Gosto de te ouvir, tu debruçada sobre o piano num vai-vem suave e dos teus esgares cheios de graça a cada movimento e eu mais ou menos parvo, indeciso sobre o que tocas, que eu sei pouco disso e de quase todas as coisas, mas gosto de te ouvir, sentado no meu silêncio a dois passos, nada menos que dois passos, para não perturbar o suave correr dos dedos pelo teclado. Branco e preto. É assim que são os pianos, isso eu sei, já sabia antes de ti, que eu nasci antes, antes de mais, tanto mais que não ouso. Às vezes perco a música sem me perder na música e prendo-me nos teus dedos, os teus dedos longos, dedos que nunca beijei, eu que só um beijador militante de dedos, porque gosto de dedos, dedos longos, sim, como os teus.
Às vezes deixas correr os dedos e olhas para o meu silêncio sentado. Um olhar breve que me parece distraído, e eu sorrio um sorriso pouco menos que parvo, e olho a chuva que cai e imagino os teus dedos longos, esta noite, um a um, num princípio sem fim.
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