18 julho 2006

Vazio


Troveja ao longe e o vento solta-se, um vento forte, quase furacão, que verga as árvores aqui ao lado. Espero que esta noite chova na Afurada, uma chuva que baste para amainar este tempo de guerra. Eu, que nunca gostei de trovoadas nem de chuvas e sempre gostei dos tempos quentes, das viagens tórridas de carro, devo ter cedido à idade e quero a chuva que a trovoada anuncia.

Já deixei de usar gravata, mas nem assim. Sinto-me sujo logo que acabo de tomar banho, a roupa cola-se, sufoco, ligo o ar condicionado do carro pela primeira vez em muitos anos, sinto a cabeça calcinada, os olhos desorbitados, um enorme torpor e apetece-me fugir para onde haja mar. Não posso. Continuo por aqui.

Agoniado, hoje, sobretudo ao fim da tarde, num dia em que estive para nem ir ao escritório porque me concedi o direito (que não usei completamente) de um dia de folga, assim, a meio da semana, num dia em que a Volta a França chegou ao Alpe-D'Huez e eu queria ver. Acabei por ir: mensagens do escritório com mais uma providência cautelar. Uma fdp de mais uma providência cautelar, mais um prazo que corre até dia uma sexta-feira qualquer que já nem sei.
Zombie. Completamente!

Com os pés em cima da mesa, lembrei-me das acções que tenho para articular e praticamente morro quando a seguir olho para as fdp das providências cautelares. E ouço o Mocho que acaba de chegar, também ele exausto. Sentado à minha frente, ciente do meu olhar desvairado, ele de ideias mudadas quanto às férias judiciais, que ele agora também acha que deviam ter ficado como estavam, porque, afinal, somos nós os tramados. Ambos arruinados, incontinentes verbais, coisa que raramente me acontece, sobretudo quando há senhoras, e estava lá a Rosana, que pode não aprender muito direito connosco, mas que fica a saber quanto custa a vida.

Continua a trovejar, agora mais perto. O vento amainou, mas chove copiosamente na Afurada de Cima. Apetece-me ir para a varanda, tomar um banho de chuva e ver o Douro, mas tenho medo da trovoada e destes tempos de guerra e nem sequer me apetece falar de guerra. Egoista nas minhas guerras, grato às minhas noites de insónia em que elaboro o que faço nos dias que seguem e grato por ter sido jornalista, onde aprendi a escrever depressa. E a resolver. A resolver, mesmo quando os tempos são de brasa e eu estou debilitado. Resta saber até quando. E resta saber até quando vou continuar neste vazio...

6 comentários:

M.C.R. disse...

De acordo com tudo. E com inveja pelo belo texto!
Um abraço ao Mocho e outro para Si

o sibilo da serpente disse...

Ora, asna, é tudo boa vontade de quem lê, como o MCR. Abraços, MCR.
Ah, sim, o vazio prossegue. Ando nos limites, mesmo.

o sibilo da serpente disse...

Caríssima, eu não passo de um escrevinhador de textos sobre banalidades. O que nunca poderá dar um bom texto. Já não vou a tempo de ser um intelectual, nem me apetece debitar sobre matérias sobre as quais não tenho certezas. Pelos menos algumas certezas que vejo por aí...


Quanto ao mais, eu já não distingo os fds do resto...

o sibilo da serpente disse...

Olhe, preciso de fazer uma coisa dessas com urgência. Não é para me interditar a mim. Mas talvez aproveite a embalagem...
Boa noite.

M.C.R. disse...

Caro Carteiro
cheguei a uma idade em que tanto se me dá que gostem ou não do que escrevo. Todavia quando eu gosto de um texto, digo-o. Não são bons olhos. São olhos de leitor impenitente

o sibilo da serpente disse...

obrigado, leitor impenitente.