O caso Outreau, saiu para as notícias por causa de um escândalo sexual com menores, numa vilória (Outreau) perto de Boulogne sur Mer, no norte da França, em Pas de Calais.
Em 5 de Dezembro de 2000, a comissão de protecção de menores local, de Boulogne sur Mer, informou o “parquet”, ou seja, o Ministério Público local, sobre eventuais agressões sexuais praticadas por um casal – Badaoui-Delay- sobre os próprios filhos. Segundo informação geral disponível na rede e em jornais que agora tratam o assunto com a clareza já possível, o processo de inquérito começou em Janeiro de 2001, a cargo da polícia local.
No final desse mês, o processo é entregue a um juiz de Instrução, Fabrice Burgaud, pelo procurador da República de Boulogne sur Mer, Gérald Lesigne que o analisou previamente.
Poucos meses depois, em Maio 2001, oito vizinhos do casal Delay, são interpelados pelo juiz. Em Novembro, nova leva de mais seis pessoas “notáveis” da localidade, entre as quais um padre, um oficial de justiça, um taxista, e outros. Em Maio de 2002, mais três pessoas.
No total, dezoito pessoas, foram colocadas em regime de prisão preventiva, por suspeitas de abuso sexual de menores, incluindo o casal Delay, por suspeitas de crimes sexuais e conexos, contra cerca de 20 crianças.
Ao fim de quase três anos de Inquérito, em Junho de 2003, 17 pessoas (uma outra suicidara-se entretanto na prisão), foram levadas a julgamento em tribunal colectivo e de júri, na chamada Cour d´assises de Saint Omer.
A acusação é da Câmara de Instrução, composta por três magistrados que avaliam os actos de Instrução praticados até aí, podendo anulá-los ou até arquivar os autos.
Porém, esta Câmara, validou todos os actos judiciais praticados por Burgaud e o seu sucessor Cyril Lacombe (Agosto de 2002 a Março 2003). O presidente desta Câmara, Didier Beauvais, tem agora 58 anos.
Em Maio de 2004, os principais acusados, ou seja, o casal Delay, continuam a confirmar as acusações em relação a todos os outros. Em 10 de Maio, porém, Thierry Delay, desmente-se e denega a acusações.
Não obstante, no julgamento que se produz, com tribunal colectivo e júri de 9 pessoas, são condenadas, em Julho de 2004, 10 daqueles acusados e absolvidos 7.
Em Abril de 2005, após o recurso interposto por alguns dos condenados, o mesmo Thierry Delay proclama em escrito enviado ao tribunal que seis acusados estão inocentes.
Em 18 de Novembro as acusações de violação contra o padre Wiel, são postas em causa pela retractação de duas crianças que o acusavam.
A principal acusada, Myriam Badaoui, confessa ter mentido e proclama a inocência dos seis acusados.
No dia 1 de Dezembro 2005, são absolvidos os 6 acusados e a França, através de representantes oficiais, pede-lhes desculpa.
Depois disto e destes factos serem conhecidos, a França que escreve e pensa sobre estes assuntos, interroga-se sobre o que correu mal.
Quem determinou essa prisão preventiva, entre 2001 e 2004, data da conclusão do processo? O juiz de Instrução designado (pelo procurador do MP), neste caso F. Burgaud e ainda um outro juiz que em França se ocupa das “liberdades e da detenção”, neste caso o juiz Maurice Marlière. Burgaud tem actualmente 34 anos; Marlière tem 49.
Quem avaliou a instrução foram mais três magistrados. Quem julgou os factos em primeira instância foram mais três juízes e jurados. Quem apreciou o recurso foram mais magistrados.
O Parquet, equivalente em França, ao Ministério Público português, agrupa os magistrados encarregados de requerer a aplicação da lei perante os juizes.
Os membros do Parquet estão subordinados a uma hierarquia que se estende até ao chamado Garde des Sceaux, uma espécie de Procuradoria GEral da República que superintende directamente os procuradores gerais.
Estes, a funcionar junto dos tribunais de Recurso (Relação), fiscalizam a actividade dos juizes de instrução, podendo recorrer das suas decisões e principalmente podendo avocar os processos, deslocando-os de circunscrição.
