23 fevereiro 2006

"Regresso" a Moçambique




Hoje, no suplemento de Economia do “DN” vem referido que o “Eurostat, o organismo estatístico europeu, está neste momento a avaliar a forma de quantificar o impacto nas contas públicas portugueses do perdão da dívida a Moçambique por causa da barragem de Cahora Bassa.”

O que significa que os perdões de dívida efectuados por um Estado, ao serem contabilizados como transferência de capital, provocam um agravamento do défice...

Ora, eis a questão “fracturante”:

A população das antigas colónias, que na sua esmagadora maioria até gostava de se abrigar à sombra da nossa bandeira, (exceptuando aquela “elite” que estudou em Portugal, e que até vivia na “Casa do Império”, aqui em Lisboa) vive hoje muito pior. Como já escrevi, todos ficámos mais pobres, nós e os nossos irmãos de África, os quais estão mergulhados na mais negra miséria, com as cidades (outrora tão belas) degradadas e com as infraestruturas destruídas, imperando a mais dura corrupção a todos os níveis e em todos os estratos sociais. Não existe prosperidade, saúde, habitação condigna. E, nos anos 70, em Moçambique por exemplo, o “PIB” atingia a cifra de 7%!!! Ora pense-se no Portugal de hoje, com um crescimento negativo!

Relembro que a nossa Administração Pública era a mais apurada de toda a África bem como tínhamos o melhor sistema de saúde, a par da África do Sul.

Mas tudo foi “dado” de modo inconsequente, em “partilhas” obscuras...

Deixaram-se as populações entregues a si próprias, e o resultado está à vista: com a economia destruída, necessitam que um País, ele próprio também à beira do precipício, perdoe uma dívida externa por uma obra feita por portugueses.


Então, e NÓS POR CÁ (TODOS BEM? como diria o Fernando Lopes...)
Tanto sacrifício, tanto corte orçamental, para afinal fazermos figura de ricos sem o sermos?

Quem puder ( e quiser) que desenvolva este tema “fracturante”...

dlmendes

5 comentários:

C.M. disse...

Os "nossos" MCR e Anto bem que poderiam desenvolver o tema, conhecedores das aludidas "paragens"...polemando pois então...

M.C.R. disse...

