25 maio 2006

Explicando melhor a tese sobre a entrevista

José e Kamikase discordam de mim, na apreciação que fiz à entrevista do Dr. Carlos Teixeira ao Correio da Manhã (Otávio Lopes). Estão no seu direito. E eu estou no direito de manter o que escrevi, ainda que sinta o dever de explicar melhor.

Comecemos pelo dever de reserva. E aqui, ocorre-me logo dizer que o famoso dever de reserva não deve servir para justificar uma coisa e o seu contrário. Em rigor, eu entendo que o Dr. Carlos Teixeira, que tão reservado se tem mantido ao longo deste já longo processo, devia ter continuado assim. E mais: entendo que escolheu o pior momento para dar a sua primeira entrevista sobre o assunto. Fê-lo numa altura em que estava por decidir se o pedido de recusa era procedente ou se o pedido de escusa justificado.

Ao falar nestas circunstâncias, o Dr. Carlos Teixeira colocou-se a jeito para as especulações. E para leituras que, porventura, não desejou. Repare: na mesma edição do Correio da Manhã (Joaquim Gomes) escreve:

«O ainda responsável pelo ‘Apito Dourado’ nem quererá abandonar o processo, mas sim obter uma espécie de ‘moção de confiança’ da parte da sua hierarquia, face a constantes diferendos que tem mantido com os arguidos e advogados, além do processo disciplinar devido a uma queixa de Pinto da Costa relacionada com a detenção ilegal, que além de infracção grave também é crime. A escusa poderá pretenderá dar a entender que não está motivado a perseguir ninguém e muito menos agarrado ao poder.»

É uma leitura legítima que o momento escolhido para a entrevista e a própria entrevista ajudam a legitimar. Atentemos nestes excertos da entrevista:

– O facto de ter sido o procurador responsável pela investigação do processo de corrupção na arbitragem fez com que fosse um alvo a abater?
– Não sei.

Ao responder «não sei», parece evidente que o Dr. Carlos Teixeira que dizer que sim. De outro modo, teria respondido que não, que não pode pensar uma coisa dessas apenas porque está a desempenhar o seu trabalho. E, já agora: um alvo a abater por quem?

– Desde que começaram as investigações teve sempre o apoio dos seus superiores hierárquicos?
– Não respondo a essa pergunta, pois implicaria um juízo de valor.

A pergunta é cirúrgica e não surge por acaso. São sabidas as divergências existentes no MP sobre a estratégia seguida neste processo. Não sei quem tem razão: se o Dr. Calos Teixeira, se quem discorda dele. Ao não responder à pergunta - fugindo a um juízo de valor - o entrevistado só conseguiu cimentar na opinião pública a ideia de que o apoio da hierarquia não tem sido o desejado. De outro modo, teria respondido, convictamente: «Claro que sempre tive o apoio dos meus superiores hierárquicos! Que outra coisa poderia acontecer quando é certo que estou a desempenhar as minhas funções com convicção, lealdade, isenção e ponderação e no respeito pela legalidade?»

- O actual procurador distrital do Porto, Pinto Nogueira, disse que no processo ‘Apito Dourado’ as investigações deviam ter sido concentradas em menos arguidos...
– Sobre essas questões não falo por terem a ver com o processo.

Não. Estas questões não têm a ver com o processo - têm a ver com a estratégia investigatória. E uma vez mais o entrevistado perdeu uma soberana oportunidade de explicar aos portugueses que não há qualquer divergência estratégica.

– O trabalho que desenvolveu está a ter a sequência que esperava?
– Não respondo. Se o fizesse estaria a fazer um juízo de valor sobre o trabalho dos outros colegas e não o quero fazer.

Uma vez mais: se o Dr. Carlos Teixeira estivesse de acordo com o trabalho de alguns dos colegas para quem remeteu certidões para instruir processos autónomos, tê-lo-ia dito com todas as letras. Ao esquivar-se outra vez na recusa de fazer juízos de valor sobre o trabalho dos colegas, só pode concluir-se que a sua não resposta significa que acha que o seu trabalho não está a ter a sequência que esperava. No que, aliás, até deve ter razão, tantas são as perplexidades que grassam por aí sobre alguns arquivamentos.

