Esta já está. Para o ano há mais.
Dizia-vos eu, queridas paroquianas, que nos encontros Literatura em Viagem, iria ter uma tripulação de luxo na sexta (e última) mesa redonda (por sinal imponente e rectangular...) que seria por mim moderada?Pequei por defeito, fregueses meus... Por defeito gordo e deleitoso. Então não é que, perante uma espantosa afluência, se teve de abrir um outro auditório onde um nutrido grupo de pessoas seguiu as intervenções em ecrã gigante?
E mais: querem saber que dois "camaradas"(e nas terras pescadoras e salgadas como Matosinhos ou a Figueira da Foz "camarada" quer dizer membro da"companha" ou, traduzido em moderno e redutor, pescador) da barca incursões, estavam presentes? E que os apresentei um ao outro? Anto meets José, o temível leitor, e vice versa?
E ainda mais (Jesus isto vai num crescendo...) que me apareceu uma bonita leitora nossa, daqui, deste navio espacial que cruza o éter ignoto, e que me disse amabilidades maravilhosas que me fizeram corar de ternura e reconhecimento? E que manda beijos ao Carteiro, sempre esse homem fatal.
Uma leitora, ó amigos meus, uma leitora que algum dia lançou ao ecrã a sua rede curiosa e gentil e apanhou esta troca de mensagens da alegria e da convivência civil, da discussão e do desacordo tolerante e que nos vem lendo até hoje com a cúmplice paciência dos leitores que tomam passagem nesta barca em os colaboradores e comentadores remam não como galeotes mas tão só por sentirem prazer na companhia uns dos outros.
Leitora aparecida e desaparecida entre as ondas da multidão que se acotovelava para pedir um autógrafo ao Mia ou ao Ondjaki, por favor, mande o seu comentário de quando em quando para nos sentirmos mais quentinhos por saber da sua presença.
É que, sabe?, ele há dias de nevoeiro denso nesta navegação à bolina, junto da costa rochosa, e cai-nos bem ouvir a ronca, ou ver a baça manhã nevoenta abrir-se de repente por um foguete de lágimas, um bola de fogo que rebenta lá em cima e desce, lenta, magestosa e protectora, para o mar.
É um outro sol, mais pequeno e próximo mas não deixa de nos aquecer a alma e de nos acompanhar um momento, esse momento indeciso em que as mãos enregeladas já seguram mal o remo, o leme, as redes pesadas.
Mas eu dizia que as coisas correram bem, como se me estivesse a atribuir neste diário de bordo uma importância que não tenho e de que não quero, nem posso, arrogar-me. antes pudesse.
Explicando: ao abrir a sessão, e ao ver aquele auditório repleto, as pessoas de pé ao fundo e ao lado, lembrei-me desta imagem maritima da barca.
À barca, à barca que temos gentil maré, como dizia Mestre Gil no início do Auto da Barca do Inferno, se a memória me não atraiçoa. Foi algo que me ocorreu depois de ter estado com dois outros amigos do meu tempo de Coimbra, a Fernanda e o Amaro, gente do Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra, TEUC, que nos vieram cumprimentar ( o outro dos saudados é o Fernando António Almeida, autor de roteiros por esse desconhecido país que se chama Portugal. Procurem-lhe os guias pela D. Quixote, umas Vidas Maravilhosas de Santos delirante ou Contos pequeníssimos na Teorema. Verão que a pescaria é boa, abundante e de muito proveito). Em homenagem cifrada a estes três (e ao Anto que comigo foi do CITAC, outro grupo teatral do mesmo tempo) comparei a mesa a uma barca onde, das duas. uma:
ou aquilo era um desses "meios de transporte marítimo" todo cheio de nove horas, de continências e rodriguinhos em que o comandante mcr teria um imediato, o sapientíssimo Alexandre Quintanilha, físico teórico de fama pluricontinental, um engenheiro de máquinas, o Mia Couto e um .... grumete (dada a idade) o notável e talentoso escritor angolano Ondjaki (que com o seu bom amor e a sua perigosa juventude, pediu para passar de grumete a maresia como se isso fosse possível, ai que menino mais endiabrado você tem mamana? Menino assim a fazer gazeta à escola todos os dias, quem já viu?)
ou uma barca dessas que vão sempre junto á margem e transportam passageiros de circunstância, em que mcr era o remador e os três preopinantes já citados seriam passageiros pagantes da travessia.