No fim da cadeia hierárquica, estão os procuradores que têm amplos poderes de polícia, uma vez que esta depende deles que também a dirigem. São estes procuradores quem toma conhecimento dos affaires em primeira mão e são eles quem investiga as queixas e denúncias apresentadas e quem no fim de um Inquérito, avaliam a consistência dos indícios, arquivando processos ou entregando-os ao juiz de instrução para que este prossiga a investigação, com medidas que implicam com direitos, liberdades e garantias, passando a fiscalizar a investigação através do eventual recurso das decisões judiciais.
São os juízes de instrução quem têm o poder de determinar buscas, escutas telefónicas, e demais diligências de investigação criminal. E também detenções, “mises en examen” e promoções para a prisão preventiva. Neste caso, controladas e decretadas por um outro juiz das liberdades e da detenção.
No final da instrução, os juizes, remetem-na, com a acusação para posterior julgamento ou arquivam o procedimento.
No processo de Outreau, intervieram assim, várias dezenas de pessoas que decidiram, determinaram e investigaram factos que se revelaram logros, pondo em causa a Justiça do caso concreto e principalmente o sistema de Justiça francês.
Por causa disso, as reacções institucionais e populares, em França, determinaram uma excepcional atenção ao assunto.
Logo em Dezembro, por unanimidade, a Assembleia Nacional francesa decidiu abrir um Inquérito Parlamentar, convocando todas as pessoas para serem ouvidas pela Comissão de Inquérito e também pela opinião pública, através dos media que transmitiram algumas sessões em directo.
Em 18 de Janeiro de 2006 foram ouvidos os absolvidos de Outreau. Logo a seguir os seus advogados.
Entre estes depoimentos avulta o do padre Wiel que declarou muito simplesmente que “ Acho muito curioso que os media pusessem tanto empenho em meter-me num buraco como agora a pôr-me nos píncaros”! E passou a frisar a perplexidade que o convoca sempre que verifica a facilidade com que do mesmo modo como o trataram publicamente como um “salaud” agora o tratam como um herói popular.
Para rematar, disse ainda que os media em geral e as pessoas da imprensa em particular, têm uma grande responsabilidade no que se passou, devendo fazer uma reflexão séria, porquanto são um quarto poder sem contra-poder.
E se os juizes já estão a interrogar-se, o padre Wiel espera que os media façam o mesmo.
No programa (Arrêt sur Images, France5, 18.12.2005), dois jornalistas, dos pouquíssimos que aceitaram dar a mão à palmatória, vão ao ponto de confessarem que “trabalharam com areia e que esta lhes fugia das mãos...” Confessaram que durante algumas semanas, as fontes de informação eram provenientes do parquet de Boulogne, da polícia, e também dos representantes das crianças que depuseram perante a imprensa, gizando cenários diabólicos e credíveis, de pedofilia em rede extensa que veio a revelar-se uma pista falsa.
Para além disso, os jornalistas denunciaram a extrema abertura do Parquet de Boulogne para fornecer as informações sobre o caso e da própria polícia local que lhes dizia abertamente “ É betão”(informações sólidas) “Podem avançar à vontade” ! E no entanto, perceberam também que as informações provinham de testemunhos, apenas...e que tudo assentava em testemunhos.
Assim, são os jornais que são abertamente questionados, por causa do sensacionalismo das notícias e da pressa em transmitir novidades. E o veredicto é grave: foram também os media quem, na voragem de uma ridicularização da presunção de inocência e da pronúncia do veredicto, contribuíram para legitimar ou confortar o percurso da máquina judiciária contra os acusados de Outreau.
(Continua)
Em 5 de Dezembro de 2000, a comissão de protecção de menores local, de Boulogne sur Mer, informou o “parquet”, ou seja, o Ministério Público local, sobre eventuais agressões sexuais praticadas por um casal – Badaoui-Delay- sobre os próprios filhos. Segundo informação geral disponível na rede e em jornais que agora tratam o assunto com a clareza já possível, o processo de inquérito começou em Janeiro de 2001, a cargo da polícia local.
