28 fevereiro 2006

Os inimigos comuns


As coisas começaram com o processo da Casa Pia. A notícia do alegado envolvimento de destacadas figuras da política e a forma pouco hábil como o assunto foi tratado pela justiça e - percebo agora - os sintomas de uma suposta promiscuidade entre alguns da justiça e alguns da política, veio criar uma crise sem precedentes entre os dois mundos.

Não me parece, pois, que tenha sido por acaso que este Governo abriu uma frente contra os "privilégios" da justiça. E não me parece também que seja por acaso que, em resposta à redução dos "privilégios", as corporações da justiça reajam com greves e greves de zelo mais ou menos camufladas, tudo com o propósito último de demonstar, estatisticamente, que as mexidas não resolvem o problema que, supostamente, o governo visava atingir: uma maior celeridade da justiça.

Ora, esta é uma disputa que não vai levar a lado nenhum. Desde logo, porque não vai durar muito. É que há um ponto comum nos interesses da política e dos magistrados: a comunicação social. Os jornalistas parece que passaram a ser o inimigo comum. A política está a preparar o maior atentado à liberdade de imprensa de que há memória no Portugal democrático, com alterações ao regime de segredo de justiça que, em rigor, não mais visam do que impedir que se noticiem facos de processos judiciais antes do final do processo. Por sua vez, a justiça, com a apreensão dos computadores de jornalistas, criou um precedente que tem um inegável cheiro de intimidação e vingança.

As coisas não tardarão, pois, a chegar à normalidade entre a política e justiça. E os jornalistas que se cuidem. E, sobretudo, não baixem os braços.

É que, neste caso, o atentado não é contra qualquer privilégio dos jornalistas. Por muito que alguns teimem em não perceber, o direito de informação não é, sobretudo, um direito dos jornalistas - este é um direito funcional que visa o superior direito dos cidadãos a serem informados. E este é um dos pilares básicos da democracia.

O que leva a questionar: quem quer matar a democracia?

7 comentários:

josé disse...

Caro carteiro:

Por mim, acho que não se trata de vingança alguma. Vingança porquê e de quê?!
Alguém pode dizer que a Justiça tem interesses próprios, alheios aos princípios e valores conhecidos, assimilando-os aos dos profissionais que aí trabalham?!
Se alguém o pode dizer- pois que o diga!
Parece-me assim, mais uma mistificação, a juntar a outras.

E se a busca no jornal fosse apenas o reflexo de uma atitude relativa ao fenómeno da gota que faz transbordar o copo?!
Será que isso pode ser assimilado a qualquer "vingança"?!

Não me parece. Mesmo assim, a exposição e atribuição da intenção de "vingança" aos magistrados que decidiram, autorizaram e executaram a busca - e que são todos dferentes, segundo li- é processo de intenção puro e duro.
Não me parece, por isso mesmo, que seja boa análise.
Mas posso estar enganado...

o sibilo da serpente disse...

Caro José:
A gota que fez transbordar o copo? Mas que copo? Que eu saiba, a propósito da Casa Pia, há por aí um sem número de arguidos jornalistas por alegada violação de segredo de justiça. Bem? mal? Não sei, não conheço os processos.
Mas, tal como já aqui escrevi por algumas vezes, o que estranho é que em tantos processos não se tenha apanhado um polícia, um funcionário, um juiz, um procurador, um advogado. Dir-me-á: se não há, é porque esses não violam o segredo de justiça. E então rimo-nos todos.
Respondendo ao demais. Confesso que não sou entusiasta do jornalismo do 24 Horas. Confesso, até, que não vejo com bons olhos que ali se pubiquem reportagens e notícias feitas por quem tem, desde o princípio, uma posição muito clara na defesa de um dos arguidos do processo.
Mas reparemos: o próprio director do Público também confessou em editorial que tinha a listagem. Não a publicou, é certo. Mas não o terá feito apenas porque o que lá estava era pouco relevante em termos informativos.
O que me impressiona é que, por causa de um suposto crime punido com uma moldura penal tão leve - como o que é imputado ao 24 horas - se tenha posto a funcionar a pesada máquina da justiça. E com que aparato! Uma invasão a uma redacção de um jornal. Uma ordem judicial para vasculhar os computadores. Uma violação de outros princípios também eles dignos, tais como o segredo profissional e a defesa das fontes dos jornalistas. Foi uma verdadeira bomba atómica que continuo a crer é injustificada. Queriramos ou não, abriu-se um precedente extremamente perigoso para a liberdade de imprensa e, logo - insisto - para a democracia. Porque nestas coisas, o que é mau é começar... Depois ganha-se o hábito.
Claro que eu não pretendi dizer que os magistrados são um rebanho. Nem percebo, aliás, a pertinência do comentário. Se alguma vez pudesse ter pensado isso, o que escrevi nos últimos dias diz claramente que não penso que sejam um rebanho. Aliás, até fiquei a saber que houve sorrisos da magistrados quando Rui Pereira disse que não há razões para acreditar que os magistrados das insTãncias superiores sejam mais benevolentes. Na altura não percebi muito bem os sorrisos, mas depois explicaram-me. Em comentários e por outras vias. mas quase foi preciso fazerem-me um desenho...
Pois, de facto não sei para onde querem caminhar. O que sei é que as magistraturas sempre tiveram muita dificuldade em lidar com a comunicação social. E que, não fosse essa difculdade, talvez não existissem tantos problemas e talvez os cidadãos percebesse melhor o papel da justiça.
E que sei mais? Sei que, por exemplo, nas terras mais pequenas o surgimento de jornais profissionais veio baralhar um bocado os poderes instituídos. O jornalismo contra-poder é desagradável para muitos. E também para muitos magistrados que operam nesses locais. E, aqui, sei bem do que falo: tenho tido a oportunidade de estar em julgamentos onde é por demais evidente a animosidade de magistrados contra os jornalistas. (como também é verdade que conheço magistrados que não revelam essa animosidade. Mas a segunda situação é a que é normal, parece-me).
Bem no fundo, as magistraturas, sendo um poder, reflectem a animosidade que há em todos os poderes contra o escrutínio dos seus actos pela comunicação social. Daí que aconselhe a todos uma releitura de Costa Andrade sobre essa matéria (... e inviolabilidade pessoal), designadamente na parte em que, sustentando-se na jurisprudência dos tribunais superiores alemães, discorre sobre a tipicidade e a exclusão da ilicitude nos casos de crítica aos poderes, designadamente aos actos dos magistrados.
Por isso, meu caro Nicodemos (que me esfaqueou com o seu postal sobre fumadores...), temo não estar a exagerar. Por onde andam os que clamam que a liberdade de expressão foi uma das maiores conquistas do 25 de Abril? Ora, com as limitações legislativas que por aí se cozinham e com o inédito caso da busca ao 24 horas, parece-me claro que se está a assistir a uma tentativa de condicionamento à liberdade de expressão. Logo, a matar-se uma boa parte da democracia.

