22 julho 2006

Estes dias que passam 31

1 Comecemos pela anedota para, infelizmente, sermos obrigados a falar de coisas mais sérias: Elvas e o seu amado presidente, que bela metáfora de um Portugal que pensávamos sepultado na memória das histórias jocosas do país. Um cavalheiro, eleito presidente da Câmara local vai permitindo aos seus munícipes (ia-me descaindo a mão para súbditos) que o celebrem dando o seu nome a bairros, ruas e sei lá que mais. Não que o senhor presidente o queira, nada disso. Ele é modesto. Mas – há sempre um mas nestas coisas – ele, que nasceu em berço humilde, sabe que as homenagens prestadas são apenas uma erupção de amor pelos humildes, de reconhecimento pelos que sobem pela vida a pulso. E por isso, só por isso, aceita, a contre-coeur a homenagem eventualmente excessiva dos conterrâneos. Atenção o cavalheiro não se chama Alberto João. Isso é para o numero seguinte.
2 Alberto João (Iº), aparece de novo sob o manto duvidoso da indignação. E razão tem ele. Razão mais que sobeja! Então não é que o governo da República, o governo colonialista de Lisboa, se recusa a financiar-lhe uma vez mais o deficit! Pela 1ª vez em 30 anos, há uns “cubanos” lisboetas que não lhe dão o dinheiro que ele, em berraria avinhada, exige, batendo os membros inferiores no chão, e inchando a careta para assustar o contrincante. Está zangado, o dono da Madeira. E por ele zangam-se também, os cavalheiros do PPD/PSD que se indignam com a maldade feita à Madeira. E chegam a insinuar que o governo, tira à Madeira para dar aos Açores. Claro que os cavalheiros do PPD/PSD não leram ( ou se leram não prestaram atenção, ou se prestaram, estiveram-se nas tintas) o relatório da União Europeia que coloca a Madeira fora das zonas pobres ao mesmo tempo que lá mantém os Açores... Que A. J., o Primeiro, diga asneiras e ataque os “cubanos” da Metrópole exploradora e colonialista, já não surpreende. Que uns cavalheiros da mesma metrópole colonialista e exploradora, o apoiem só porque se acolhem à mesma sigla partidária, já dá que pensar...
3 Uma senhora de meia idade, cabelos ao vento e pouco agraciada de cara, que dá por Esther Mucznik escreve uma inflamada patetice política sobre o Estado de Israel e as suas actividades mafiosas nos territórios a norte e a sul do país. Esta senhora é, ou foi, a actual presidente da comunidade judaica em Portugal e, suponho, é nossa co-nacional. Se não for também não tem importância. O artigo publicado sexta feira lembraria a palhaçada de Elvas se não houvesse mortos no caminho. Muitos mortos! Esta senhora algum dia será responsabilizada se começarem a aparecer anti-semitas em Portugal. Em poucas palavras: nem as fronteiras de 67 (fronteiras originadas pela ocupação de territórios palestinianos, diga-se de passagem) a sossegam. Para ela, as pontes destruídas no norte, as auto-estradas escavacadas, o aeroporto de Beirute bombardeado, as fábricas (e entre elas a maior central leiteira do Líbano –como se sabe o leite é uma arma estratégica dos terroristas dado que um copo diário os torna imunes às bombas incendiárias de Tsahal) os faróis, os portos, as escolas são alvos naturais porque pertencem á infra-estrutura do Hezbollah. E se não pertence, pertence a aliados, a amigos, a cúmplices, aos sírios, aos iranianos, ao Saddam Hussein, á al Qaeda ou ao Al fatah, ou a o merceeiro da esquina que é um comprovado anti semita!
Eu bem sei que esta raiva cega, este olhar vesgo sobre a história dá muito em algumas senhoras com os ovários em polvorosa por via da menopausa. E em alguns cavalheiros com dispepsia. E nos tolos. E nos parvos. E nos pobres de espírito quando não almejam ao reino dos céus.
Gostaria também de sublinhar que Israel nasceu violento: o senhor Beguin, chefe do Irgun sabia disto qualquer coisa. E outros pais da pátria palestinianos, quais sejam os senhores do grupo Stern. E que ainda há gente que sabe o que foi o atentado do Hotel Rei David... Tenho para mim que um Estado que recorre a assassínios selectivos se põe ele mesmo de fora da legalidade internacional, mas enfim...
4 O celebrado Adolfo Hitler sempre interveio nos países limítrofes arguindo provocações terríveis, basta lembrarmo-nos da invasão da Polónia. Ele também entendia que uma “raça” ou os membros de uma religião, eram o ferro de lança duma ofensiva contra o pacífico povo alemão. Vai daí prendeu-os primeiro (como ocorre com centenas ou milhares de palestinianos) e liquidou-os depois, como vai ocorrendo no Líbano de cada vez que um avião lança a sua bondosa e justiceira carga de bombas... Acho que foi Marx quem alguma vez disse que a história se repete...
5 Sempre no Público e sempre de sexta feira eis que respigo mais uma pérola do jornalista José Manuel Fernandes. Segundo este pequeno génio a teoria exposta por Miguel Portas quanto ao problema palestiniano (a vinda de judeus perseguidos na Europa teria introduzido na Palestina um problema de terra que há séculos ali não existia) faz-lhe lembrar uma frase do sinistro Ahmadinejad: se os países europeus dizem que mataram judeus na guerra porque não lhes dão um pedaço da Europa?
Boa pergunta.
Fernandes, o iluminado, deve esquecer-se que os europeus sempre bondosos, juntamente com os bondosos americanos e os maldosos russos, acharam que os judeus podiam ir para uma terra que não era sua há dois mil anos. A Palestina!
Claro que ainda pensaram noutras soluções: Madagáscar, Angola e parece que uma parte difícil do Tanganica. Entretanto alguém terá dito que lá havia pretos, coisa pouco importante na época. O mesmo alguém terá depois lembrado que sendo os judeus, brancos poderiam ser caçados pelos pretos maus que inclusive os poderiam comer. Os pretos são, como se sabe maus e antropófagos. Finalmente entendeu-se que a Palestina era um bom sítio: perto da Europa, perto do mar, perto de países habitados por beduínos muçulmanos, portanto ainda piores que pretos!, que urgia acalmar. Uns milhões de refugiados a mais ou a menos naqueles desertos não fazia mal E até poderia desestabilizar os países da região...
Para acabar: tenho quanto aos adeptos do terrorismo uma teoria: são assassinos que metem nojo. Que envergonham o Homem. E a civilização. Exactamente como os Estados que não sabem quais são os limites à sua acção militar. Que do alto da sua força, não vencem , humilham. E fazem por isso nascer ódios inextinguíveis.
Mas eu sou apenas um vago português já velho, pouco prestável e indignado. Não pertenço a nenhum povo eleito, não tenho uma religião onde me refugiar, nem acredito no uso da força desproporcionada. Sou, eventualmente, um elemento de uma espécie em vias de extinção. Como os libaneses do sul... com uma diferença: ainda não estou á mercê de uma bomba vinda do céu.
PS: morreu tranquilamente na cama um cavalheiro chamado Ta Mok, era cambodjano e khmer vermelho. Esses ao menos, não deixaram para hoje o que puderam fazer ontem. Sozinhos e artesanalmente mataram milhão e meio de compatriotas. Lembremos que muito boa gente deste pais – e não só – festejou em seu tempo a “revolução cambodjana”. Hoje escrevem em jornais respeitáveis.

