19 julho 2006

Estes dias que passam - Gulbenkian

Gulbenkian!

1 Eu cá sou, como diz o meu amigo Mário Vale Lima, “cão que conhece dono”. Quero com isto dizer que me sinto grato e gosto de o dizer. Já basta de tanto mau momento que se passa para ainda por cima não sabermos essa coisa simples e magnifica que é dizer obrigado.
E agora que a Fundação Calouste Gulbenkian faz cinquenta anos, repito o que mesmo aqui (Gaudeamus Igitur) já disse: fui bolseiro da Fundação e estou-lhe por isso muito grato. Pode haver quem diga que a fundação não fazia mais do que cumprir os seus estatutos. Pois! Mas eu estou-lhe à mesma grato, gratíssimo. Durante alguns anos pagaram-me com honrada decência bolsas de viajem e estadia para o Curso Superior de Direito Comparado, para o Curso de Direito do Trabalho Comparado e para um primeiro ciclo de Instituições Europeias. Cinco bolsas!
E porque fui associado do CITAC (Centro de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra) e fiz parte do elenco de diversas peças levadas à cena –sempre na equipa técnica, confesso – também lhe tenho de agradecer o apoio sem reservas à actividade do grupo. E como gosto de teatro tenho de agradecer a ajuda dada a todos os grupos universitários de teatro. E porque frequentei muito as suas actividades acho que também isso é de agradecer. Como finalmente agradeço a excepcional publicação “Colóquio Artes” e a sua mana, identicamente excelente “colóquio letras”.
Dona Gulbenkian, obrigado, Danke, grazie, merci, thank you, kanimambo!
2 E já que estou com a mão na massa, deixem-me agradecer, entre todos, sem os esquecer, a um grande senhor da Universidade e da Cultura Portuguesas: António de Arruda Férrer Correia. Professor distintíssimo, homem de palavra e de palavras, corajoso militante do MUD, Reitor da Universidade de Coimbra, Reitor Honorário da mesma escola, Director da Fundação e seu Presidente.
3 Há uns anos, numa roda de amigos, veio à baila o nome de Férrer Correia. Assim a secas: Férrer Correia! E duas vozes, e uma era a minha, atalharam de supetão: Doutor Férrer Correia! Doutor por extenso, por mérito, por qualidade absoluta. O infeliz dono do Férrer sem mais, desculpou-se, estava distraído, pois claro, Doutor. Muito tempo depois, num programa de rádio ouvi-o com estas que a terra há-de comer: Doutor Férrer Correia, pausa, Professor Doutor Férrer Correia, corrigiu-se. E nesta correcção ia um imenso e respeitável efe erre a! Dos sentidos!
4 Uma história muito pessoal: no primeiro ciclo de Direito Comparado, realizado com dignidade impar na Fundação, o Doutor Férrer Correia estava na mesa de honra na sessão final para a distribuição dos diplomas. Por acasos da sorte, eu fui o único português a ter uma mention trás bien. Os respeitáveis cavalheiros da mesa iam, à vez, dando o diploma à rapaziada mas num determinado momento, vi o meu antigo professor de Comercial e Internacional Privado, gesticular comicamente e obrigar o Professor Krutogulov, Pro-Reitor da Universidade de Moscovo, a trocar de lugar com ele naquela soleníssima sessão. E com a voz vibrante de orgulho, o Velho Senhor chamou não pelo nome do diploma, sempre abreviado, mas pelo nome completo, este vosso criado: MCCR! E não contente com isso, apresentou-me formalmente a todos os membros da mesa! Viva eu cem anos que nunca esquecerei esta imensa honra feita por um professor a um seu antigo aluno.
E por isso, durante anos a fio, sempre que ia a Lisboa ou a Coimbra, eu tentava visitar o Doutor Férrer Correia, cumprimentá-lo, dar notícias. Em não estando, era simples: um cartão de cumprimentos. Nunca fiz isto a mais ninguém. Provavelmente, com a idade que levo, nunca mais o farei. Mas este homem era excepcional: excelente professor, simpatia irradiante, humor muito britânico, dedicado aos alunos (e por tantos, tantas vezes me perguntou), corajoso, simples e sempre, sempre ao lado dos seus estudantes.
No meu panteão pessoal, e também já aqui o disse, há uma série de personalidades que muito me marcaram; Paulo Quintela, Luis de Albuquerque, Orlando de Carvalho, Jorge Delgado, Marcos Viana, “Fred” Fernandes Martins, Ilídio Sardoeira, tudo professores e amigos, a que não falta, e aqui, sim sem doutor nem senhor, Férrer Correia.
Não foram ministros, generais, jet set, muito menos empresários ou dirigentes políticos. Foram só, e apenas, como se diz no hino, varões assinalados. Os seus nomes são para mim um acróstico de pátria, um dique contra a desesperança, um voto no futuro, uma doce recordação. Como a das cerejas, que eram ginjas!, que comíamos na árvore ou o mar de Buarcos!


PS: o confrade d'Oliveira pede o favor de co-assinar este texto. Sempre ás ordens, d'Oliveira! Tenho muito gosto.

2 comentários:

o sibilo da serpente disse...

A Biblioteca Itinerante foi das melhores coisas que me aconteceram a partir dos cinco anos. Curioso! Ainda no fim-de-semana passado falava disso com uns amigos, que também devoravam os livros da "carrinha"...

M.C.R. disse...

liotecas da Gulbenkian não me serviram. Até aos doze anos tive a enorme (e excelente) Biblioteca Municipal Fernandes tomás da figueira. Depois intervalei em África,. Quando regressei havia ao meu dispor as coimbra, depois a de Braga, a do Porto e finalmente a de Coimbra. Vantagens de viver e estudar em cidades grandes...
Não esqueço todavia que as "itinerantes" deram emprego a muito boa gente, Herberto Hélder incluído, para não falar de muito opositor ao regime que não conseguia emprego em bibliotecas públicas.