Está redondamente enganado, Caro DLM.
Indo por partes:
1 de facto até a elite da CEI era contra nós depois de nós termos mostrado a nossa total incapacidade para perceber o mundo em que vivíamos;
2 ao contrário do que pensa a maioria da população era contra o imposto de palhota e contra quem o cobrava, era contra o regime de contrato e contra os contratadores e contra quem beneficiava dele; era contra os castigos colectivos e contra quem os aplicava ( a tal administração exemplar de que fala...); era, até aos anos 10-20 do seculo XX, contra os militares que lhes invadiam as terras e os submetiam a um país estranho chamado Portugal. Efectivamente, como talvez não saiba, as campanhas de pacificação do sul e centro sul de Angola e de todo o norte de Moçambique só terminaram por essa época (por exemplo Neutel de Abreu na região makua: Nampula para não ir mais longe). Portanto as entidades Moçambique e Angola na sua totalidade só passam ao inteiro controle português nesta época, o que não quer dizer que isso se notasse demasiadamente no terreno. Em 1953/5 passeei-me por zonas onde um branco era um espanto. Veja bem: nos anos 50.
3 já aqui lhe disse logo no início da sua prezada colaboração como comentador que, mesmo nessa época tão próxima, Lourenço Marques vivia um racismo tremendo e como prova só havia 2 alunos negros no liceu Salazar do meu tempo: o Joaquim Chissano e o Luís Bernardo Hongwana. Dois! Dois, caro DLM., andava eu no quarto ano. É obra!
4 A guerra teve diferentes desenvolvimentos consoante as "províncias" ultramarinas. Na Guiné aquilo foi um ar que lhe deu: os portugueses lá iam resistindo (e mal...) entricheirados em quarteis cada vez mais próximos de Bissau. Em Angola, o norte foi sempre problemático quanto a segurança, o leste flutuou entre a guerrilha do MPLA e as alianças com Savimbi. Em Moçambique pouco depois de iniciada a insurreição o Niassa e Cabo Delgado transformaram-se em zonas de morte para os portugueses. Pior: em 73/74 (com os Wiriamus de permeio!!! Leia os relatórios dos padres missionários ao Vaticano - que entretanto recebeu os principais dirigentes das guerrilhas dos três territórios africanos!!! apesar do protesto português...) a guerrilha ia aproximando-se de Tete para não falar do movimento subterrâneo nas cidades de Lourenço Marques e Beira: o melhor indicador disto são as prisões contínuas efectuadas pela PIDE-DGS.
5 como poderá ler no último L'express (2850, 16 a 22 Fev) calcula-se que 100.000 mancebos desertaram entre 62 e 73 ( tudo isso está aliás retratado em "Gens du salto" (2 dvd com um filme e seis curtas metragens, por José Vieira, LA Huit. Custa 30 €). Ou V. pensa que foi pelos seus lindos olhos ou pelos meus que a tropa se revoltou em 1974?
"Isto" estava nas lonas, DLM. Nas lonas!... Se não tivesse sido em Abril era em Maio. Ou Junho. Ou Julho.
6 É verdade que os seus "irmãos de Africa" ficaram mais pobres. As guerras civis e o êxodo dos quadros brancos bastariam para isso apesar de ser conveniente notar que África toda está mais pobre porque as suas exportações são cada vez pior pagas. Pode ter a certeza que nós ficámos mais ricos e mais ricos teríamos ainda ficado se tivéssemos feito a economia de três guerras e se os "nossos" dirigentes políticos tivessem optado por um neo-colonialismo inteligente e barato em vez dum colonialismo estúpido caro e mortal.
7 Meu caro DLM no caso (como acredito firmemente) de V. querer realmente saber como as coisas aconteceram desde finais do seculo XVIII (época em que ninguém dava um tostão pelas colónias, -nem sequer iam para lá... - iam para o Brasil que para África só degredados...) até ao súbito afã do mapa cor de rosa (numa altura em que internacionalmente foi reconhecido não termos ocupação efectiva de 90% do território que ficou em nosso poder - já não falo do delírio entre Angola e Moçambique - tenho, nesta casa que também é sua, livros suficientes para V. ler durante um ano sobre a questão. E não são edições de Moscovo , Pequim ou quejandos. São portuguesas, da Agencia Geral do Ultramar, de historiadores portugueses muitas das vezes nacionalistas. Olhe o exemplo de Lourenço Marques: no século XIX aquilo não existia. Depois fez-se um presídio. Regularmente invadido pelo gentio, só não passou para mãos inglesas porque um marechal e presidente francês, Mac-Mahon, arbitrou a nosso favor a posse de "Delagoa Bay"!!!
8 As belas cidades, que V. não conheceu mas eu conheci quer em Angola (Luanda, Lobito, Benguela e Moçamedes) quer em Moçambique ( LM., Beira, Tete, Nampula, Moçambique, P. Amélia, Nacala, Quelimane etc... etc...), eram só a parte europeia e não os bairros do caniço os musseques as cubatas, os esgotos ao ar livre, a falta de electricidade, água, luz, as ruas de terra batida, carreiros, aliás, e tudo o mais.
9 O sistema de saude: Meu Pai foi um honrado e esforçado médico durante 18 longos anos em Lourenço Marques e Nampula. Nesta última terra onde residiu 16 anos foi o primeiro a receber os clientes por ordem de chegada e não pela cor! Foi director da unidade de Pediatria e Obstetrícia no novo hospital de Nampula (1965) e depois da independência foi convidado a voltar mas já era tarde para um homem que resolvera abandonar Moçambique em 73 farto de ver os filhos presos. Era obviamente um conservador, que os havia honrados. O governo do dr Caetano não lhe permitiu trazer um tostão do dinheiro limpamente ganho lá. Um tostão! Não foi o sr Samora Machel. Foi o sr. Caetano!!! O esbulho foi praticado pelo governo de cá durante a época do Portugal do minho a timor... E, como ele, milhares de portugueses que chegaram a comprar escudos com margens de 30 e 40% !
Pois bem: eu vi o meu pai fazer exames à lepra no mato. Sabe como era? Não sabe mas eu digo-lhe: encostava-se um cigarro aceso á pele do examinando. Não havia quaisquer outros meios... Em Nampula havia uma leprosaria que se debatia com as maiores dificuldades e que não chegava para as encomendas. Não lhe falo de outras doenças para o não maçar ou entristecer: bilharziose, por exemplo. Malária e tudo o resto. Nada. Nada de Nada: em Moçambique havia tres hospitais e mais umas imitações. A maioria dos postos administrativos já ficavam felizes em ter um enfermeiro quanto mais um médico. E nesse capítulo -ó ironia! - a guerra foi formidável: os batalhões traziam médicos e estes (milicianos claro) quando podiam tratavam da saúde das populações.
10 Nós não demos nada. E não demos porque não estávamos em condições de dar. As "partilhas" de que fala estavam feitas e há muito tempo: petróleo para os americanos, Moçambique para a África do Sul (sim para a África do Sul ou V. pensa que sequer afrouxou o envio de trabalhadores para o Rand com Samora? Não afrouxou. Aumentou. E agora então aquilo está cheio de farmers brancos (os farmeiros...) e de hoteis do grupo Pestana, claro.
Meu caríssimo amigo (e falo com a maior das seriedades e a maior sinceridade )Eça ao falar da Índia no capítulo XXXIV da campanha alegre fala da tristeza da nossa colonização e muito incorrectamente (politicamente falando) fala da passividade do indígena. (hoje se escrevesse aquilo as nossas bem pensânsias chamar-lhe-iam tudo!! ). Eça diz da missão civilizadora dos portugueses o que Mafoma não disse do presunto. Não me obrigue a dizer o mesmo da nossa presença em áfrica. Porque me doi como se fosse ontem. Porque o meu avô Manuel foi lá militar. Porque o meu trisavô José costa Alemão exerceu importantíssimas funções no sul de Angola. Porque tios, primos num número enorme se deram áquelas terras, desbravaram, mataram, foram mortos, governaram, um que outro enriqueceu, mas todos, invoco o testemunho dos meus mortos, lhe diriam o mesmo: faltámos á nossa missão se por missão se entende civilizar, criar oportunidades para todos sem excepção, negros e brancos, desenvolver. Tomara eu que as coisas tivessem sido de outra maneira. Mas não. O mesmo avô Manuel, um dos primeiros militares a entrar no território cuanhama, teve funções governativas em S.Tomé. Também, ele mandou embora no primeiro barco os desgraçados contratados que lá permaneciam semi-escravos. Também ele, por isso foi condecorado, promovido e removido imediatamente do cargo. Como no romance Equador.
Isto poderia continuar mas não vale o sofrimento de quem estas escreve. Porque nasci aqui. Porque à minha maneira sou patriota. Pelos meus. E porque gostaria de poder dizer que a história era outra que não esta: uma triste e miserável história em que até os deportados são heróis. Como Cal Brandão em Timor: um deportado político que defendeu a honra de Portugal que um governo impotente e cobarde comandado por um obscuuro professor de finanças não foi capaz de fazer. Como, anos mais tarde, na índia quando mandaram a mensagem infamante e infamíssima: ou hetóis ou mortos. E afinal nem isso.
Um abraço desalentado