josé disse...

carteiro:

Vou aproveitar a sua deixa e entrar pela porta do fundo, a dos bastidores.

Se arranjar tempo...

josé disse...

No entando, e para já, permito-me perguntar em tom de resposta implícita:

Quem é que deu uma importância absolutamente desproporcionada à notícia do tablóide? Foi o PR. Atrás dele, vieram os notáveis todos, incluindo aqueles que sempre se notabilizaram pela tentativa, já descarada nesta altura, de abatar a credibilidade de quem investigou certo processo e de abater a credibilidade de certa instituição, e do seu chefe em particular que não lhe aparam o jogo que se evidencia como pouco claro, para dizer o mínimo.

Quem é que clamou logo a seguir para que o Carmo a Trindade e os Clérigos caissem?! Foi certa comunicação de comentadores encartados que já demonstraram á saciedade que deveriam ater-se ao comentário futebolístico. Aí, toda a gente pode dar palpiters fundamentados porque um jogo de futebol está á vista de todos e mesmo os erros dos árbitros, como se começa a comprovar por certas escutas, são altamente discutíveis em termos de avaliação...

COnfundir liberdade de expressão, de imprensa, com liberdade de publicação de tudo e mais alguma coisa, é um erro que os próprios jornalistas não cometem. No entanto, dá-lhes jeito, a alguns meter tudo no mesmo saco de gatos e tirar de lá um...constipado!

Quem tiver olhos para ver, que veja! Quem tiver ouvidos para ouvir, que oiça! Quem tiver entendimento conjugado dos fenómenos, que avalie!

M.C.R. disse...

A justiça é morta por quem é injusto; por quem-pensando ser justo comete objectivamente injustiças; por quem usando a justiça comete objectivamente um abuso do direito; por quem em nome da justiça pensa que os fins justificam os meios; por quem ao ver a justiça beliscada aqui e ali logo grita que querem matar a justiça;por quem ao ver um juiz ou um magistrado injusto logo acusa todos os outros do mesmo; por quem age corporativamente a favor ou contra a sua noção de justiça; por quem sentindo-se justo pensa que todos os outros são injustos; e o rol não acaba mais...
às vezes penso que as pessoas não querem ver a realidade. depois, conformo-me e continua a tentar respirar. Mas não deixo por isso de me indignar...

josé disse...

A justiça é feita por homens e mulheres.

Erram, como é óbvio e natural.
A única coisa que há a esperar é que errem o menos possível.

Também poderia dizer que há um perigo: é o de julgarmos que seríamos melhores juízes do que aqueles que temos.
Partir de pressupostos de que a Justiça é aplicada por pessoas propensas ao erro, parece-me tão errado como pensar que não há erros.
Para evitar os erros, devem fazer-se leis blindadas às más interpretações e formar pessoas que saibam aplicá-las com propriedade, probidade e justeza.

Esperar qualidades humanas nas pessoas é mais do que natural, sendo nós humanos. Esperemos que haja bom senso e conhecimento de quem aplica leis e inteligência suficiente para perceber o significado da palavra injustiça.

E é tudo. Segue daqui a bocado outro assunto sobre o mesmo assunto.

o sibilo da serpente disse...

Espero, obviamente, que não tenham lido as minhas palavras como pretendendo que seria melhor magistrado do que os que temos. Tudo quanto tenho escrito sobre o assunto desmente literalmente qualquer eventual entendimento nesse sentido.
Como também não devem ser lidas como qualquer incompreensão perante os erros dos magistrados. Longe disso! Como poderia dizê-lo se erro tantas vezes no que faço?
Mas tudo isto não significa que não possa ficar perplexo quando leio o que leio sobre a promiscuidade entre magistrados e a política. Não fui eu quem disse! E o que não significa que não possa criticar os erros que são cometidos. Ora. Então os magistrados não fazem pagar caro aos advogados os seus erros? E os jornalistas não os pagam também?