No final desse mês, o processo é entregue a um juiz de Instrução, Fabrice Burgaud, pelo procurador da República de Boulogne sur Mer, Gérald Lesigne que o analisou previamente.
Poucos meses depois, em Maio 2001, oito vizinhos do casal Delay, são interpelados pelo juiz. Em Novembro, nova leva de mais seis pessoas “notáveis” da localidade, entre as quais um padre, um oficial de justiça, um taxista, e outros. Em Maio de 2002, mais três pessoas.
No total, dezoito pessoas, foram colocadas em regime de prisão preventiva, por suspeitas de abuso sexual de menores, incluindo o casal Delay, por suspeitas de crimes sexuais e conexos, contra cerca de 20 crianças.
Ao fim de quase três anos de Inquérito, em Junho de 2003, 17 pessoas (uma outra suicidara-se entretanto na prisão), foram levadas a julgamento em tribunal colectivo e de júri, na chamada Cour d´assises de Saint Omer.
A acusação é da Câmara de Instrução, composta por três magistrados que avaliam os actos de Instrução praticados até aí, podendo anulá-los ou até arquivar os autos.
Porém, esta Câmara, validou todos os actos judiciais praticados por Burgaud e o seu sucessor Cyril Lacombe (Agosto de 2002 a Março 2003). O presidente desta Câmara, Didier Beauvais, tem agora 58 anos.
Em Maio de 2004, os principais acusados, ou seja, o casal Delay, continuam a confirmar as acusações em relação a todos os outros. Em 10 de Maio, porém, Thierry Delay, desmente-se e denega a acusações.
Não obstante, no julgamento que se produz, com tribunal colectivo e júri de 9 pessoas, são condenadas, em Julho de 2004, 10 daqueles acusados e absolvidos 7.
Em Abril de 2005, após o recurso interposto por alguns dos condenados, o mesmo Thierry Delay proclama em escrito enviado ao tribunal que seis acusados estão inocentes.
Em 18 de Novembro as acusações de violação contra o padre Wiel, são postas em causa pela retractação de duas crianças que o acusavam.
A principal acusada, Myriam Badaoui, confessa ter mentido e proclama a inocência dos seis acusados.
No dia 1 de Dezembro 2005, são absolvidos os 6 acusados e a França, através de representantes oficiais, pede-lhes desculpa.
Depois disto e destes factos serem conhecidos, a França que escreve e pensa sobre estes assuntos, interroga-se sobre o que correu mal.
Quem determinou essa prisão preventiva, entre 2001 e 2004, data da conclusão do processo? O juiz de Instrução designado (pelo procurador do MP), neste caso F. Burgaud e ainda um outro juiz que em França se ocupa das “liberdades e da detenção”, neste caso o juiz Maurice Marlière. Burgaud tem actualmente 34 anos; Marlière tem 49.
Quem avaliou a instrução foram mais três magistrados. Quem julgou os factos em primeira instância foram mais três juízes e jurados. Quem apreciou o recurso foram mais magistrados.
O Parquet, equivalente em França, ao Ministério Público português, agrupa os magistrados encarregados de requerer a aplicação da lei perante os juizes.
Os membros do Parquet estão subordinados a uma hierarquia que se estende até ao chamado Garde des Sceaux, uma espécie de Procuradoria GEral da República que superintende directamente os procuradores gerais.
Estes, a funcionar junto dos tribunais de Recurso (Relação), fiscalizam a actividade dos juizes de instrução, podendo recorrer das suas decisões e principalmente podendo avocar os processos, deslocando-os de circunscrição.
No fim da cadeia hierárquica, estão os procuradores que têm amplos poderes de polícia, uma vez que esta depende deles que também a dirigem. São estes procuradores quem toma conhecimento dos affaires em primeira mão e são eles quem investiga as queixas e denúncias apresentadas e quem no fim de um Inquérito, avaliam a consistência dos indícios, arquivando processos ou entregando-os ao juiz de instrução para que este prossiga a investigação, com medidas que implicam com direitos, liberdades e garantias, passando a fiscalizar a investigação através do eventual recurso das decisões judiciais.
