20 abril 2006

Os nossos deputados

O episódio vivido com as faltas dos deputados às votações de quarta-feira da semana passada não pára de nos surpreender. Pelas justificações dadas por alguns e pela desfaçatez com que outros tentam branquear o que se passou.

Um actual vice-presidente da Assembleia da República, Guilherme Silva, diz que tudo foi feito para que tal acontecesse. Porque não devia haver plenários na semana santa (os portugueses não trabalham nessa semana?), porque não devia haver votações ao final da tarde (os deputados picam o ponto e têm hora de saída?), porque se estava mesmo a ver que no final de quarta-feira muitos iriam sair mais cedo (os restantes assalariados também podem ter estes pensamentos?).

Um antigo vice-presidente do parlamento, Narana Coissoró, corrobora tudo isto e diz mesmo que, por exemplo, em dia de Benfica-Barcelona (uns meros quartos-de-final da Liga dos Campeões), não deve haver plenário. Se calhar quando se tratar de uma final europeia o parlamento deveria contratar um charter! Sim, porque o facto de uns quantos deputados do Porto irem a Sevilha assistir a uma final da Taça UEFA e quererem ter a falta justificada só mereceu indignação porque eram…azuis e brancos.

Pacheco Pereira explicitou ontem, na “Quadratura do Círculo”, o que é a vida e os vícios da generalidade dos deputados. Se ainda houvesse dúvidas.

4 comentários:

M.C.R. disse...

Que um deputado falte por razões importantes muito bem. Que falte num dia sem votações porque há outras tarefas (nem que sejam as políticas no círculo) ainda vá. Mas que, manhosamente, marque o ponto e depois dê à sola, isso já é demais. É apenas e tão só uma desonestidade. Um mero caso de polícia.
Claro que muita da indignação que por aí corre é repelente. Tão virtuosa que cheira mal Penso que o grave é extrair daqui ilações para arrear uma vez mais nos políticos. O melhor é pensar como é que o país pensa a cidadania que reclama mas não pratica. Não pratica! Conviria também tentar perceber porque é que um deputado se lembra de fazer gazeta e julga, o inocente cretino, que ninguém vai dar por isso. E de facto, 90% dos deputados entram mudos e saem calados. Ninguém sabe quem são esses cavalheiros e ainda bem para eles porque fora os tenores e os lideres de bancada o resto é o rebotalho habitual. E isso cria-se quando as listas são gigantescas. Eu, quando voto, não sei (felizmente) mais do que os sete ou oito primeiros nomes da lista onde ponho a cruz. E mais: tenho a certeza que se o partido onde depositei (mal) a minha confiança ganha as eleições então estamos perdidos. Lá vão para o governo boa parte dos eleitos e são rapidamente substituidos por gente inqualificavel escolhida pelo aparelho entre os fieis fidelíssimos que há que premiar. Dizem-me que a eleição uninominal é má porque dá todo o poder aos caciques. E esta por lista onde entra todo o cão e gato apenas porque um dia transportou a pasta do chefe ou do subchefe?
antes que alguém venha à má fila concordar comigo apresso-me a dizer que prefiro apesar de tudo um parlamento á base de eleições livres e democráticas do que um parlamento nomeado como no antigamente. A democracia pode ser fraquinha mas há brm pior. E eu vivi isso durante trinta e tal anos.
entendido?
boas noites.

o sibilo da serpente disse...

Queiram ou não, os deputados que temos são pessoas acima da média. Deixem-me acreditar que é assim. É que eu tenho a pretensão de ser da média e nunca me convidaram para ser deputado. :-)

C.M. disse...

Caro JCP, é com gosto que comento o seu postal.

A posição de Guilherme Silva é de alguém que toda a vida tem pisado os corredores da Assembleia da Republica e que já nem se apercebe das asneiras que diz.

Concordo inteiramente consigo: então os deputados não são trabalhadores com deveres iguais (se não acrescidos) aos demais portugueses? É preciso descaramento!

E andam estes “representantes” (?!?) do “povo” a atirar pedras à Administração Pública, que é preciso moralizar o funcionamento dos serviços, pendurar (é o desejo secreto deles) os funcionários nos pelourinhos…

C.M. disse...

Nicodemos levanta a questão dos círculos uninominais.

Não tenho opinião muito firme sobre esta questão, pois eu até estou convicto que este sistema parlamentar é um fracasso na sua globalidade.

Ele não garante a estabilidade política, a meu ver extremamente necessária num País em que não existe qualquer disciplina, a começar pelos políticos e pelos deputados.

Assim, a eficácia governativa dilui-se, é corroída.

Os partidos políticos invadem, quais polvos gigantes, a esfera própria dos cidadãos, tornando estes ainda mais apáticos e longe dos centros de decisão.

O Parlamentarismo é apenas fonte de instabilidade, e sede dos apetites vorazes daqueles que, da política, fazem o seu modo de vida, através de jogos partidários e de golpes palacianos. Veja-se a Constituição de 1911 e no que deu…

Assim, o nosso sistema é inadequado, pelas razões que apontei acima.

Quanto aos círculos uninominais, são uma espada de dois gumes: é certo que o nosso actual sistema não garante, bem pelo contrário, a necessária proximidade entre os cidadãos e os seus (alegados) representantes. Uma solução para obviar a este grave inconveniente, que subverte, aliás, toda a base do sistema, seria a criação daqueles.

Contudo, recordo aqui a triste experiência oitocentista: lembram-se dos caciques? É ler a nossa Morgadinha dos Canaviais (ai como sonhei quando li esse romance!).

Realmente, dentro do quadro desta III República, não sei se haverá “remédio” para tantos males…