12 julho 2006

estes dias que passam

1 O “historiador” Rui Ramos arremete no “Público” contra todos quantos criticaram a excessiva futebolização. Eu acho sempre engraçado ver estes intelectuais atacarem outros intelectuais com o estafado argumento de que o povo tem razão no seu entusiasmo totalizante mesmo que isso venha envolver toda a vida social, económica política e cultural no mesmo presépio moderno: um relvado, duas balizas, 22 jogadores, árbitros e (como se dizia no antigamente) “muito público".
O “historiador” Rui Ramos deveria ter presente na cabecinha que lhe remata os ombros que o futebol é algo que se joga entre quatro linhas e daí não deve sair.
Ninguém andou para aí a alanzoar (outro truque, velho e relho) que o povo deveria jogar xadrês, ouvir Chostakovitch e não sei que mais. O que algumas pessoas vieram dizer, dizem sempre, é que não se deve confundir a sã alegria do adepto e do espectador com outras coisas quais sejam o orçamento do Estado, o emprego, as tropelias dos autarcas ou a saúde pública. Nada disto melhora ou piora com as vitórias no relvado, ou com os roubos perpetrados por árbitros às ordens de Moscovo ou de Washington. Futebol é futebol e cognac é cognac.
Uma minha especial (muito especial, mesmo) confrade nestas amáveis balivérnias bloguistas lembrou-me que apesar de tudo é bom ver a malta animada no meio de um confuso verão pantanoso e tristonho. Tem carradas e carradas de razão e, aqui muito à puridade, devo confessar-lhe que também a mim me veio a lágrima ao olho cansado e chorão ao ver a alegria da minha gente (e quando digo gente falo nos portugas de St Maur, nos emigrantes do Luxemburgo, na minha enteada Ana de cachecol de bandeira pendurada (decentemente pendurada!) na janela da sua sala de estudo a explicar à mãe (a famosa Crazy Grazy, de que às vezes dou notícia) o que era um “fora de jogo” (no meu tempo de bola na areia de Buarcos, com o “Mantana”, os manos Neves, o Nelito Pinguel, os irmãos Esteves e mais uns quantos, a malta dizia off-side. Era fino e mais significativo).
Onde o fora de jogo, perdão, off-side, não valia era nos jogos Portugal-Espanha em Agosto. De facto aí valia tudo para nós, meninos repentinamente tornados Padeiros de Aljubarrota. Aliás aquilo era canja: os espanholitos de Madrid e Salamanca não estavam habituados a jogar na areia... vingávamos assim no areal da Figueira as derrotas sucessivas nos primeiros estádios da Europa. O “Mantana” ganhava duas vezes porque tinha sempre umas apostas de gelados, bolacha americana ou bolas de Berlim com um espanholito abastado. Ai quanta peseta não gastou o irmão peninsular com o terrível “Mantana” rei dos golos á meia volta e da canelada astuciosa! Saravah para ambos e que a vida vos corra bem!
Voltando ás mulheres de cá: Onde as duas se perderam foi quando se falou em goal average! Portanto, e voltando aos nossos lavores, o futebol é bom enquanto é futebol. Claro que só há futebol bom quando há boa saúde pública, impostos bem cobrados para não se ler a vergonhosa proposta da federação no que toca a isentar de IRS os prémios dos jogos a pagar aos nossos jogadores...
Mas estas coisa o “historiador” Ramos passa-as de lado. Ele tenta trocar alhos com bugalhos e fazer alguma conta sinistra com algum colega. Mas há mais: Porque é que um intelectual inimigo do “esférico rolando sobre a erva” (esta é só para a malta que sabe mesmo de futebol, paisanos é favor abster-se) não há-de dizer o que pensa? Porventura o Figo (esse enorme e magnífico jogador, o melhor desta equipa, o mais esforçado, o mais trabalhador com a idade que já leva - !!! –) jogará pior? Porventura a taxa de mortos na estrada piorará, com cinquenta linhas traçadas em duas folhas de papel almaço ou dois mil caracteres no Ibook G4, jurando que o país está na fossa?
A equipa portuguesa, cujas expectativas eram muito menores, é a quarta melhor equipa do mundo futebolístico. Para mim chega e sobra. Daqui a quatro anos, há mais e logo se verá. Já agora gostaria que o país fosse o quarto melhor, não do mundo, mas tão só da Europa dos 25. Ou mesmo o quinto. Vá lá, o sexto e não se fala mais disso...
2 Alguém, amável mas ignorante, manda-me um documento para eu assinar condenando a chacina perpetrada contra os judeus em Lisboa, no reinado de D Manuel (que ausente em Évora, já só teve possibilidades de mandar julgar e castigar os mentores do massacre, coisa que só o honrou e que não restituindo a vida às vítimas sempre poderá ter parado progroms seguintes). E além da minha assinatura, convocavam-me para um pedido de desculpas em nome do país ou dos portugueses aos actuais judeus. Lamento muito mas não dou para esse peditório. Não tenho qualquer responsabilidade no que sucedeu há quinhentos anos. Não estava lá, nem em projecto. A minha assinatura não ressuscitaria ninguém, não pararia mão violenta e assassina dos dois frades dominicanos que com os seus sermões incendiaram a turba-multa. Também não sou responsável pela inquisição, pelas leis anti-religiosas da 1ª republica, pelo 28 de Maio ou pelo massacre de Wiriamu. Não fiz parte da expedição de D Francisco de Almeida para vingar a morte do filho, tolo e imprudente, com um dos mais terríveis massacres de que há memória na nossa conturbada história da colonização da Índia. Sou, tão só, responsável pelos meus actos, pelas minhas palavras e, eventualmente, pelos meus silêncios. E bonda!
3 O Público publica (boa esta!) um artigo sobre o actual mapa judiciário: 62 comarcas recebem anualmente menos de 500 processos!!! Ai que trabalheira!!! Entretanto 69% das comarcas recebem entre 2.000 e 4000 processos para já não falar das 18 que apanham entre 10.000 e 20000. Perante isto não será melhor refazer todo o mapa mesmo que isso signifique deixar muita terra do interior sem um tribunal inútil? Claro que também há a solução de deixar tudo na mesma e continuar a assobiar para o lado enquanto os cidadãos desesperam por justiça. Ou criar mais um pancadão de tribunais nas zonas de mais processos. Até Lisboa e Porto terem um tribunal por bairro, ou por freguesia...
Aceitam-se apostas sobre este curioso tema.
4 Morreu Sid Barrett, um dos fundadores dos Pink Floyd: o caríssimo leitor José fará o favor de iluminar os seus colegas leitores aqui no incursões. Eu sou mau em matéria de Pink Floyd, mesmo tendo –e de época! – o The Dark side of the Moon, o Ummagumma, o Wish you were Here e o The Pipper at the Gates of Dawn, ao todo oito albums ainda no velho formato LP. Todavia, e apesar de lhes ter carinho, não fazem parte do meu privativo universo do pop rock. Paciência!, mas a verdade é que, por um breve instante, a morte do Sid Barrett me lembrou a minha juventud divino tesoro cantada por Dario, Ruben Dario, esse enorme latino americano que vos recomendaria como leitura poética para o Verão.