São os juízes de instrução quem têm o poder de determinar buscas, escutas telefónicas, e demais diligências de investigação criminal. E também detenções, “mises en examen” e promoções para a prisão preventiva. Neste caso, controladas e decretadas por um outro juiz das liberdades e da detenção.
No final da instrução, os juizes, remetem-na, com a acusação para posterior julgamento ou arquivam o procedimento.
No processo de Outreau, intervieram assim, várias dezenas de pessoas que decidiram, determinaram e investigaram factos que se revelaram logros, pondo em causa a Justiça do caso concreto e principalmente o sistema de Justiça francês.
Por causa disso, as reacções institucionais e populares, em França, determinaram uma excepcional atenção ao assunto.
Logo em Dezembro, por unanimidade, a Assembleia Nacional francesa decidiu abrir um Inquérito Parlamentar, convocando todas as pessoas para serem ouvidas pela Comissão de Inquérito e também pela opinião pública, através dos media que transmitiram algumas sessões em directo.
Em 18 de Janeiro de 2006 foram ouvidos os absolvidos de Outreau. Logo a seguir os seus advogados.
Entre estes depoimentos avulta o do padre Wiel que declarou muito simplesmente que “ Acho muito curioso que os media pusessem tanto empenho em meter-me num buraco como agora a pôr-me nos píncaros”! E passou a frisar a perplexidade que o convoca sempre que verifica a facilidade com que do mesmo modo como o trataram publicamente como um “salaud” agora o tratam como um herói popular.
Para rematar, disse ainda que os media em geral e as pessoas da imprensa em particular, têm uma grande responsabilidade no que se passou, devendo fazer uma reflexão séria, porquanto são um quarto poder sem contra-poder.
E se os juizes já estão a interrogar-se, o padre Wiel espera que os media façam o mesmo.
No programa (Arrêt sur Images, France5, 18.12.2005), dois jornalistas, dos pouquíssimos que aceitaram dar a mão à palmatória, vão ao ponto de confessarem que “trabalharam com areia e que esta lhes fugia das mãos...” Confessaram que durante algumas semanas, as fontes de informação eram provenientes do parquet de Boulogne, da polícia, e também dos representantes das crianças que depuseram perante a imprensa, gizando cenários diabólicos e credíveis, de pedofilia em rede extensa que veio a revelar-se uma pista falsa.
Para além disso, os jornalistas denunciaram a extrema abertura do Parquet de Boulogne para fornecer as informações sobre o caso e da própria polícia local que lhes dizia abertamente “ É betão”(informações sólidas) “Podem avançar à vontade” ! E no entanto, perceberam também que as informações provinham de testemunhos, apenas...e que tudo assentava em testemunhos.
Assim, são os jornais que são abertamente questionados, por causa do sensacionalismo das notícias e da pressa em transmitir novidades. E o veredicto é grave: foram também os media quem, na voragem de uma ridicularização da presunção de inocência e da pronúncia do veredicto, contribuíram para legitimar ou confortar o percurso da máquina judiciária contra os acusados de Outreau.
(Continua)
10 comentários:
Espere pela segunda volta...
Meu Caro Forte é sempre caro, seja qual for o nome):
Li com atenção o seu postal. Estava eu convencido que ia falar sobre os erros da justiça em França e acabo por ver que tudo foi para demonstrar que os media erram...
Meu caro carteiro:
Folgo em vê-lo na posição avançada de extremo defensor da maior corporação existente em Portugal: a dos jornalistas! Qual Farmácias! Quais magistrados! Quais políticos de carreira!
Jornalistas é que é! Seja então bem vindo a um clube restrito dos que defendem as damas antigas, sem preconceitos a não ser a defesa à outrance. Faça de advogado do diabo que até dá para uma boa discussão.
"A maior corporação em Portugal: os jornalistas." - bem.....
Meu caro Forte,
Não prejudique a inteligência do seu post com comentários deste tipo. Todos sabemos que não é assim...se fosse, acha que existiam buscas a uma redacção de um jornal? É que comentários como este, dão-me uma vontade enorme de afiar o dedo, mas ainda é cedo...sou corporativo, vou tomar os medicamentos pra gripe e depois trabalhar um pouco.