É por tudo isto que entendo que a entrevista, sendo uma boa "cacha" do CM, não foi muito útil ao entrevistado. Nem muito útil ao MP. Nem muito útil à Justiça. Nem muito útil ao povo em nome de quem se faz Justiça.

Mas se o MP entende que esta é uma forma eficaz de passar a sua mensagem, quem sou para discordar? Mas se o MP estiver errado, depois que não se queixe...

7 comentários:

C.M. disse...

É engraçado que aqui, no Incursões, cada um tem os seus temas favoritos, e fala sobre eles, pese embora o facto de, por vezes, “metermos foice em seara alheia”. Será o meu caso..porém, estas matérias de “MP’s”, com efeito, não me seduzem por aí além…

Então, o que faço aqui neste comentário? Simples: se repararem, o nosso Dr. Coutinho Ribeiro escalpelizou a dita entrevista, analisou as questões, as “respostas” dadas às mesmas, e “traduziu” estas para português corrente…adivinhou a verdadeira resposta, aquela que não foi dita explicitamente…

Coutinho Ribeiro, meu caro amigo, vê-se que V. é um grande Advogado!

o sibilo da serpente disse...

Não, caro Delfim, eu às vezes acho até que sou "o advogado burro" de que falava em postal mais abaixo, há dias. Mas um burro que não é capaz de deixar de dizero que pensa. Um abraço, meu amigo.

o sibilo da serpente disse...

Ah, tenho-me esquecido de mandar o acórdão dos bombeiros. Vou tentar não esquecer amanhã.

C.M. disse...

Caro CR, por acaso tenho andado para lhe escrever acerca desse acórdão...gostaria de o analisar, na perspectiva do Direito Administrativo a qual não é, já se sabe, a perspectiva da Relação do Porto, aliás de qualquer "Relação".

A análise administrativista dá outras soluções que não estão ao alcance da Magistratura Judicial...não é crítica, é apenas a natureza das coisas...

Um abraço!

Carlos Rodrigues Lima disse...

Essa da "moção de confiança" é minha. Ou melhor "voto de confiança", que foi a expressão que utilizei no DN. O Gomes, enfim, apenas pegou na deixa...pq isto de pegar num pedido de escusa e fazer dele um "voto de confiança" requer talento intelectual apurado. (pronto...já sei que comprei outra guerra)

Abraços


carlos rodrigues lima

o sibilo da serpente disse...

«A tensão entre Carlos Teixeira e a hierarquia do Ministério Público não é recente. Um dos episódios mais caricatos aconteceu quando o magistrado de Gondomar solicitou uma viatura para se deslocar nas diligências, mas apenas recebeu um passe para o autocarro. Na qualidade de dirigente sindical, Carlos Teixeira chegou a relatar o episódio numa reunião, em Coimbra, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.»

Peço-lhe desculpa, caro Carlos Lima, de não ter lido e de não lhe ter atribuído a autoria da expressão. Mas fui ler e encontrei a pérola que está acima. E, aqui, sou muito claro: se eu estivesse na pele Carlos Teixeira, ao receber um despacho daqueles, mandava-os ir dar uma volta, talvez de bicicleta, e ia arrumar carros. Quisesse Rui Rio ou não. É que tudo isto dá para perceber que a grande investigação criminal em Portugal anda a passo (passe) de autocarro.

Carlos Rodrigues Lima disse...

Dar um volta?? Eu mandava-os para um local metafísico, cujo nome resulta da aplicação do calão em referência ao órgão sexual masculino, e que se dedicassem a práticas homossexuais.

Simplesmente, pq aquilo não se faz.

O mais curioso disto tudo é que os nossos jornais desportivos andam bastante entretidos a falar do escândalo da corrupção do futebol...em Itália...lá longe...naquela terra de mafiosos que matam pessoas e se escondem durante anos em quintas....

Sabe, dr. Coutinho Ribeiro...É uma patetice....