29 maio 2006

Aperto libro


" O bem-estar material não está intimamente ligado, nem é fatalmente proporcional ao grau de instrução do povo"
António Sérgio

Ser Professor é ofício que exige muito amor e verdadeira paixão. Creio que são atributos que hoje faltam no desempenho de várias áreas profissionais. Mas, para continuar a falar dos Professores, com “P” grande, estes estão num completo descrédito.

Não são respeitados pelos alunos e pelos respectivos pais (ambos padecem, em geral, de uma grande falta de cultura e completa ausência de valores!) e não são valorizados socialmente.

Lembro-me bem da minha “Primária”, da qual guardo boas recordações de uma Professora bondosa, meiga, e más recordações de uma outra que mais me parecia uma “bruxa”. Paz à sua Alma! Mas todos nós guardávamos respeito por quem nos ministrava os conhecimentos os quais, se o programa ainda se mantivesse nos nossos dias, diriam que o mesmo constituiria uma violência, pois as criancinhas não poderiam assimilar tudo aquilo: a aritmética, a gramática, a geografia, as linhas de caminho de ferro…

Os Professores marcam-nos muito. Aqueles que nos entusiasmaram, que nos fizeram sonhar e amar determinada área do saber, deles absorvemos tudo avidamente.

E que dizer das gratas recordações que esses nos deixam para toda a vida? Gostaria de aqui lembrar a minha Profª de Desenho do (antigo) Liceu, da qual esqueci o nome mas não o seu doce perfil, arrojado para a época, “tailleurs” brancos, com saias curtinhas, logo acima do joelho, e a sua emocionante entrada no pátio, de Mercedes também branco (lembram-se daquele modelo de táxi Mercedes que andou muitos anos na praça nos anos 50 e 60?) e o seu cabelo ao vento desenhando os contornos da nossa inocente paixão…

Eram tempos em que a Poesia habitava o nosso quotidiano de miúdos. Creio que hoje tudo é mais despido de beleza e de sonho. Mais cinzento, de pedra, assombrado.

Hoje faz-me muita “impressão” reflectir acerca da deterioração do ensino.

Tive professores fantásticos, embora "duros" (tive um Coronel em matemática, um Major dos “Comandos” em Físico-Química”) e tive as tais doces Professoras, românticas como à época era natural (creio bem…) que faziam vibrar os alunos com a sua beleza e com a paixão que sabiam empregar nas matérias que leccionavam: nunca sonhei tanto como nessa época…li tudo acerca da nossa literatura; mergulhava nesse mundo mágico e poético de Júlio Dinis, nas teias tenebrosas de Aquilino e de Camilo…era já a nossa língua portuguesa que eu amava...

Hoje verifico que existem “resumos” das obras maiores da nossa literatura, para serem adoptados nessas escolas de nome horroroso C+S, pois os actuais pedagogos devem considerar que é uma violência obrigar as crianças e os adolescentes a debruçarem-se sobre as mesmas em versão integral. Na verdade, elas não têm tempo: há que dedicar os tempos livres a fazer “downloads” da última música (?) que saiu, House, Acid House, Techno, Tribal, eu sei lá que mais, nomes que eu nem sei o que querem dizer, confesso… e depois vão “curtir” a noite numas caves obscuras, vão para as "acid parties" liquidar os últimos neurónios que têm…ora o que fará esta geração amanhã? Será que nos vai governar?

Eu lembro-me que os programas (do Liceu que é o que conheço por dentro) eram muito estruturados.

Tínhamos, a seguir à 4ª classe (uma senhora 4ª classe que hoje diriam retrógrada mas, pois, pois, pois sim, mas, apesar de tudo, saíamos de lá a saber tanta coisa!) o 1º e o 2º ano do Ciclo; exame para podermos entrar na fase seguinte: o 3º, 4º e 5º ano do Liceu: exame! E só depois, quem quisesse, o 6º e 7º ano e…exame! A Faculdade aí estava à porta! Mas tínhamos por detrás uma “bagagem” impressionante.

Hoje dizem que é a tal violência… Pois….é que os tempos não eram para brincadeiras. Ou se estudava, ou entrava-se na vida, a sério!

A sociedade, lembro-me, era cinzenta. Mas não havia a actual desorganização no sistema de ensino. Senhores: Organizem-se de uma vez por todas! Trinta anos a ensaiar experiências pedagógicas…Já é tempo!

Revejo, com saudade, uma fotografia que aqui tenho em casa, eu muito miúdo, aí uns cinco anos, na época do Natal, ora…anos 50, por aí, com meus pais, nos Restauradores, junto ao Hotel Avenida Palace, a rua muito limpa, a calçada linda, as pessoas todas aprumadas…nessa época, as profissões que hoje estão em crise (será uma crise meramente “virtual”?) eram sumamente apreciadas. E faço esta afirmação sem qualquer prévia elaboração de juízos de valor relativos ao então regime vigente.

Ora, num regime livre, mais perfeito, o esquema de ensino não é capaz de preparar para as várias áreas da vida?

Lembro-me que o Curso Comercial, quem o terminasse, tinha emprego garantido num escritório, a trabalhar em áreas como a contabilidade.

O Ensino Industrial preparava verdadeiros operários, que se especializariam nas várias vertentes da área: mecânicos, metalúrgicos, electricistas, por aí fora…

Acabou-se com esta diferenciação/especialização e os jovens deixaram de ter referências para a vida profissional.

Desembocou tudo em cursos que não têm saída, pois hoje em Portugal o que faz falta são Médicos, Enfermeiros, Engenheiros, Arquitectos (e então Arquitectos-Paisagistas nem me falem!!!), Químicos, enfim…

E agora?

Eu só posso dar a minha perspectiva de antigo aluno. Não havia desemprego de Professores, estes eram uma referência no nosso país: eram sumamente respeitados! As Escolas funcionavam a tempo e horas, sem dramas de horários, de currículos!

Pelo menos, pessoalmente, nunca dei conta de que a Escola funcionasse mal e nós, alunos, todos tínhamos interesse nas matérias.

Se funcionava, porque é que não se mantiveram os aspectos positivos?

A conclusão que retiro é a seguinte: o Homem tem de aprender, não a destruir, mas sim a construir, melhorando sempre!


Nota: quero aqui agradecer aos Drs. Coutinho Ribeiro e Marcelo Ribeiro, a evocação da referida classe profissional que marcou a minha geração, e a ajudou a descobrir horizontes insuspeitados. E que hoje, à semelhança de outras classes, está mergulhada numa vil e apagada tristeza. Sem qualquer prestígio.

4 comentários:

M.C.R. disse...

Meu caro é para isto que aqui andamos; para conversar sobre estas coisas consigo e V. comigo e, decerto, com o nosso querido Carteiro.
já agora: as diferentes corees (larnaja para o Carteiro e vermelho para mim escondem cavilosa intencionalidade?
Um abraço

C.M. disse...

ahahah...eu digo-lhe mas de viva voz, meu amigo. V. é fino!

Um forte abraço!

o sibilo da serpente disse...

Eu não tenho côr - prefiro o colorido da amizade e dos princípios.

C.M. disse...

Boa verdade essa, meu Amigo...