Um abraço
Carlos Rodrigues Lima
Meu caro Carlos Rodrigues Lima:
Está a ver como as coisas são, quando alguém que não pertence à corporação se intromete com a mesma?!
Este meu comentário, foi apenas uma pequena provocação, à espera de uma reacção exactamente como a sua, para ficar bem claro que todos nós que trabalhamos em determinados mesteres, temos a nossa própria visão do terreno que pisamos.
E isso parece-me bem.
Ao contrário do que possa pensar, acho mesmo que é de bom tom que quem conheça as regras, hábitos, rotinas, princípios e valores dos mesteres onde se insere, os faça valer e mostre a quem os não conheça bem que há qualidades e valores naquilo que se faz.
É esse o aspecto positivo da posição corporativa. O negativo será apenas a defesa tipo sindicalista de todo e qualquer desvio que toda e qualquer pessoa pode detectar a olho nu, sem preconceitos.
No caso dos jornalistas, vejo um presidente sindicalista que me parece cromático em dois tons apenas: vermelho e preto. Tal como no livro de Stendhal...
Cumprimentos. Apareça e faça mesmo o gosto ao dedo, afiando a crítica que lhe parece justa.
Como sou novo blogueador, com este apelido próprio,entenda-se, prometo que serei mais comedido e até condescendente.
E assim, fica o recado dado.
A minha reacção é óbvia: não considero que os jornalistas sejam corporativos. Aliás, só o facto de trabalharem para empresas privadas, sujeitas às regras da concorrências, torna-os tudo menos corporativos. Houve no passado episódios que demonstram isto mesmo: recorde-se o caso das cassetes do jornalista do Correio da Manhã. Acha que os jornalistas foram corporativos? Saíram todos em defesa do O Lopes? Ou, pelo contrário, publicaram-se notícias que colocavam em causa o senhor? Não sei onde está o corporativismo.
Outro exemplo: o presidente da CM Porto, Rui Rio, instituiu novas regras para a imprensa. Em resumo, entrevistas só por escrito. Viu os jornalistas a tomarem uma posição corporativa e avançarem com um boicote informativo (como eu acho que se justificava) ás actividades da CM Porto? Não.Razão: concorrência entre os meios.
Eu - talvez por defeito - não sou nada corporativo. Já aqui o disse e repito. O que escrevo não são verdades absolutas, tipo as leis do Pacheco Pereira. Os textos dos jornais podem e devem ser criticados. E o jornalista deve responder às críticas e, se for caso disso, admitir o erro. Não custa nada....
Abraços
Carlos Rodrigues Lima
Os jornalistas portam-se como as restantes corporações. P. ex. a dos magistrados... Ah ah ah
caros contrincantes: arranjem-me uma corporação já que de certeza não aceitam a dos jogadores de bridge nesse selecto club.
Meu caro Forte:
Eu não sou, como sabe, da "corporação" dos jornalistas. Já por lá passei, é certo. E tive a oportunidade de perceber que não há mesmo uma corporação de jornalistas. Por ter feito o meu trabalho o melhor que sabia, houve um tempo em que cheguei mesmo a ser vilipendiado por outros jornalistas. Eu estou por aqui, alguns já morrreram, outros não têm o menor crédito.
Claro que ainda hoje acompanho a carreira de muitos jornalistas. Uns do meu tempo, outros que são protagonistas dos tempos que vieram depois. Tenho boas relações com muitos - uma boa relação assente sempre numa base de lealdade que não se confunde com promiscuidade que eles não querem e eu também não - e uma péssima relação com alguns. Eu sei ditingui-los. E eles também sabem distinguir-se entre si.
Posso garantir-lhe que, no meio jornalístico, há solidariedades. Mas também há concorrência. Tudo como deve ser. Os jornalistas não funcionam em bloco. Os jornalistas não se preocupam muito com o sindicato. Os jornalistas bons que eu conheço preocupam-se em fazer o melhor que sabem. E podem. Os jornalistas maus lá sabem o que fazem. Eles discutem notícias, mas não discutem tudo. Sou testemunha disso.
