01 junho 2006

estes dias que passam 27

Marilyn, Marilyn

Ah, amigos e companheiros deste blogue, mailas leitoras gentis e, já agora, que também são gente, os leitores, que os há, desde o meu caríssimo Manuel Sousa Pereira, escultor de mão firme, e amicus certus in re incerta, a quem esta croniqueta vai dedicada, e um leitor nascido nos trópicos longínquos, em Nampula a bonita, makua portanto, não direi de raça ou de pele mas seguramente de coração, para quem vai um abraço.
Um abraço, não: vai uma ribambelle de nomes de terras, outra música: Ribáuè, Chinga, Muècáte, Meconta, Corrane, Nacavala, Mutivase e Namina. A saudade alimenta-se de pouco, de nada até. E esperemos que os imbecis de serviço, no quentinho da sua casota, não venham outra vez dizer que isto é neo-colonialismo, fortes cavalgaduras!
Mas eu não era das terras vermelhas e rochosas que vinha falar, a mão escapou-se, como una furtiva lacrima, mas já volto ao que queria.
Marilyn Monroe, dizem os telejornais faria hoje oitenta anos. Já?
Se calhar é verdade, eu é que não dei conta. Também é verdade que nunca a vimos com mais de trinta e poucos, que nela eram magníficos. A morte alcançou-a ela com uma dose fatal de barbitúricos, se é que não houve quem se encarregasse de a ajudar em tão desagradável tarefa.
Quem, naqueles anos cinquenta que viram nascer o rock, frequentasse já os cinemas recordará Marilyn magnifica em filmes hoje imortais mas na época vistos vesgamente pelos pruridos ideológicos que não eram poucos. Mas não eram só os stalinistas que faziam má boca à pulposa Marilyn. Os carocas de Igreja, de todas as igrejas, verdade se diga, uivavam indignações, impropérios, enquanto com o rabo do olho iam espreitando aquele corpo insolente, ouvindo aquela voz sussurrante, babando-se às escondidas perante aquela imagem do pecado que morava ao lado, junto de uma paragem de autocarro na selva de asfalto onde não há melhor negocio do que o show business (agarra lá esta, Manel!...).
Marilyn, para quem a viu naquele Scala de Lourenço Marques, depois dos documentários e de uma série que passava todas as tardes e que era maravilhosa pois em dez minutos fornecia um incalculável número de mortos e de perigos inenarráveis que nos deixavam positivamente ansiosos pela semana seguinte onde tudo se compunha ao primeiro minuto para descambar a partir do primeiro terço em mais mortes, mais perigos, mais suspense e até à semana. O meu amigo Faria ( o mesmo a quem a belíssima professora de francês acusava – provavelmente com razão – de passar as noites em claro só para fazer coisas horríveis na aula, e o Faria mudo e quedo a olha-la como um goraz de pinta preta pronto a ir para o forno) jurava que durante as primeiras doze semanas do “Barco Misterioso” (um barco de rodas que subia o Mississipi...) tinham morrido mais de trezentas pessoas, tinha rebentado a caldeira do barco quatro vezes (ou cinco?) etc... etc...
Finalmente descobrimos que o Faria tinha uma paixão pela professora de francês e mandava problemas charadísticos para o Notícias sempre baseados no nome da pobre senhora, cujo único pecado era ter uma carinha bonita e um corpo que convidava aos maus pensamentos. E aqui está a passagem para a Marilyn, viram? O acaso e a escrita a eito têm destes milagres.
Pois a Marilyn morreu com a idade dos amados pelos deuses. Permanece pois luminosa na nossa memória, inmejorable!, como me dizia um companheiro de estúrdia espanhol, que não falhava uma única sessão de mesa de pé de galo na esperança de entrar em contacto com o espírito da Marilyn. – Mas tu és ateu, marxista, incrédulo dos quatro costados, protestava eu. Ele olhava-me do alto do seu metro e sessenta, moreníssimo e manchego como o queijo, e acompanhado por uma alemã espampanante que lhe levava uns bons quinze centímetros de vantagem, descalça. E dizia-me, perante o ar embevecido da tudesca, boa como o milho, há que dizê-lo (e ciumentíssima!!!): Marcelo, para um espanhol só o vulgar é que é impossível. Mais dia menos dia, a Marilyn aparece.
Confortado com as palavras deste amigo distante, acabo aqui a minha crónica que celebra mais do que um mito, uma mulher bela e sensível, e uma juventude, a minha e a do Manuel Sousa Pereira, amigo certo na adversidade que, ao ler esta ainda vai dizer ao Manel Simas: o “Tio” está tolo de todo, mas que a Marilyn era um pedaço ai disso não restam dúvidas.”
-Pois não, Manel, pois não.

PS: se eu pudesse pôr música nisto, aviava já o Lulu is back in town. Como não posso, ou não sei, imaginem portanto, a musiquinha em questão tocada pelo Earl "fatha" Hines.


5 comentários:

o sibilo da serpente disse...

Facto: era boa comó milho!

C.M. disse...

pois é: lá está a "oftálmica" do MCR a funcionar...

guy disse...

Eu posso ser esse leitor «makua», não de raça, mas de espírito e nostalgia. E sou tb um grande apreciador dos seus esritos, neste blog. Não conheço os outros suficientemente, mas gostaria até de conhecer.
Uma vez mais Bem-haja.
Falta assumir a História(mesmo a colonial) com tudo o que teve de bom e de mau.
Em grande medida, Portugal nunca se debateu a colonização porque se tem pudor de discutir (a sério) a descolonização.

M.C.R. disse...

Eu não sei quem é o meu leitor "makua" Sei tão só que ele existe. Se calhar tenho mais do que um até.

Carteiro: obrigado. O "comó" é bonito e soa bem. É uma palavra que enche a boca (como a loira boazona).

DLM eu ainda lhe hei-de contar a verdadeira história do verdadeiro oftalmisador que no século se chamou Francisco Cordeiro, paz à sua alma.
De todo o modo eu cego,céguinho, não sou e se fui capaz de restituir com vivacidade uma imagem, melhor.

M.C.R. disse...

Boas novas! alviçaras! O incombustivel Francisco Bruto da Costa, leitor a quem manifesto toda a possível gratidão, gastrónomo perigoso, vai-me dar uns palpites sobre esta matéria musical. Os leitores/as que se cuidem. Vem aí jazz, rock e muita ópera!...