11 maio 2006

Chateado no calabouço

O que se faz quando se não pode fazer nada

Escritos de prisão há muitos e todos merecidamente famosos (As Minhas Prisões de Sílvio Pellico, Escritos à sombra da forca de Fucik, Recordações da Casa dos Mortos de Dostoievsky Cela de Morte de Caryl Chessman Cartas de Sacco e Vanzetti Memórias do cárcere de Graciliano Ramos ou a Balada do Cárcere de Reading de Wilde) dada a liberdade de estilo, a independência critica e o anti-conformismo dos autores.
Mas não é disso que se trata aqui. Lamento muito mas para esse peditório dei demais. Aqui trazem-se á luz duvidosa do dia uns meros divertimentos que o A. confinado nos calabouços do Tribunal de Coimbra ou num quartinho com vistas (abençoadas) para o rio Tejo na prisão de Caxias foi escrevendo para passar o tempo. Enquanto escrevia não pensava noutras coisas e sobretudo não esperava sair antes da próxima sexta feira até às cinco da tarde. Ou fingia que não esperava. Evadia-se alegremente da merda onde vegetava, e sobretudo não caía na tentação de fazer maus versos (mal por mal, antes prosa) nem se entretinha a apiedar-se sobre a sua sorte. Convém dizer que estes foram períodos de leituras excelentes (Proust, Joyce, O homem sem qualidades numa edição francesa!!!, ora toma lá milagre gordo: em francês!, "sebentas" de direito, até ali virgens – e teriam continuado intocadas se o A. andasse à solta...- enfim boa e má literatura. Nesta exacta ordem). Ora aqui está um pedaço de biografia: na cadeia perfiz muita da minha educação literária e, que remédio!, estudei o suficiente para passar com boa nota quando finalmente fui devolvido pelos carcereiros aos cães cerberos da Faculdade de Direito. Não são só as viagens que formam a juventude: as cadeias também podem dar uma perninha (puta que as pariu,p.q.p., de todo o modo). Sobretudo se, como foi o caso, estamos no chamado isolamento. Em havendo um livro há salvação. Em não havendo, que haja papel e tinta. E houve. O resultado está parcialmente à vista. Que vos divirta como há 37 e 35 me divertiram ao escrevê-los. Mais não quis. E se alguém quiser música de acompanhamento recomendo “porta romana bella” que, creio, me acompanhou em ambas as ocasiões:
Porta romana bella porta romana
Ci stan le ragazzine che te la danno
Ci stan le ragazzine che te la danno
Prima la buonasera e poi la mano ...

os 6 textos desta série publicar-se-ão a partir de amanhã, sexta feira, dia 12 de Maio, celebração de S. Nereu, mártir e dos SS Pancrácio e Dionísio. E que seja tudo pelos nossos pecados...

5 comentários:

C.M. disse...

isto é o que se chama tocar a quatro mãos...

Afinal, os documentos "desaparecidos" virão a lume amanhã...

Aguardemos, ansiosamente..

josé disse...

No outro dia topei o Musil em edição anglófona, na Fnac de Coimbra.

Valerá a pena?!

Tenho uma crítica ao livro,saída no suplemento literário do Diário Popular de 1971, salvo erro. Qualquer dia scaneio-a.

M.C.R. disse...

Meu caro José

Musil, ou melhor, "O homem sem qualidades", vale a pena até em urdu, serbo-croata, rouga ou papua.
É claro que eu sou suspeito porque esse foi um dos livros da minha "formação". Mas creio não ter exagerado. Ai quanto eu gostava de saber o alemão suficiente para o ler no original... É que deve haber lá coisa que por força (et pour cause) terão escapado à edição francesa. Tenho uma ideia muito vaga que haveria uma edição portuguesa da "livros do Brasil". Não hesite!

josé disse...

LOgo confirmarei, mas julgo que a recensão crítica no Diário Popular, é da autoria de Agustina ou de João Gaspar Simões ou mesmo de Manuel Poppe ( esquecido este tipo...anda por aí a escrever crónicas que ninguém lê e não merecia, parece-me).

Quanto às traduções:

No Verão, ouvi na Antena 1, uma entrevista com António Pedro Vasconcelos, a falar de livros, de traduções; de quanto o impressionaram certos livros e traduções respectivas e como tentou ensinar ao filho ainda pequeno a importância de certas leituras e a distinguir gato de lebre..
Foi uma entrevista fantástica e um dia que me cruze com a pessoa, hei-de falar nisso.
Infelizmente, ouvi poucos minutos, pois foi no carro e andava à procura de lugar para estacionar, a fim de partir para a travessia paras as ilhas Ciles...na Galicia.
Entrevista fantástica, digo eu. Nunca tinha ouvido coisa semelhante e o homem pareceu-me um poço de certa sabedoria que gostaria de ter.

M.C.R. disse...

O APV é inteligente, bom leitor, escreve bem e dono de um sólido apetrite. A cereja no bolo é que é também um bom jogador de bridge.