C.M. disse...

Não vale a pena, MCR, esse desalento.

É a História da Humanidade, a qual bem sabemos que não é famosa, pois não?

Pelos livros que tenho lido, o entusiasmo seria verdadeiro. Agora, com certeza não era o paraíso (infelizmente).

Mas, ó MCR, hoje não estão todos numa miséria negra?

Amigos meus que estiveram em Moçambique, e lá vão nos dias que correm, fazem-me relatos do antes e do depois: e asseguram-me que hoje é muito muito pior, para os naturais, do que no tempo colonial. Olhe que na saúde, já me têm dito que existiam bons hospitais, onde se realizavam complicadas operações e hoje nem para uma operação à apendicite...


Admiro o gesto do seu Pai, MCR!

Havemos, um dia, quem sabe, ver esses seus famosos livros. Olhe que eu aqui em Lisboa, por vezes ando a farejar os alfarrabistas...é um vício...Mas não tenho nada de importante como adivinho que o meu amigo tem na sua biblioteca.

Mas não me quero alongar.

Obrigado a si e ao Nicodemus, pela colaboração.

Ainda vou fazer serão!

Um abraço (dois...)

dlmendes

C.M. disse...

Caro Nicodemus:

Relativamente ao PIB: era 7% à época! À data...acho que era obra!

Hoje, realmente, em Angola, por exemplo, o PIB é vertiginosamente alto; mas, como nós sabemos, é a velha história do frango: que tem a maior parte?

Bom, sabemos que quem detém o "frango" todo é a respectiva "Nomenklatura"...e que o povo está nas “lonas”...é o costume...

Um abraço!

dlmendes

M.C.R. disse...

As taxas de crescimento agora vão para uns diz e bem DLM. Mas pansará ele que nos tempos da outra senhora iam para os pretinhos?

O nosso "intrometido" não deve ter lido bem o que eu digo. eu não defendo a rapaziada que anda por lá, caro "I". Mas pode ter a certeza que se nos anos 70/74 tivesse havido o referendo de que fala (se os referendantes falassem português o que seria dificil para mais de 60 ou 70% da população os resultados não seriam os que pensa.
Também eu, que nenhuma afinidade tenho com os actuais governos palop, já ouvi essa grosseira balela do "quando é que volta o branco" que nem sequer é original: já o mesmo se disse em relação às colónias inglesas, francesas e, espanto dos espantos, ao Congo ex-belga!!!
O fenómeno colonial tem de ser lido à luz da crua realidade, da ciência sem óculos ideológicos. Ou como diz Nietzsche: "não o teres destruído idolos mas tê-los destruído em ti, essa a tua grande vitória". Ou V. pensa que eu, com uma longa teoria de antepassados servidores do Império Colonial ia começar agora a destruir uma obra a que eles dedicaram toda a vida? É que gente séria (que a houve) não abundava por aquelas paragens e diminuía assustadoramente á medida que se afastava dos centros de poder e do litoral.