3 comentários:

O meu olhar disse...

MCR, li o seu texto com um sorriso e um amargo na boca. Pena é que a realidade seja tão caricata, mas seja realidade.
Já agora: não é um velho português nem está só.
Uma pequena história: há dias, num jantar cá em casa, falava eu do que se passava no Líbano com a revolta vinda da impotência e dizia o meu filho mais novo: mas mama, tu não podes fazer nada! Ao que comentou um amigo dele, mais novo, de 11 anos: sozinha talvez não, mas com outros pode.
Coisas de crianças…

o sibilo da serpente disse...

A esquerda é contra Israel. A direita é a favor de Israel. Eu continuo a lamentar o que está a acontecer, indeciso, sem posição definida. Moral da história: não sou de esquerda nem de direita - devo ser imbecil.

Silvia Chueire disse...

Não importam nada a esquerda e a direita, carteiro.
Agora, num certo sentido, nem os paises importam, e sim as pessoas que estão morrendo.

O Líbano vinha permitindo as ações do Hezbollah, mesmo porque nem tinha como combatê-lo. Tentavam negociar a questão das armas muito lentamente enquanto ao mesmo tempo os traziam para a política.
Israel "cometeu" a idéia de invadir o Líbano do mesmo modo como fez na década de 80 para acabar com o Hamas ( e foi o que se viu, surgiram facções ainda mais radicais e o Hamas sobreviveu).
Ora, de que modo poderia ser possível combater o Hezbollah, a não ser matando civis, já que eles viviam misturados à população civil ( tinham até programas sociais) ? Aí é como se não tivessem soluções diplomáticas.
Acho mais do que lamentável é que tenham tomado esta decisão, matando gente desarmada e que não tinha idéia do que vinha, portanto não se protegeram. E mais lamentável ( se não revoltante) porque se (e duvido) resultar terá sido às custas de milhares de civis mortos. Imagino a agonia dos libaneses ao perceberem que não terão ajuda senão depois que o país estiver completamente destruído e suas famílias dizimadas; que não podem contar com a ONU e menos ainda com outros países.
Imagino a vergonha que eu teria de ser israelense numa hora dessas.

Por alguma razão boba isto me fez lembrar de quando eu era menina .
Lembro-me que era indigno, covarde, batermos em algum menino ou menina menor que nos tivesse agredido, mesmo que nos ferisse ( com uma pedra, por exemplo). E muito mais ainda se chamássemos amigos para nos ajudarem de modo que ficassem muitos contra um.
A disparidade de armas , tecnologia e poder faz com que agora, no Líbano, sejam muito mais do que cinco contra um. Assim o Hezbollah captura e mantém sequestrados dois soldados do exército de Israel para negociar prisioneiros palestinos , coisa que já aconteceu antes. E o governo de Israel ataca o Líbano com a força de um exército.
Pode parecer ridículo, mas foi a lembrança que me veio.
Mesmo sabendo que as implicações políticas, econômicas os interesses de outros países são muito mais que isso.

Last but not least, como o MCR abomino o terrorismo, venha de que lado vier, os assassinatos, a destruição de instituições necessárias à população civil (de casas, hospitais, igreja, etc), a tortura, os atentados.
Achei inqualificável o ocorrido em 11 de setembro. Revoltante.

O fato de um ou mais governos estarem agora escapando à lei. Eles que deveriam cuidar para que ela fosse cumprida.