Optei por esta segunda hipótese mais consentêa com a realidade das coisas.
Barca pouco remada, lenta, sem rumo fixo, ao tom e ao som das intervenções dos passageiros e dos gritos de terra (do auditório). Intervenções que deveriam levar dez minutos estenderam-se espraiaram-se por outros tantos ou mais. Até o Alexandre Quintanilha que, minutos antes, me jurara ser pessoa rigorosíssima e pontual mandou o relógio às malvas ( ou melhor ignorou-o ostensivamente apesar de o ter posto ao lado das folhas de apontamentos) e aí vai disto.
O Mia que no dia anterior me confidenciara que só poderia falar cinco minutos acabou por quadruplicar ou quintuplicar esse seu tempo. Ou então é o tempo tropical que é mais caprichoso que este nosso, de cá. Devem ser efeitos do cacimbo...
A falar verdade só eu e o Ondjaki andámos mais ou menos dentro dos limites horários impostos. E mesmo assim... É que ao ser convidado pelo Francisco Guedes para moderar uma mesa eu bem o avisei: Chiquinho, mano, eu sou, nisto de literaturas e similares, mais pró anarca. É um risco enorme pôr-me a polícia sinaleiro de escritores e outra gente de maus costumes.
Mas o Chico não tem emenda. Insistiu. Eu, que gosto mais disto do que de marisco, aceitei, claro, contente que nem um cuco. E pronto, naufragámos não pela carga de pimenta ou especiarias mas porque a coisa corria bem disposta perante um público muito interventivo de onde saiu de tudo. Bom, assim assim, discurso nacionalista, um toque subtil de feminismo, outro tanto de poesia e bom humor. E eu na maior. Qual hora nem meia hora, venham daí mais cinco como diria o querido Zeca Afonso. Ultrapassámos todos os limites e mais seria não fora saber que o restaurante não podia esperar mais por nós. Eu deveria ter contado a parte substancial, referido mais as intervenções mas que querem, acordei à uma hora e pouco com o calor, sentei-me aqui e...saltam mais duas de escrita anárquica, para a mesa do canto. O Anto e o José que me corrijam a rota, o diário de bordo e proponham ao armador um correctivo adequado para tão mau mas grato marinheiro de água salobra.
E à leitora anónima e bonita que me cumprimentou, com permissão da minha mulher (que, uma vez sem exemplo, saiu do serviço só meia hora depois do seu fecho oficial, par me acompanhar!!!...) um beijão enorme e agradecido deste sempre seu
mcr
É 25 A: aproveitem o feriado, passeiem, apanhem sol, comam-lhe bem e... leiam um livro. É uma viagem barata e digestiva. Passem bem.
nota: no próximo "Au Bonheur des Dames" atrever-me-ei a publicar a minha intervenção na mesa redonda "Porque deambulam os homens em vez de ficarem quietos?"
13 comentários:
Detesto escrever directamente para o buraquino do r+texto. as gralhas, antes fossem gaivotas, animal mais marºitimo, perseguem-me rancorosamente, bombardeiam-me com caganitas e zás, um texto que, à falta de bom poderia sair limpinho, aparece manchado com quatro ou cinco asneiras. Assim onde se lê consentea leia-se consentânea, onde vem efitos leia-se efeitos, acrdei, acordei e o bom amor do Ondjaki é, claro, bom humor.
LINDO!!!!!!!!!!!!!!!!!
Lindo o seu texto!
Nesta manhã, vou aproveitar a sua sugestão: irei até junto do mar, e andar ao longo da areia, de mãos dadas...
Adoraria ter estado presente. Ainda ponderei apanhar o "foguete" para o Porto; se o evento fosse aí pelas 20H OU 21h, ainda teria tido possibilidade. Mas às 18 Horas teria de ausentar-me da parte da tarde, o que seria complicado...
Olhe, eu vou ao Porto amanhã, quarta-feira, mas a correr: vou ao Tribunal Administrativo, para um julgamento mas regresso logo a Lisboa, pois tenho outro aqui, na manhã seguinte...
Isto é uma vida a correr! E depois não há tempo para ler outra coisa senão Direitos…
Eu sabia que ia correr bem, MCR, e eu devia ter ido. Ver a sua prestação, rever o José e conhecer o Anto e também a bonita leitora que me mandou beijos e que me atrevo a supor tenha usado o nick CHOCOLATE em postal mais abaixo, no seu primeiro comentário. Mas, ontem, dediquei o tempo a pensar. Isto é: fiquei quieto em vez de deambular.
