penso, mesmo quando sei que me vou tramar. Paciência.

O pior, mesmo, é esta tendência para escrever estas coisas. Alguém quer saber disto? Claro que não!

Mas escrever isto retempera-me. Por muito que vozes amigas me digam para estar calmo. E para não dar um passo a mais do que aqueles que dei este fim-de-semana, aqui, nos meus postais abaixo. Vejamos: esta é a minha liberdade de expressão, é a minha vida.

Não sei calar revoltas nem desilusões. Tenho todo o direito do mundo a indignar-me. Por muito que isso doa e me provoque insónias. Nos finais da década de 80, jornalista, pús o país em estado de guerra com uma investigação sobre casos de corrupção na judiciária. Sei que já não tenho o mesmo vigor (quando olho a minha cara ao espelho, continuo a ver um miúdo, mas a pele já não é a mesma), mas, ainda assim, estou aqui aberto a mais um combate. Pela Justiça. Por aquelas coisas todas em que acreditei ao longo de todos estes anos. Aquelas coisas que me fazem acordar de madrugada para pensar em estratégias de defesa. As manhãs pouco coloridas de viagens por esse país fora para chegar a tempo a julgamentos atrasados (como eu o percebo, meu caro, quando fala nos intermináveis julgamentos em quartéis de bombeiros gelados...). As noites em que acordo para ir ao escritório para ver se não falhei um prazo...

Acho que me tornei um missionário.

5 comentários:

C.M. disse...

Hoje, segunda-feira, aqui chegado ao trabalho ( e a dar uma vista de olhos ao “nosso” (penso eu de que...) blog, li e gostei muito dos seus postais, caro carteiro.

Mas então o meu amigo ou qualquer um de nós não tem liberdade para escrever?

Lembro as palavras do Mocho Atento: “Fazem falta espaços de partilha e reflexão, de emoção e de desabafo.”

E este “Incursões” pode ser o depositário (fiel) da tal partilha.

Gosto muito das suas reflexões, muito humanas, muito sinceras.

Fico sempre, para além de
comovido, mais rico após a leitura dos seus postais.

Continue sempre assim, ok? Acho que aqui ninguém nos faz mal, pois não?
( se calhar também sou ingénuo...)
dlmendes

C.M. disse...

Ah! já agora, também aproveito para dizer que sou Conservador, Anti-moderno, Anti-liberal, Anti-Repúblicano, Anti-comunista, Tradicionalista e Integralista!

Ai os inimigos que acabo de fazer!!!

( ah! não faz mal! eles já o eram!)

M.C.R. disse...

Isso já o Caetano, Marcelo , dizia, Caro DLM. Nesse elenco de rancores (boa malha!...) há contradições: quer mais anti-liberal que um conservador. e mais anti- moderno que um tradicionalista?
E já agora: que é hoje em dia o integralismo?
quem louva e usa a liberdade da escrita (ver o 1ª comentário de DLM) tem por força de concordar que tal liberdade é absolutamente moderna quer em termos históricos quer em termos sociais ou até sociológicos. E os conservadores são muito pouco a anti-modernos... Ou não, Caro DLM?...
Já agora V é monárquico absolutista ou liberal?

C.M. disse...

Ò meu Caríssimo MCR, neste final de dia, V. apanhou-me com a sua proverbial astúcia!

Realmente, este elenco tenho de os reposicionar...na escala hierárquica...à semelhança do Administrativo! Ver aí alguma “definitividade vertical (esta também já defunta)...

Quanto à questão de Absoluto ou Liberal....realmente já não estamos em situação “sociológica” de dizer, como Luis XIV que “ L’État cést moi!”...Mas olhe que a teoria da Monarquia de "direito divino", segundo a qual o rei era o representante de Deus na terra e, por tanto, somente a Ele devia prestar contas, é bem bonita ( alguém deve estar a arrancar os cabelos se me ler...aahahahah que gozo!).

Olhe, a sério, entre D. Miguel e D. Pedro...escolho D. Miguel! Há-de dizer: mas que tipo mais paradoxal!
Pois é, eu próprio vejo-me “à rasca” com estes sentimentos conflituantes dentro de mim. Que hei-de fazer? Olhe que tenho dias...
Tenho que me socorrer do postal da nossa Kami: não sou heterodoxo ( lá isso não sou...), não sou ortodoxo ( pois não...): sou do paradoxo, pois então!

Um abração!

dlmendes

C.M. disse...

Esta história de escrever depressa tem o que se lhe diga...

Quero dizer, pois claro, que sou heterodoxo, não sou ortodoxo ( pois não...): sou do paradoxo, pois então!