24 junho 2006

Au Bonheur des Dames nº27

Ah estes habitantes da “capital do império”
(carta 2ª à Sílvia que vem até cá no próximo semestre)

Cara Sílvia: diz-me V. que vem até estas inóspitas paragens dentro de alguns meses. Como sei o que fazem “estrangeiros” em país de antepassados presumo que virá espanejar alguns reais em Lisboa a pecadora. Faz bem porque a terra é bonita (nisso até o nosso nortenho JCP está de acordo). Os habitantes, quando estão para aí virados, são hospitaleiros. A dificuldade está em apanhá-los em Lisboa. São piores que alguns portuenses que diziam (ele há tolos para tudo) que a melhor coisa de Lisboa era o comboio para o Porto. Para uma boa parte dos lisboetas e, especialmente para alguns conspícuos (as) frequentadores (as) deste blog, parece que a melhor coisa da cidade é a auto-estrada para o sul (Alentejo e Algarve). Uma pessoa passa a vida a ser convidada por eles, venha até cá homem, vamos a um jantarinho, um almocinho, um diminutivo qualquer desses, é só escolher, não se esqueça, ah que bom que vai ser etc., etc...
A dita cuja pessoa, conta os morabitinos, faz economias na comida durante meia semana (afinal vai comer à borla em Lisboa!...) e anuncia aos quatro ventos que chega em breve à pecaminosa cidade e que até já recusou um convite para almoçar do senhor Presidente da República, do senhor Cardeal Patriarca, ou doutra individualidade na moda, para não perder pitada do convívio com os amigos que o esperam ansiosos.
É nesse mágico momento que o acaso intervém: o piedoso A vai para o Alentejo participar sabe-se lá em quê, em todo o caso não será em práticas religiosas que para isso Lisboa tinha o Santo António e o Corpo de Deus, B, a entusiasta, telefona já do automóvel a caminho do Algarve onde chove a cântaros. Vai para a praia claro, apanhar banhos de lua que ela do sol forte deve ter medo... C, recém-chegado às delicias imperiais, previne: se V cá vier telefone a B (que está em trânsito como já disse) para um jantarinho!.... À cautela, D, E e F ficam mais calados do que uma ostra de Setúbal.
É claro que tudo isto é obra do acaso, havia dois feriados, um à terça e outro à quinta, argumentos mais que suficientes para não ter a maçada de trabalhar à segunda, quarta e sexta... Afinal o verão está perto, o ano foi duro e é preciso desmentir o senhor primeiro ministro e o senhor presidente da república que apelam, mão na mão, à boa vontade laboriosa dos lusitanos e à vitória da equipe nacional de futebol.
Não sei se V tem à mão um mapa da nação imortal e valente: por ele verá que nestes casos de feriado ou de iminente visita de amigos do norte os habitantes de Lisboa têm tendência a escorregar um pouco mais para baixo deixando o Tejo de permeio. Será para fugir ao invasor bárbaro vindo do norte? Será para não lhe oferecer o tal jantarinho, o tal almocinho o tal sei lá o quê? O certo é que cheguei, não vi, nem comi. Ou vi uma cidade deserta, e comi às custas de um irmão generoso, de uma mãe resignada e de mais parentes avulsos menos rápidos no “cavanço” ou mais desprevenidos. E não correu mal a jornada lisboeta, não senhor. A habitual prima Maria Manuel acompanhada pela não menos habitual tia Néné figueirense até à medula, ofereceram uns livrinhos sobre a Figueira da Foz que eu não tinha e que, decerto, não encontraria em parte alguma. Outro tio, peripatético frequentador de alfarrabistas, assistiu divertido ao descobrimento de uma velha edição de “Emílio e os Detectives” de Erich Kästner, autor que viu muitos dos seus livros (este incluído) queimados pelas multidões nazis e ululantes, nos anos trinta. A velha mãe, armada de uma temível bengala provou que ainda é capaz de deitar abaixo um belo par de sardinhas assadas, que lhe fazem muito bem à dieta que segue rigorosamente desde há anos. As sardinhas (e um cozido à portuguesa, bem puxavante, que ela partilhou com a tia Nené, também octogenária e também portadora de bengala....) são excelentes para dar uma chicotada ao estômago, aos intestinos e a várias outras vísceras que não menciono por mera ignorância. Com uma família assim não admira que eu esteja gordo como estou.
Se calhar a súbita ânsia de viajar que deu nos meus colegas lisboetas vem disto, desta barriguinha de sete meses (e estou a ser modesto) que os assustou: ai que o homem nos come a despensa inteira!
E vai daí piraram-se para as províncias mais a sul sem temer a chuva que caiu inclemente. Da próxima vez só aviso quando já estiver dentro de muros. Os lisboetas têm de ser caçados com rede mosquiteira e à má fila. Fica avisada, Sílvia. Depois não se queixe que eles são escorregadios. Cá a espero no Porto. Venha à confiança que eu não fujo. E creio que nisto estou acompanhado pelo JCP pelo Carteiro e pela doce “o meu olhar”: a malta cá, para dar ao dente com uma visita, até adia a morte dos parentes.