POis não sabe o que perdeu, caro Carteiro!
A deambulação de Alexandre Quintanilha, pelos meandros da Cultura, valeu a deslocação, só por si.
Mas na verdade, o que me motivou foi apenas rever e cumprimentar o aqui escritor de crónicas fleuve e que trazem sempre anexadas algumas referências dignas de nota.
Uma crónica de M.C.R. ( tal como as de d´oliveira) comportam intertextualidades que me agradam e por isso merecem atenção.
No entanto, a visita à biblioteca de Matosinhos revelou uma surpresa: cheia como um ovo, com assistência interessada em ouvir as histórias de escritores e intervenções sobre leituras, viagens e dimensões culturais.
Para além disso, saí mais rico do que entrei: trouxe um livrinho de um certo Anto que não conhecia e com troquei umas breves e calorosas palavras que aqui agradeço publicamente, porque vieram acompanhadas de uma poesia como esta:
" os livros são como os gatos
silenciosos dormem nas estantes
a esmo insinuam-se por vezes
doem nas garras das palavras
da história as arquitecturas
do sentimento os livros habitam
os sonhos que amaram cheiram
nas obscuras vozes da infância
no tempo que comigo se gastaram
os livros felinos vigilantes"
...
Ah se eu pudesse ter estado lá...
Esse poema está mesmo em cima dos meus livros sobre o surrealismo, num pequeno quadro.
Pois, imagino o que perdi, José. Mas, olhe, decidi passar o tempo a pensar sobre a liberdade e sobre a melhor forma de dar uso à minha liberdade.
MCR: assalta-me uma dúvida: deve dizer-se
PORQUE deambulam os homens?
OU
POR QUE deambulam os homens?
Carteiro:
Mesmo com risco de passar por intrometido, ao responder a pergunta que não me é dirigida, aproveito para dizer que tenho vindo a reparar na subtileza da utilização do advérbio "porque" e a conjugação da preposição por e do pronome que , ou seja, "por que", em cada vez mais ocasiões.
E muitas vezes, se calhar, mal.
A minha regra procura ser esta:
se o "porque" é interrogativo e é advérbio, contendo por isso um motivo implícito, escrevo "porque".
Se por outro lado, é uma conjugação em que o "que" aparece como interrogativo e poderia substituir-se por "qual" então, escrevo "por que", pois poderia escrever também por qual...
No caso concreto, estará certo "porque deambulam os homens" ( ou as mulheres...)
Parece-me.
Obrigado, José. Mas eu tendo a ver a coisa de outro modo. Utilizo o por que na interrogativa e quando quando se pretende dizer por que razão. Ora, partindo deste princípio que pode estar errado, eu diria: por que [razão] deambulam os homens?
Que um linguista nos esclareça.
Seja "por que", seja "porque", poderá sê-lo sempre na interrogativa.
Num caso usa-se o pronome interrogativo "que" associado à preposição "por", quando se pode substituir o tal pronome por outro, no caso "qual".
Em "porque" , também interrogativo, é o advérbio que manda e sempre que o "motivo" está implícito.
Assim: "porque" [motivo, implícito]deambulam os homens?
No caso não poderia dizer-se "por que" deambulam os homens, substituindo o tal "que" pelo "qual".
Parece-me ser essa a razão que subjaz à distinção.
Amanhã responderei no Bonheur á questão essencial. Acho que a a pergunta implica porque. Talvez a nossa misteriosa leitora bonita saiba e nos ilumine. Ou ilumine este texto.
Mova-se leitora, não fique aí quieta, deambule entre este grupo de amigos que por sua vez deambulam porque são curiosos e querem sentir-se vivos.
Por qual motivo? Por que razão? Acho que vai dar ao mesmo, José. Mas insisto: não tenho posição definitiva. Esperemos que MCR amanhã nos dê opinião. E a leitora bonita que me mandou beijos, também.
Por exemplo: nas última sautárquicas, num cartaz da CDU aqui no Porto, os comunistas queriam ganhar a Câmara. E perguntava Rui Sá: "Por que não?" E eu achei que estava bem. Na senda do que tenho estado a defender: por que razão não? por qual motivo não?
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