03 julho 2006

Diário Político 24

Bizarria, bizarrias

Era para ser outro o título deste meu diário político a prestações. Tinha mesmo vários títulos, para falar com franqueza, mas entendi por uma vez sem exemplo furtar-me a um processo por injúrias ou coisa pior se usasse qualquer deles. Fico-me pois por bizarrias dando à palavra toda a latitude possível para me debruçar sobre dois ou três casos da política nacional ou, pelo menos, do que por aí corre sob esse nome.
Em questões de bizarria seria impossível não começar pelo senhor Alberto João Jardim. De facto se houvesse um campeonato mundial da bizarria bastaria anunciá-lo como representante português para o resto do mundo desistir alegando impossibilidade de nos superar. Desta vez o cavalheiro entendeu pedir ao Presidente da República a demissão do governo e a criação de um outro “de unidade nacional”. Ora vejamos: se há governo com que Cavaco Silva possa estar de acordo é este. Nem por encomenda o senhor Presidente arranjava um melhor para as suas conhecidas idiossincrasias. Alberto João surge assim como uma vox clamantis, mal humorada e a destempo.
Verdade seja que o cavalheiro a quem Jaime Gama chamou com forte impropriedade “Bokassa da Madeira” (coisa que deverá ter ofendido e muito o Bokassa himself, primeiro imperador da República Centro-Africana) tem um farto historial de declarações curiosas. Jardim é por junto um soba gordo de uma ilha não tão gorda. É verdade que é eleito regularmente pelos conterrâneos que devem apreciar muitíssimo as invectivas dele contra uma “metrópole colonialista governada por cubanos”.
Faço parte de um grupo em rápido crescimento que se propõe dar a mais completa e absoluta independência à Madeira desde que assim nos livremos de pagar a fortuna que pagamos para ter aquele circo lá montado. Levo mesmo a minha boa vontade ao ponto de propor uma nova bandeira. Fundo verde alface com duas bananas descascadas em flor de lis e um guarda sol ao meio aberto. Já sei que me irão dizer que há uma bandeira, dita da autonomia, com uma cruz de Cristo. Mantenho todavia a minha proposta não só por ser mais adequada à realidade insular mas também porque a cruz de Cristo é um emblema com forte conotação colonialista. Se Alberto João tivesse um décimo dos conhecimentos históricos que um rapaz do seu tempo, com o quinto ano dos liceus, possuía, já teria mandado às malvas a cruz opressora.
Uma segunda curiosidade que terá passado à sucapa nesta época futebolística é uma cândida afirmação de um dos nossos encartados “opinion makers”. Escrevia a criatura há dias que Sócrates está a fazer justiça a Manuela Ferreira Leite e a aplicar a fórmula da encantadora senhora à política prosseguida pelo PS. Não sei se o piedoso varão que isto escrevia se referia à política da Educação Nacional ou à das Finanças ou, até!, a ambas. Releve-se, de qualquer modo a insuspeita opinião e o entusiasmo babado com que a coisa vinha escarrapachada no jornal.
Pessoalmente sempre direi que estou de inteiro acordo com a verificação da existência da apregoada afinidade MFLeite/Sócrates. Mais, proporia mesmo uma trindade: Cavaco/Leite/Sócrates, assim mesmo, da esquerda para a direita. Não se veja nisto qualquer propósito critico ou de vexame para ninguém: é apenas um juízo de realidade, mais nada.
O que disso pensará o sempre adiado e famoso sector crítico do PS é que é uma incógnita. Para já convém perguntar se existe realmente ou é apenas uma miragem. Depois se, existindo, se atreve a ir à luta, coisa que, pelo andar da carruagem, parece bastante longínqua. Finalmente, se existe e vai à luta, conviria perguntar que é que propõe em troca, para não ficarmos, como habitualmente numa mera e respeitosa troca de cadeiras.
Terminemos este rol de surpresas e extravagâncias relembrando o afamado professor Marcelo. Agora parece que é assim que o tratam: professor Marcelo! E este “professor” mimoso que a televisão e alguns jornais lhe concedem parece ser oriundo, não da excelsa Faculdade de Direito onde dará aulas, mas tão só da pertinácia e desenvoltura com que fala de livros e de futebol na televisão. Ou de futebol e livros que a ordem dos factores é arbitrária. Um conhecido intelectual da nossa praça, vendo o saltitante professor esgrimir argumentos com o apresentador do programa, chamou aquilo um desparrame de qualidades mal aproveitadas. Se era para anunciar isso ao mundo, vem tarde. Desde há anos que o professor Marcelo optou pelas brejeirices bem dispostas e fáceis, mesmo quando toma um ar sisudo e ergue o dedinho profético. Ponhamos que retrata bem uma certa elite política e social que alimenta as revistas do coração e é bóia de salvação para programas de televisão macambúzios. Fica bem entre Jardim que o detesta e Cavaco que o despreza.
C’est dommage, quand même!

Julho de 2006

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