PS: isto estava escrito há dias esperando vez para entrar. Entretanto, eu, sempre generoso e misericordioso, tinha avisado um dos citados, que ia apanhar um merecido puxão de orelhas na forma de “postal” (este). Não é que a criatura aparece sem avisar no Porto, para me apanhar desprevenido (“de calças na mão”) para mais tarde poder dizer que também apareceu e... nada! À cautela fica convidado para almoçar (eu pago!) logo que volte a Lisboa.

9 comentários:

Silvia Chueire disse...

Ah, MCR, que delícia de crônica ! E que puxão de orelhas. : )
Bem, eu vou, já que vcs não fogem eu vou. E espero que os demais amigos também não fujam, que um Atlântico é distância respeitável. Não se pode fugir de quem a enfrenta. ; )

Abraços,
Silvia

M.C.R. disse...

Caro e bem disposto Nicodemos:
De todos os "visados" (entre aspas muito aspas, aspíssimas, mesmo) V seria o mais inocente mas vejo que á cautela já veio á barra defender-se. O que se passaa é que quando finalmente as coisas se compuseram para ir aí o "das cinco chagas" estava de malas aviadas para o aleentejo e quando eu ia tentar apanhar a nossa administradora ela antecipou-se num belo lance de audácia e telefonou da viatura dizendo que estava a caminho do sul. Volta e meia o telefone ia abaixo pelo que a nossa conversa terminou abruptamente sem hipóteses de apanhar o seu número. Pior, chegando na quinta pela hora de almoço a casa da minha mãe (em Oeiras mesmo na fronteira de Carcavelos!!!...) e sendo sexta feriado não me cheirou que fosse possível apanhá-lo a si pois suponho que está a viver fora e Lisboa. E quem sou eu para roubar um camarada de blog à família. De todo o modo estes desencontros davam direito a uma crónica bem disposta que também servia de anúncio à chegada próxima da nossa amiga sílvia. Não acha? Provavelmente irei muito brevemente de novo aí. Para tirar a prova dos noves...
Do tal jantarinho para as ba das da estrela chegaram-me ecos ensurdecedores. O das cinco chagas até me pareceu mais gordo...

Kamikaze (L.P.) disse...

Ora ora MCR, isso so pode ser dor de cotovelo...:)
Aqui a administradora esta pronta ate a depor por escrito quanto a nitidamente mais delgada silhueta do das cinco chagas e da sua simpatica mais que tudo! Consta que foi promessa feita na sequencia do trauma sofrido ao ver as fotos no jantarinho do Incursoes ai no Porto, em Maio passado...

Nicodemos: obrigada por ter defendido a honra dos mouros...

Silvia, venha dai por esse mar salgado que tera uma recepçao doce :)

C.M. disse...

Obrigado, Kami, que eles são uns descrentes...

Silvia Chueire disse...

Eu vou, certamente que vou. : )


Beijos,
Silvia

C.M. disse...

Venha, venha, Sílvia, que nós faremos uma festa! Olhe, em Setembro é o ideal:o "pessoal" já veio dos "banhos"...

M.C.R. disse...

vamos por partes: Sílvia eles mais avisados que isto não podem estar. Vamos lá ver se não lhes morre uma tia em Alguidares de Baixo ou se não lhes dá uma doença esquisita dessas que se pegam muito e não permitem ver quem quer que seja.
V. terá reparado que o único que se "sentiu" foi o único que não era possíve avisar.
E viu como se defendiam uns aos outros... que não que não que o DLM, coitado, até só comeu uma sopinha e dpois bebeu meio copo de água ...
Por aqui se vê a tripulação do barco...

Silvia Chueire disse...

Eu aqui aos risos...

:)


Beijos a todos,
Silvia

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Subscrevo por inteiro o que disse o MCR. Somos bons e recomendáveis anfitriões e estamos sempre prontos para nos sentarmos à mesa.

Sílvia, venha daí e não se esqueça de planear uma "escapadinha" ao Porto.