E, no meio disto, os advogados. Corporação? Ninguém acredita. Como já aqui escrevi, a primeira vez que votei para os órgãos da ordem foi nas últimas eleições. Advogados corporativos? Esqueçam todos.
O que distingue, afinal, uns e outros?
Quando dois (ou mais) advogados se encontram, falam de direito. Certo. Mas trocam experiências, colocam questões concretas uns aos outros. Trocam opiniões sobre as coisas concretas da justiça.
O que acontece quando dois (ou mais) magistrados se encontram? Não vou generalizar. Mas do que vi, falam do sindicato, do Conselho Superior, do PGR, das inspecções, dos malfadados jornalistas, do sistema de segurança social, das férias judiciais. FALAM DE PODER e de privilégios de classe.
É este o traço distintivo. E daqui, concluo que nem os jornalistas nem os advogados funcionam como corporação. E os magistrados? Funcionam.
Eu não costumo explicar-me muito bem. Mas, ainda assim, tentem perceber isto que escrevo. Se conseguirem, perceberão muitas mais coisas...
Segundo o meu Il Dizionario di Politica, de Norberto Bobbio et al., "corporativismo" é uma doutrina que propõe, graças à organização social na base de uma solidariedade orgânica dos interesses concretos e das fórmulas de colaboração que daí possam derivar, a remoção ou neutralização dos elementos conflituais: a concorrência no plano económico, a luta de classes no plano social a diferenciação no plano político."
Caro carteiro:
A palavra "corporativismo" assume hoje em dia o significado de umas outras palavras que serviram antes para desqualificar discussões.
Antes de 25 Abril, "subversivo" ou "comunista" eram o anátema fatal.
Logo depois, passou a ser "fassista" e mais tarde "reaccionário". Mais a seguir, uma chuva de ismos, inundou o léxico da novi língua.
Um dos termos capadores, era "protagonista"! Ai do magistrado que apanhasse com a lepra! Nunca mais se curava do mal.
Agora, nestes tempos modernos, a palavra maldita é, precisamente "corporativista".
Cá por mim, deixo-a pousar e avalio o peso específico.
Pode ser que sim e pode ser que não.
Assim, corporativo, para mim, só adquire significado manhoso quando se refere a algo que se organiza acriticamente em roda de interesses próprios e limitados, passando por uma defesa desses interesses contra toda a lógica de senso comum.
Nesta perspectiva, nem os jornalistas na sua esmagadora maioria serão corporativos; nem os farmacêuticos, os médicos, os advogados, os magistrados ou os varredores de lixo da Câmara do Porto. E daí se pode inferir que estava a brincar com termos quando apodei a classe dos jornalistas como a mais corporativa de todas. Mas na verdade, sê-lo-á tanto como as outras...
Mas haverá atitudes corporativas nessas classes?! Talvez.
Deverá a atitude de quem defende sempre essas classes ser classificada como índício certo de corporativismo? Depende: se a defesa é sempre irredutível, nunca se anganando nem tendo qualquer dúvida, pode ser.
Se for apenas a defesa de uma perspectiva mais esclarecida de quem se situa bem no interior de uma classe e assim a conhece melhor, escrevendo desse ponto de observação, porque é que esse simples facto, deverá classificar-se como "corporativo"?
Acho que esta perspectiva será mais razoável...
Desculpem, mas perderam-se do post inicial e acabaram por não discutir praticamente nada relacionado com o seu conteúdo.
Parabéns ao seu autor: colocou muita informação relevante em forma de se poder compreender alguma coisa do que se passou no caso de Outreau.
Já sugeri aos leitores do blog onde escrevo que viessem cá ler este post e a sua continuação.
Questão muito interessante que decorre do post é a solidão do Juiz, colocado perante o seu dever, isolado, por vezes pressionado, outras vezes cheio de dúvidas, mas que mesmo assim tem que decidir, mais precipitadamente ainda quando existe um processo em que já há pessoas presas.
É assunto para uma tese ou um mestrado...
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