12 maio 2006

Estes dias que passam 25

1. (nascer num cinema)
Num longínquo dia de Novembro de 41(século XX!!!) uma jovem senhora grávida via, no “Cinema Peninsular”, um filme americano com Gary Cooper, se não estou em erro. Quando o filme acabou, ou talvez antes, sussurrou, para o jovem marido, felizmente médico, como se verá: “acho que fiz chichi sem querer”.
Não era chichi como o marido desconfiou imediatamente. Era o saco das águas que tinha rebentado. Médico, em começo de carreira mas bem avisado, entendeu que um parto de prematuro de oito meses, nas pequenas instalações do hospital da misericórdia da Figueira, não era aposta razoável.
Assim, a meio da noite, por uma estrada péssima, grávida e marido fizeram-se à maternidade de Coimbra, onde o menino nasceu, assistido pelo Professor Lúcio de Almeida e por um pancadão de colegas do orgulhoso pai, que pouco tempo antes acabara o curso.
Não sei se a criatura então nascida, merecia viver. Sei, sim, que naquelas condições a hipótese figueirense não era a melhor. Nem por isso o nascido nesse longínquo inverno de guerra, deixou de se sentir figueirense dos quatro costados. E de Buarcos, arrabalde pescador, por excelência.
Confrange-me, pois, ver agora esta polémica à volta do fecho de pequenas maternidades, sem médicos suficientes, sem enfermeiros suficientes e sem meios. Parece que há uns senhores autarcas que estão dispostos a assumir o risco de morte de recém-nascidos só para satisfazer vaidades locais. Mau caminho. Péssimo mesmo quando se insinua que é o ministro Correia de Campos o mau da fita. Não é. Há uma comissão formada por médicos de reconhecida competência que propõe esta medida. Entre eles, o Octávio Ribeiro da Cunha, meu velho, velhíssimo amigo, cujas honradez, sabedoria e dedicação são de todos conhecidas. Graças a ele, e a muitos outros, Portugal passou de medíocre a muito bom neste domínio da saúde infantil. Isso me basta para uma vez sem exemplo, estar de acordo com o Governo. Também, que diabo, têm direito a uma palavra boa de vez em quando.

2. (morrer o cinema)
Os jornais noticiam, outra vez, uma forte quebra no número de espectadores de cinema. Isto só é surpresa para quem mete a cabecinha na areia. Entre os meus papeis, desarrumados, do tempo da Delegação Regional de Cultura do Norte, um há que tem por título “reflexões sobre a política do espectáculo em Portugal” (1987 ou 88?): Nele com ajuda de estatísticas, o autor, este vosso criado, tinha o arrojo de dizer que desde meados de 60 o panorama da distribuição cinematográfica estava em crise. Que as salas independentes iam morrendo, estranguladas pelas majors e suas agencias em Portugal. Que a ausência de cinema comercial europeu no circuito da distribuição normal, afunilava o gosto do público e, a longo prazo, diminuiria a apetência pela frequência das salas. Que as novas tecnologias (na altura o vídeo) roubavam espectadores tanto mais que absurdas regras de exibição tiravam ao espaço “cinema” uma importante característica de representação social, de local de encontro em que os intervalos funcionavam como momentos importantes de convívio. Etc... A talho de foice dizia-se também que, a modificação da escrita crítica, o desaparecimento de revistas populares de cinema, tinham como consequência, uma menor publicidade aos filmes. E muito menos atenção. E menor eficacia ainda por cima por muito que se queiram louvar os textos críticos publicados. E por aí fora.
Na altura, os responsáveis ministeriais, secretariais, e outros boçais, arrearam forte e feio naquele velho do Restelo que dizia que se caminhava “de vitória em vitória para a derrota final”. Agora limpem-se a este guardanapo! A queda de espectadores continuou imparável. Não há salas grandes para ver uma “fita” no centro das cidades.Nem pequenas! Os cine-clubes vegetam na mais negra miséria: um destroço! Ninguém sabe patavina do cinema que se faz em Espanha, França, Alemanha, Itália ou Inglaterra. Já nem falo da America Latina ou do Brasil. Sequer da Rússia, Japão ou Índia. De longe em longe lá aparece, perdido, um filme desses países carregado de louvores. E de salas vazias! Porque as razões da sua exibição não são as razões do público? Porque à falta de filmes populares, não há também espaço para filmes “bons” (só esta palavra já me arrepia!!!)?

3. (do filme da minha vida) Há muitos anos, nessa Itália das Loren, Cardinale, Mangano e tantas outras, jantava eu com alguns amigos jus-comparatistas e interessados em política num pequeno e simpático restaurante do Trastevere, em Roma. Às tantas, a Giovanna Caravella disse-me: “Olha Marcello (e neste Marcello dito pela amabilíssima Vanna ia um fundo de Mastroiani que eu não merecia) estão ali uns tipos importantes do PCI. O alto chama-se Napolitano e é um dos dirigentes da direita do partido”. A Vanna era adepta de Pintor, Rossanda e companhia, gente que viria a cindir e ser conhecida pelo grupo de Il Manifesto (com a minha total adesão e simpatia, devo dizer).
Um dos nossos amigos, foi cumprimentar alguém à mesa deles. À saída, passaram pela nossa, cumprimentaram e eu, nesses anos loucos de 74/75, fui apresentado como um amigo “portoghese” o que me valeu um imerecido aperto de mão do onorevole Napolitano.
Dá gosto vê-lo Presidente da República. Mesmo sabendo perfeitamente que ele não se lembra de mim, claro. Auguri, Presidente!

4. Dove sieti, adesso, amici miei?

Se vos passar ao alcance de tiro “Ó amigos meus” (“Amici miei”) de Mario Monicelli, em dvd claro, não o percam. É um filme delicioso. Duvido que agora conseguisse sala para ser visto.


2 comentários:

o sibilo da serpente disse...

Um dia, miúdo de para aí vinte e poucos anos, fui incumbido de uma árdua tarefa: entrevistar a então ministra da Saúde, Leonor Beleza. Uma entrevista de 2 páginas que, escrita no mesmo dia, se perdeu nos interstícios de uma rede informática ainda incipiente. Lembro-me do título: "Beleza quer distribuir os médicos pelas aldeias". Perdida a entrevista, tive que a reescrever nessa mesma noite, já depois de ter destruído as notas. Consegui. Grande entrevista. Elogiada. Hoje, olho o o debate sobre o fecho das maternidades e já não tenho tanta certeza de que o futuro seja distribuir os médicos pelas aldeias. Não será melhor garantir que as grávidas tenham boas condições para serem mães de filhos em boas condições?

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Partilho das ideias dos amigos MCR e Carteiro quanto às maternidades. Não sendo especialista, gosto de ouvir o que dizem aqueles que o são, como Octávio Cunha e Albino Aroso. Especialistas que, ainda por cima, são cidadãos isentos, verticais e desalinhados políticos.

Caro MCR, com que então "íntimo" do presidente de Itália. Isto está cada vez mais vip!