01 junho 2006

Um bairro assustador

Na semana passada, umas das minhas jovens colegas de escritório pediu-me ajuda para tentar perceber a história de um arguido, que defende oficiosamente, num caso de tráfico de droga (coisa pequena: seis gramitas). O homem não conseguia distinguir o norte do sul, o que tornava a conversa inútil. Decidiu a colega ir ao local da detenção, um dos santuários do tráfico no Porto. Achei que, como o sítio não é dos mais recomendáveis, devia ir com ela, na vépera do julgamento. E fomos: nós os dois e outra colega. O arguido já lá estava.

Eu nunca tinha ido ao famoso bairro. Achei estranho, a meio da tarde, tanta gente sentada por ali, pessoas jovens e outras de meia idade, com o tranquilo ar de quem não tem que se preocupar com as coisas comezinhas da vida, talvez por causa dos rendimentos de inserção, talvez por causa de actividades que dão pouco trabalho e muito dinheiro, e, apesar de serem apenas 4 da tarde, não se notava movimento na escola ali bem no centro. Os prédios degradados assustam, as mensagens ameaçadoras escritas nas paredes sugerem um mundo à parte. E tudo é ainda mais assustador, porque à volta do bairro, por todo o lado, a pouco mais de 50 metros, há condomínios de luxo, num contraste a fazer adivinhar que o bairro, com magníficas vistas para o rio, tem o tempo contado.

Um pouco mais acima, à entrada de uma das torres, drogados a esmo, traficantes a esmo, palavras em código que se soltam à nossa aparição junto deles (que era onde começava a história do arguido), recuo rápido para o interior das torres, o que me levou a levantar a mão ao que parecia ser o líder na tentativa de lhe explicar que não éramos bófias à paiana, e eles pareceram acalmar, olho desconfiado e o negócio a prosseguir. Pensei. Se os quiserem prender nada é mais fácil. Se em vez de virem pelo lado norte com carros identificados, aparecerem de surpresa pelo lado Sul com carros sem insígnias, eles não têm tempo para fugir.

Percebido o que havia a perceber, saímos de lá por volta das 5 horas.

Hoje à noite, leitura mais demorada do Público. Uma pequena notícia prendeu-me a atenção: na tarde de 3ª feira, na mesma tarde em que lá estivemos, uma vasta operação policial levou à detenção de vários alegados traficantes no bairro. Sobressalto. Presumo que a operação tenha sido feita depois de termos saído de lá, mas certamente pouco tempo depois, o que me levou a imaginar a cena que seria se a polícia tivesse investido quando lá estavamos, talvez umas bastonadas antes que tivéssemos tempo para explicar ao que íamos, digo eu, a brincar, que sei bem que a polícia não é dessas coisas... Mas se a operação foi feita antes de lá estarmos, a conclusão só pode ser esta: nada mudou. É que o negócio parecia próspero.

3 comentários:

C.M. disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
C.M. disse...

Perdão, que me enganei..
Aqui vai de novo o meu comentário a este dramático testemunho do nosso "Carteiro":


Quando um País permite que, no seio das suas cidades, existam ilhas de criminalidade, onde a Polícia apenas entra com artilharia pesada - tal o medo da própria Polícia! - (veja-se o caso dos arredores de Lisboa onde, em autênticos "guetos" os marginais se movimentam com todo o à-vontade, amedrontando a população, refém dos mesmos, e onde os polícias são alvos a abater) - esse mesmo País já perdeu a guerra: estamos a viver o "salve-se quem puder"!

Foi esta a democracia que nos prometeram?

Foram estas as “amplas liberdades” que nos quiseram dar? Perdão, fiquem com elas…

Mocho Atento disse...

Mas, pelos vistos, é inconstitucional despejar dos bairros camarários (com rendas irrisórias e cujos custos são suportados por todos os cidadãos), os que se dedicam ao tráfico de droga.

O nosso Direito está demencial. Tornou-se não um meio de regulação social, mas um factor de diversão social, tipo jogo de sorte ou azar.

O único problema que pareec preosupar a Justiça é o crime de corrupção. Meus amigos, não dou para esse folclore. Fica bem malhar nos poderosos, mas ficava melhor garantir a liberdade e segurança dos cidadãos, porque foi para isso que nasceu o Direito.