5 recado para uma gorda série de amigos: um abraço. Grande!

4 comentários:

Jeremias disse...

Caro M.C.R.
Antes de mais uma pequena correcção, é Syd Barret e não Sid Barret como o senhor escreveu.
Apesar de não ser do meu tempo, considero-me um entendido em matéria de Pink Floyd e lamento a perda deste marco da história da música rock.
Recomendo a audição dos trabalhos a solo que vale a pena mesmo para quem não se considere grande apreciador.
Não conhecia esta "Cáncion de Otoño en Primavera" (Juventud, divino tesoro) de Ruben Dario mas, após breve pesquisa, consegui a sua audição intrepertada por Paco Ibáñez-Rafael Alberti numa gravação de fraca qualidade, li o poema, e gostei.
Como sempre a apreder consigo.
Cumprimentos.

M.C.R. disse...

tem o leitor carradas de razão. Syd!
Nem vale a pena dizer que eu pensava que era uma abreviatura de Sidney pois agora já sei que ele tinha um nome completamente diferente. Ignorancia, pois, bem gordinha.
já não tem razão quando diz que aprende comih+go como assim se v~e. Se conhecessemos todos os poetas do mundo mal estaríamos nós e eles. Muito obrigado, em ambos os casos.

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Um abraço para o MCR.

josé disse...

Ai, o magano. Eu a ver se escapava desta, porque o Syd não me leva a escutar mais do que duas ou três musiquitas, sem história e por outro lado ando imerso em ideias efervescentes sobre...Françoise Hardy.
É. A música francesa levou-me aí, a essa plages sublimes de romantismo e a Françoise é simplesmente um bijou que me encanta demasiado e me entusiasma os sentidos românticos.
Vai ver o que vou escrever...quando o tempo arrefecer um pouco.
isto está mesmo muito quente. Ahahahah.